Moradores da vila de Jabo, no noroeste da Nigéria, relataram choque, medo e confusão após parte de um míssil disparado pelos Estados Unidos atingir a comunidade na quinta-feira, caindo a poucos metros da única unidade de saúde local. A população afirma não haver histórico de atuação do Estado Islâmico (EI) ou de outros grupos jihadistas na região, contrariando a justificativa apresentada pelo governo americano para a ofensiva. Contexto: Trump afirma que os EUA lançaram ‘numerosos’ ataques contra o Estado Islâmico na Nigéria Entenda: Ataque ordenado por Trump contra supostos alvos do Estado Islâmico expõe violência étnica e religiosa na Nigéria Jabo fica no distrito de Tambuwal, no estado de Sokoto, uma área rural majoritariamente muçulmana e baseada na agricultura. Segundo relatos de moradores à CNN, o projétil cruzou o céu por volta das 22h de quinta-feira, provocando uma forte explosão ao atingir o solo e fazendo com que os habitantes corressem em pânico. — Não conseguimos dormir naquela noite. Nunca vimos nada parecido — disse Suleiman Kagara, morador da vila, que contou ter ouvido um estrondo e visto chamas antes do impacto. Só depois Kagara soube que o que testemunhara fazia parte de um ataque conduzido pelos Estados Unidos. Horas após o episódio, o presidente americano, Donald Trump, declarou que Washington havia realizado um “ataque poderoso e mortal” contra militantes do Estado Islâmico na Nigéria. Em uma mensagem pública, Trump acusou o grupo de “alvejar e matar brutalmente, sobretudo, cristãos inocentes”, em níveis que, segundo ele, não eram vistos “há muitos anos, ou até séculos”. De acordo com o Comando dos Estados Unidos para a África (Africom), a operação neutralizou vários militantes do EI. A explicação, no entanto, gerou perplexidade entre os moradores de Jabo e autoridades locais. — Em Jabo, vemos os cristãos como nossos irmãos. Não temos conflitos religiosos, então não esperávamos algo assim — afirmou Kagara. Em nova onda: Estado Islâmico usa inteligência artificial para recrutar jihadistas no Reino Unido Bashar Isah Jabo, parlamentar estadual que representa Tambuwal, descreveu a vila como uma “comunidade pacífica”, sem qualquer histórico conhecido de atuação do Estado Islâmico, do grupo Lakurawa ou de outras organizações terroristas. Segundo ele, o projétil caiu em um campo a cerca de 500 metros de um centro de saúde primário. Não houve feridos, mas o episódio “causou medo e pânico na comunidade”. Ataques coordenados O Ministério da Informação da Nigéria confirmou posteriormente que o governo, em coordenação com os Estados Unidos, conduziu “operações de ataque de precisão” contra esconderijos do EI em florestas do distrito de Tangaza, também no estado de Sokoto. A pasta reconheceu, porém, que durante a operação “destroços de munições utilizadas caíram em Jabo”, além de outra área no estado de Kwara, no centro-norte do país. Segundo o governo nigeriano, não houve vítimas civis. Embora partes do estado de Sokoto enfrentem problemas recorrentes de insegurança, como banditismo, sequestros e ataques de grupos armados, moradores afirmam que Jabo não é conhecida por atividades terroristas. O grupo Lakurawa, citado por autoridades, é classificado pela Nigéria como organização terrorista por suspeitas de vínculos com o Estado Islâmico, mas não há registros públicos de sua atuação direta na vila atingida. Sob o véu da incerteza: Europa enfrenta dilema de repatriar mulheres jihadistas do Estado Islâmico A ofensiva ocorre após semanas de declarações de Trump e de setores conservadores dos EUA acusando o governo nigeriano de falhar na proteção de comunidades cristãs. A Nigéria é oficialmente um Estado laico, com população quase igualmente dividida entre muçulmanos e cristãos. Grupos que monitoram a violência no país afirmam não haver evidências de que cristãos sejam mortos em maior número, destacando que a maioria das vítimas dos ataques jihadistas tem sido muçulmana. O ministro das Relações Exteriores da Nigéria, Yusuf Tuggar, disse à CNN que conversou com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, antes da ofensiva, e que o presidente nigeriano, Bola Tinubu, deu sinal verde para a operação. Tuggar ressaltou, no entanto, que a ação não teve motivação religiosa, mas buscou garantir a segurança de civis na região. Especialistas em segurança apontam que a violência persistente na Nigéria tem múltiplas causas. Além do extremismo religioso, o país enfrenta conflitos comunitários e étnicos, bem como disputas entre agricultores e pastores por acesso a terras e recursos hídricos. Para Nnamdi Obasi, conselheiro sênior do International Crisis Group, os ataques aéreos americanos podem enfraquecer alguns grupos armados e representar uma escalada relevante em um conflito com o qual as forças nigerianas têm dificuldade de lidar. — [Ainda assim,] é improvável que interrompam a violência multifacetada em diferentes partes do país, impulsionada em grande parte por falhas de governança — disse.