Condenado na trama golpista, o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques foi preso ontem no Aeroporto Internacional de Assunção, no Paraguai, em uma tentativa de fuga, após violar a tornozeleira eletrônica. O plano era embarcar para El Salvador, na América Central, com documentos falsos. O ex-diretor da PRF foi entregue à Polícia Federal (PF) ontem à noite, após ser levado de carro pelas autoridades paraguaias até Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil. Preso: Polícia do Paraguai entrega Silvinei Vasques às autoridades brasileiras Plano: Silvinei levava carta em espanhol ao ser preso dizendo que câncer o impedia de falar e compreender 'instruções orais' Após a tentativa de fuga, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou sua prisão preventiva (leia mais detalhes na página 5). Há dez dias, Silvinei foi condenado pela Corte a 24 anos e seis meses de prisão por participação na tentativa de golpe de Estado. Ele integrava o chamado “núcleo dois”, que usava a máquina pública para interferir nas eleições de 2022 e manter o então presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. Segundo as investigações da PF, o plano de fuga envolveu a confecção de um passaporte paraguaio, a saída de casa na noite de Natal, a locação de um carro e a violação da tornozeleira eletrônica, que parou de funcionar no meio do trajeto provavelmente por falta de bateria. Silvinei mora em São José, na Região Metropolitana de Florianópolis. Até 16 de dezembro, ele era secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da cidade, que fica a 1,3 mil quilômetros de Assunção. Carro alugado Conforme imagens de segurança do seu prédio obtidas pela PF, Silvinei foi visto pela última vez em seu endereço às 19h do dia 24, véspera de Natal. Naquele momento, ele carregou um carro Polo prata com bolsas — os investigadores apontaram que “não eram malas”. Nos bancos dos passageiros, ele colocou sacos de ração, tapete higiênico, pote e um cachorro aparentando ser da raça pitbull. Na ocasião, o ex-diretor-geral da PRF vestia calça de moletom preta, camiseta cinza e um boné preto. A PF identificou a placa do Polo e constatou que se tratava de um veículo alugado, apesar de Silvinei possuir um carro próprio, que “continua transitando pela região da Grande Florianópolis”, segundo o relatório da Polícia Federal. Mapa com os detalhes da fuga de Silvinei Vasques Arte GLOBO As autoridades só se deram conta da fuga por volta das 3h do dia 25 de dezembro, quando a tornozeleira eletrônica parou de emitir sinal de GPS (de localização) e, depois, de GPRS (da rede 2G). Às 20h do dia de Natal, agentes da Polícia Penal de Santa Catarina — responsável por acompanhar o monitoramento eletrônico dos apenados do Estado — foram até o endereço de Silvinei. Bateram à porta e ninguém respondeu. Segundo o relatório da PF, a “equipe de policiais federais repetiu o procedimento e chegou aos mesmos resultados”. A essa altura, o ex-diretor da PRF já estava a caminho do aeroporto internacional de Assunção — onde foi preso. Para tentar capturá-lo a tempo, a PF acionou a adidância no Paraguai, que, por sua vez, avisou à polícia local, responsável pela detenção. Os investigadores destacaram nos autos que a tornozeleira eletrônica violada não foi encontrada. Na hora da prisão, o ex-auxiliar de Bolsonaro portava um passaporte paraguaio válido, que trazia foto, nome e informações de outra pessoa. O documento estava no nome de Julio Eduardo Baez Fernandez, nascido em 1981, em “Puerto Presidente Stroessner”, antigo nome de Ciudad del Este, no Paraguai. Agentes do setor de migração do Paraguai verificaram que os dados biométricos de Silvinei não batiam com o do passaporte. Silvinei tinha uma passagem para El Salvador, com escala no Panamá. Ao tentar embarcar, ele trajava camiseta verde, calça jeans e um óculos de aro preto. As autoridades brasileiras avisaram o governo do Paraguai sobre a possibilidade de o ex-diretor da PRF fugir. A polícia daquele país identificou Silvinei após mandar uma foto para policiais brasileiros. Com a imagem de Silvinei em mãos, a PF não teve dificuldade para atestar às autoridades paraguaias que se tratava do ex-diretor da PRF. O contato das autoridades paraguaias com as brasileiras se deu por volta de 1h, na madrugada de anteontem para ontem. Segundo o diretor de Migrações do Paraguai, Jorge Kronawetter, Silvinei foi expulso do país por ter ingressado de maneira irregular. Como não havia mandado de prisão contra ele naquele país, o ex-diretor da PRF foi entregue às autoridades brasileiras. Além dos documentos falsos, Silvinei levava uma carta escrita em espanhol segundo a qual ele tinha câncer e não podia se “comunicar verbalmente nem compreender instruções orais”, segundo informações divulgadas pela GloboNews: “Tenho diagnóstico de Glioblastoma Multiforme — Grau IV, câncer localizado na cabeça (cérebro), doença oncológica de prognóstico grave, razão pela qual não posso me comunicar verbalmente nem compreender instruções orais”, diz trecho da carta. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que a prisão de Silvinei foi resultado de uma ação coordenada entre a PF brasileira e as autoridades paraguaias, “com atuação destacada” da adidância brasileira no Paraguai. Prisão anterior Vasques já havia sido preso antes, em agosto de 2023. A operação em questão tratava da atuação dele em ordenar bloqueios da PRF em rodovias no segundo turno das eleições de 2022. Conforme as investigações, a medida visava dificultar o trânsito de eleitores na Região Nordeste, onde o presidente Lula obteve votação expressiva. Na ocasião, Vasques teve o passaporte apreendido pela PF. Um ano depois, em agosto de 2024, ele foi solto por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que substituiu a prisão preventiva por medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, o cancelamento de passaportes e o veto a se manifestar em redes sociais. Silvinei ingressou na PRF em 1995 e construiu uma carreira de 27 anos na corporação. Durante o governo Bolsonaro, chegou ao cargo máximo da instituição. Ele se aposentou voluntariamente com salário integral em dezembro de 2022, logo após as eleições. Apoiador declarado de Bolsonaro, o então chefe da PRF chegou a pedir votos nas redes sociais para o candidato à reeleição às vésperas do segundo turno. Em publicação feita em sua conta pessoal no Instagram, na noite do sábado que antecedeu a votação, o policial escreveu: “Vote 22, Bolsonaro presidente”. O pedido estava acompanhado de uma foto da bandeira do Brasil, mas foi apagado no início da tarde do dia seguinte. Pouco antes do primeiro turno, Silvinei também presenteou o então ministro da Justiça Anderson Torres — pasta à qual a PRF está subordinada — com uma camisa do Flamengo exibindo o número 22, usado por Bolsonaro nas urnas. O item foi mostrado pelos dois no auditório da sede da corporação, durante um evento oficial.