Atraídas pelos ensinamentos de autodefesa, autoconfiança e presença, cresce a procura de mulheres pelo jiu-jítsu

Academias de jiu-jítsu têm reportado uma mudança no perfil dos alunos que chegam aos seus tatames. Uma onda de mulheres, especialmente perto dos 40 anos, tem buscado na modalidade uma soma de benefícios: condicionamento físico, disciplina, presença, autoconfiança e uma forma concreta de autodefesa, para citar alguns. O boom de celebridades que praticam o jiu-jítsu – de Gisele Bündchen à cantora Demi Lovato – e compartilham a prática nas redes sociais ajuda a potencializar a mensagem para as mulheres. Tanto que academias brasileiras consagradas, como a Alliance e a Gracie Barra, já somam centenas de unidades espalhadas pelo mundo, e a presença feminina só faz crescer – sinal de que a modalidade, conhecida como “arte suave” por priorizar técnica e estratégia sobre a força, ultrapassou as barreiras de nicho. Seria errado dizer que o jiu-jítsu está na moda – afinal, uma arte marcial centenária, que acumula atletas dedicados não apenas às suas práticas físicas, mas também à sua filosofia, não se apega a modismos passageiros. Mas é possível afirmar que mais pessoas, de diferentes perfis, têm visto nele uma ferramenta de saúde física, mental e social. Kyra Gracie, atleta da família Gracie, clã responsável por aprimorar e difundir a modalidade no país, e dona da academia de jiu-jítsu Gracie Kore, diz que em suas duas unidades no Rio de Janeiro, 50% do público é feminino. “Temos turmas femininas com professoras e a maioria das alunas tem 40 anos ou mais. Comecei no esporte quando a prática ainda era dominada por homens e extremamente machista, as mulheres não tinham voz. Sinto que muitas alunas vêm para quebrar esses padrões e buscar empoderamento. Algumas já passaram por situações de agressão ou assédio e encontram no jiu-jítsu uma ferramenta de autodefesa”, explica Kyra, que viraliza nas redes sociais com vídeos que ensinam defesa pessoal ao lado do marido, o ator e também atleta de jiu-jítsu Malvino Salvador. A presença de professoras e turmas femininas nas academias tem sido um fator decisivo na crescente procura de mulheres pela modalidade. “Meu primeiro contato com o jiu-jítsu foi quando acompanhei meu filho a uma aula e me interessei de imediato. Sou uma pessoa que gosta de intensidade, de força, e o que chamou minha atenção foi ver que havia muitas mulheres praticando. Isso me inspirou”, conta a estilista e empresária Lilly Sarti. Na rede de academias Alliance – que conta com 300 escolas em 32 países, e acaba de inaugurar uma flagship em Londres, na Imperial Wharf, e outra em Huntington Beach, na Califórnia –, a procura feminina foi tanta que os proprietários criaram um programa dedicado a elas. “Nós temos mais de 40 mil alunos ativos e, nos últimos anos, registramos um crescimento de cerca de 30% no número de alunas. Para incentivar ainda mais esse movimento, criamos o Alliance Diamonds, pensado para fomentar a presença feminina no tatame. Isso inclui aulas exclusivas, formação de professoras e ações que fortalecem a representatividade, tornando o ambiente ainda mais acolhedor”, afirma Fábio Gurgel, um dos sócios-proprietários. Para afastar o estereótipo ameaçador (e um tanto antiquado) de “academias de luta”, as unidades da Alliance são projetadas com identidade visual assinada pela arquiteta paulista Carolina Rocco, com foco em ambientes claros, arejados, convidativos e inspiradores. “Queremos que qualquer pessoa – independente de idade, gênero ou experiência – se sinta bem-vinda”, conclui Fábio. Mulheres praticando Jiu-Jítsu Leca Novo/ Acervo Vogue Foi a convite do atleta e treinador que a apresentadora Daniella Cicarelli experimentou a modalidade no início do ano. “Tenho alma esportiva e sempre vibrei com esporte. Para mim, treinar é um privilégio: significa que sua saúde física e mental estão em ordem. E a disciplina do jiu-jítsu me impressionou. No tatame, você precisa de uma presença total, é um espaço de desconexão dos estímulos constantes do cotidiano. Enquanto está ali, você está 100% focada em resolver os desafios da modalidade, aprender um movimento, sair de uma situação. Algo raro nos dias de hoje”, conta. A apresentadora fez sua primeira aula em abril e, em maio, a prática já fazia parte de sua rotina diária: “Em alguns dias, cheguei a passar seis horas treinando, não queria ir embora”. Entusiasmo muito semelhante ao que sentiu Lilly Sarti: “Em dois meses, completei cerca de 60 aulas e conquistei o segundo grau. Cheguei a treinar duas ou três vezes por dia em alguns períodos”, conta. O que torna o jiu-jítsu tão atraente para as mulheres? “A prática traz benefícios amplos. Não faço por isso, mas saber que posso me defender dá uma sensação de potência. Também aprendi a começar do zero, a me relacionar com as pessoas com escuta ativa, a liderar melhor. Internamente, mudou minha maneira de pensar: criei novas conexões, ganhei força e habilidade, e isso se reflete no meu trabalho e na minha vida”, resume Lilly. Não à toa, a modalidade tem atraído nos últimos anos um grande número de empresários interessados nos aprendizados inspiradores de sua filosofia. Cicarelli concorda que os benefícios da arte suave não são restritos ao físico e acrescenta: “O jiu-jítsu me trouxe a sensação de ser mais capaz. Ensinou que precisamos manter a calma nos momentos turbulentos, não nos afobar”. São máximas que ecoam a visão de Kyra Gracie: “Entrar no tatame e começar como faixa branca exige coragem. Ao conquistar novas faixas, ocorre uma transformação interna. Saber onde está o limite, aprender a perder e a ganhar, dar a volta por cima. Essas são lições valiosas”, conclui.