Nem é preciso recorrer à inteligência artificial para saber que em 2026 fará calor acima do que costumava ser a média histórica. Mas, bem além disso, prognósticos de instituições de referência, como o Serviço Meteorológico do Reino Unido, indicam que será um dos quatro anos mais quentes de temperatura média global, pouco atrás de 2024, que registrou 1,55°C acima da média pré-industrial (1850-1900). Sendo que 2024 foi o ano mais quente da História e 2025 deve ser confirmado em breve como o segundo mais tórrido. Copernicus: 2025 deve terminar como o segundo ano mais quente já registrado Estudo afirma: Até 50% das praias no Brasil, Uruguai e Argentina correm risco de desaparecer até 2100 Calor extra implica diretamente a ocorrência e intensificação de extremos, um padrão que se agrava ano após ano nesta década. A questão para especialistas é quanto de calor e extremos se pode esperar. A Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOAA, na sigla em inglês) diz que a La Niña fraca configurada no segundo semestre deste ano deve seguir até fevereiro de 2026. A La Niña é a versão fria do El Niño, mas isso não quer dizer que haverá refresco. Apenas que o verão poderá não chegar ao nível de 2024. Inundação recorde Tanto o El Niño quanto a La Niña são decorrentes de anomalias na temperatura do Oceano Pacífico Equatorial e têm impacto no clima de todo o planeta. Ambos causam problemas mundo afora. Após a La Niña são esperados alguns meses de período neutro, com cerca de 50% de chance de um El Niño no segundo semestre de 2026. E isso preocupa. O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador de operação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que essa previsão causa apreensão porque não deveria haver chance significativa alguma de El Niño. — O que chama atenção é a mera possibilidade de El Niño porque não deveria haver risco algum. Isso acende uma luz amarela — observa Seluchi. Tanto La Niña quanto El Niño têm impacto global. Mas no Brasil o Niño é o mais temido por trazer calor escorchante o ano todo, secas e inundações. O de 2024, forte e ainda agravado pelas mudanças climáticas, causou a inundação sem precedentes no Rio Grande do Sul e contribuiu para secar a níveis recordes a Amazônia e o Pantanal. O calor reinou Brasil afora, com sucessivas e inéditas ondas de calor em praticamente todo o país. A natureza contra-ataca: O que acontece quando animais selvagens e o homem disputam os mesmos espaços? Regina Rodrigues, professora de Oceanografia e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), concorda com Seluchi sobre a anomalia de períodos sem neutralidade — isto é, normalidade — entre fenômenos, como La Niñas e El Niños. Historicamente, esse intervalo costumava ser de quatro anos. Rodrigues, que também é coordenadora do grupo que estuda o Atlântico e suas ondas de calor da Organização Meteorológica Mundial (OMM), acrescenta que o alento é que, se acontecer, o El Niño de 2026 não deverá ser tão poderoso quanto o de 2024. — O oceano reage de forma lenta a mudanças. Já havia sinais em maio de 2022 para o El Niño de 2024. E até outubro não havia qualquer anomalia quente. Se o El Niño se configurar de fato, forte não será — frisa Rodrigues. O verão em algumas partes do Brasil, sobretudo no Sudeste e no Centro-Oeste, poderá ter calor extra devido a outro sistema atmosférico. Neste caso o Anticiclone do Atlântico Sul ou Alta Subtropical do Atlântico Sul, mais conhecido pela sigla Asas. Em plebiscito: Suíços rejeitam taxar milionários para financiar combate à mudança climática Este é um sistema de alta pressão atmosférica semiestacionário no Atlântico Sul, a oeste da costa da Namíbia e de Angola, e a leste do sul de Brasil, Uruguai e Argentina. Ele influencia fortemente o padrão do clima no Brasil e em parte da África. O problema do Asas é quando ele se aproxima do continente. E no verão de 2026 há chance de que fique mais próximo da costa brasileira. Conjunção de ciclones O efeito é o de um maçarico planetário ligado no talo. A alta pressão esquenta o ar por compressão. E funciona como um sugador de umidade, que não permite que as nuvens, quando conseguem se formar, façam chover. Dias de Asas são dias de calor intenso, até para o verão, e sem a chuva que costuma caracterizar a estação e amenizar a temperatura à noite. Com Asas, são 24 horas sem alívio. Especialistas dizem que em 2026 o clima poderá não ter a fúria de 2024, mas poderá repetir o padrão de extremos bizarros como os registrados em 2025. No Brasil, o mais recente foi o vendaval com céu azul que cancelou centenas de voos, deixou dois milhões de pessoas sem luz e provocou transtornos em São Paulo no começo deste mês. As rajadas chegaram ao recorde de 98 km/h. Mas Seluchi explica que muito mais destrutivo foi o vento sustentado por horas seguidas na faixa dos 50 km/h. É esse tipo de vento que afeta até mesmo árvores e estruturas que normalmente resistiriam. Por trás, estava um anticiclone. Esses fenômenos ocorrem praticamente todo o ano, mas no fim da primavera não costumam se deslocar nem para a terra nem tampouco tão ao norte. — Nessa época eles ficam pela Patagônia. Mas este se estendeu do Rio da Prata, na Argentina, ao Rio de Janeiro, que sofreu os efeitos de borda, ainda que com menos intensidade do que São Paulo. Além da formação muito ao norte, era um anticiclone enorme, com aproximadamente dois mil quilômetros de diâmetro. É muito raro um anticiclone alcançar o Rio de Janeiro — sublinha Seluchi. Entrevista: COP30 tirou o debate climático dos salões da diplomacia e trouxe para as ruas de Belém, diz pesquisadora O número de desastres climáticos em 2025 foi muito menor do que o de 2024. O Cemaden registrou este ano cerca de 2.200 alertas, mil a menos que em 2024. Ainda assim, o Brasil teve em 2025 fenômenos extremos inéditos como tornado que destruiu 90% de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, em 7 de novembro. O Brasil sofreu, mas houve regiões do mundo ainda mais impactadas. Exemplo disso foi a conjunção inédita de três grandes ciclones (nome dado aos furacões em parte da Ásia) em países da orla do Oceano Índico, também na primeira semana de novembro. Os ciclones Senyar, Ditwah e Koto atingiram em cheio Sumatra, na Indonésia. Também foram afetados duramente Malásia, Filipinas, Sri Lanka, Vietnã, Tailândia, Ilhas Andamã e Nicobar (ambas da Índia). Os ciclones produziram um período praticamente ininterrupto de mais de uma semana de ventos sustentados superiores a 120 km/hora, chuvas torrenciais, inundações e deslizamentos de terra. Mais de mil pessoas morreram, um número até agora incerto ficou ferido, e milhares de casas, prédios, estradas e pontes foram destruídos. COP30: Novas tecnologias expostas em Belém ajudam a revelar segredos dos oceanos A perda de infraestrutura e casas em Banda Aceh, em Sumatra, foi próxima à das tsunamis do Índico de 2004, mas o mundo em grande parte ignorou essa emergência. Segundo a revista Nature, a chuva foi tão intensa que criou “um mar furioso em terra firme” em certas partes de Sumatra. Uma semana de chuva ininterrupta gerou uma poderosa corrente pluvial semelhante a uma tsunami que arrastou tudo em seu caminho. Outras partes do mundo enfrentaram secas históricas. O caso que mais chamou atenção foi Teerã, uma seca tão severa que fez o governo iraniano cogitar retirar moradores da capital. As chuvas em 2025 estão 85% abaixo da média. Teerã recebeu apenas 1 milímetro de chuva este ano, com as barragens reduzidas a 5% de sua capacidade. Atmosfera instável O governo anunciou a semeadura de nuvens, técnica de eficácia altamente duvidosa para fazer chover. Lançar sementes de chuva, a grosso modo, partículas para as moléculas de água das nuvens se grudarem e se precipitarem, é uma medida desesperada e inútil se não houver umidade suficiente para formar as ditas nuvens. E, característico de secas, como a iraniana, o céu azul, estéril de nuvens, não tem água para fazer chover. Especialistas como Seluchi advertem que, mesmo que não seja tão quente quanto 2025, 2026 poderá ter novos extremos, já que as mudanças climáticas seguem deixando a atmosfera altamente instável. — Cortar emissões de gases-estufa e promover adaptação são urgências — enfatiza.