Aos 17 anos, José Alberto Rodrigues Matos já era conhecido como Zé da Velha. O apelido surgiu quando ele começou a se apresentar com gente da velha guarda como Pixinguinha (1897-1973) e João da Baiana (1887-1974) . Encantou a todos desde a primeira vez em que apareceu, no Cordão da Bola Preta, para tocar o seu trombone com os mestres. E o mestre maior foi Pixinguinha, com quem aprendeu as manhas dos contrapontos, as partes musicais que conversam com a melodia original. — O Zé da Velha é o sucessor do Pixinguinha no contraponto popular — afirma o cavaquinista e historiador do choro Henrique Cazes, amigo do trombonista por quase 50 anos. Zé da Velha: morre trombonista e referência como solista de choro, aos 84 anos Audiência cativa: coleção de 1600 vinis, incluindo raridades, é encontrada em antiga prisão da Austrália Se Zé da Velha não ficou mais conhecido, deve-se em grande parte ao seu temperamento. Cazes diz que ele não gostava de holofotes, de ficar em primeiro plano, e preferia tocar em conjunto a solar. Dizia que, em rodas de choro, os músicos devem ser garçons, servindo-se uns aos outros. — Ele era o nosso decano, aquele que mais entendia de rodas de choro — exalta Cazes. Das gafieiras para o emprego no aeroporto Nascido em Aracaju em 1º de junho de 1941, mas registrado em 4 de abril de 1942, era filho de um alfaiate e músico amador, que liderava uma pequena orquestra. Aos 8 anos, mudou-se com a família para o Rio. Morou sempre em Olaria, na Zona Norte. Começou tocando trombone de pisto e depois passou para o de vara. Paralelamente à vida na música, trabalhou como radioteletipista e em outras funções em companhias aéreas como Cruzeiro do Sul e Alitalia. Era comum sair de madrugada de uma gafieira, onde tocara, e ir direto para o Aeroporto Santos Dumont, tirando um cochilo antes do serviço. Quando conseguiu comprar um fusquinha, passou a dormir sempre em casa. Participou de discos importantes, como “Choro na praça” (1977) e “Chorando baixinho: Um encontro histórico” (1978), em ambos ao vivo com grandes músicos. Também tocou com Paulo Moura em discos como “Mistura e manda” (1983). Estúdios estavam longe de ser o seu lugar preferido, ainda mais se pusessem partituras à sua frente. — Não era por ignorância musical, porque ele sabia ler, mas ele se sentia preso, perdia um pouco da expressividade — conta Cazes. — Gostava muito de tocar em bares, em ambientes informais. Foi num bar da Penha (Zona Norte) que virou um templo do choro, o Sovaco de Cobra, que Cazes conheceu Zé da Velha. Conta que, antecipando as harmonias com o seu trombone, Zé da Velha indicava para os outros da roda o caminho que a música devia seguir. E ele entendia bastante de harmonia, até por ser um bom violonista, embora não profissional. Parceria com Silvério Pontes A carreira e a vida do trombonista ganharam outro impulso quando ele se uniu ao trompetista Silvério Pontes, 19 anos mais novo. Conheceram-se em 1986 e formaram uma dupla que viria, graças principalmente ao empenho de Silvério, a gravar seis álbuns, entre 1995 e 2011. Tocaram juntos por mais de 30 anos. Ganharam a alcunha de “a menor big band do mundo” e um livro com esse título, escrito por André Diniz e Diogo Cunha. Silvério Pontes e Zé da Velha em 2010, quando comemoraram 25 anos de parceria com show "Ouro e prata", no Teatro Sesc Ginástico Berg Silva/Agência O GLOBO Silvério se despediu daquele que chamava de “meu pai musical” com um longo texto emocionado nas redes sociais. “Eu ainda era muito jovem, tocava ao lado dele sem saber quase nada da vida musical. Até que num desses momentos, olhando ele tocar, reparei o seu braço todo arrepiado. Eu pensei: é isso que eu quero sentir tocando. Sem que ele soubesse, naquele instante nascia em mim o amor pelo choro”, escreveu. Ao lado de outros músicos, Silvério criou em 2016 o Choro na Rua, grupo voltado para tocar ao ar livre e tornar o gênero mais popular. Zé da Velha participou de alguns momentos, mas já não queria sair de perto de casa, até por causa de problemas de saúde. Em 2023, o Choro na Rua lançou o álbum “Obrigado, Zé da Velha”, que ganhou dois Prêmios da Música Brasileira (grupo instrumental e revelação). Com a renda dos prêmios, os amigos compraram uma cama hospitalar para a casa de Zé da Velha. Ele sofreu uma queda durante a pandemia que exigiu uma cirurgia na bacia. Outros problemas surgiram nos últimos anos, e ele morreu na sexta-feira (26), aos 84 anos, por causa de uma infecção bacteriana. Vários músicos levaram instrumentos para o Cemitério de Inhaúma, no sábado, e se despediram com uma roda de choro. Um desses músicos é Everson Moraes, que já tinha herdado o trombone do mestre. Viúvo, Zé da Velha deixa três filhos.