Quando ouve explosões, Tetiana Rybak faz a única coisa que pode: deita-se na cama e espera. Tetiana não consegue andar, não consegue ir para o abrigo. Recentemente, pediu a uma assistente social que cobrisse as janelas do seu apartamento com papel de presente vermelho festivo, cartazes militares antigos e uma versão da Pai Nosso. Dessa forma, ela não precisará mais ver os drones russos sobrevoando a área. Leia mais: Zelensky anuncia encontro com Trump e relata avanço em negociações de paz mediadas pelos EUA Mudança: na Ucrânia, Natal vira arma de resistência contra a Rússia Perspectivas 2026: menores ucranianos são deixados em segundo plano pela diplomacia na guerra Nas últimas duas semanas, a Rússia concentrou seu poderio militar em bombardear Odessa, cidade que tem o maior porto do país, atingindo-a repetidamente com drones e mísseis, no pior bombardeio sofrido pela cidade em quase quatro anos de guerra. Tetiana ficou sem eletricidade por pelo menos nove dias neste mês. Em quatro desses dias, ela ficou sem aquecimento e sem água. Uma assistente social precisou carregar garrafas de água para ela, subindo sete lances de escada. Tetiana, que é deficiente há anos, vestiu duas meias, duas calças quentes, um suéter e um roupão grosso de tecido atoalhado. Em seguida, se cobriu com dois cobertores. “Psicologicamente, ninguém mais aguenta isso”, disse Tetiana, de 64 anos, sentada em sua cama durante uma visita recente de assistentes sociais. “Meu sistema nervoso está completamente destruído. Ontem à noite mesmo, quando a energia acabou e os bombardeios começaram, as sirenes de ataque aére, o som era terrivelmente alto. Mas ainda mais assustador foi a onda de choque. Minhas portas e janelas tremiam, tum, tum, tum. E eu estava lá deitada, sem conseguir correr para lugar nenhum, sem ter para onde ir.” Galerias Relacionadas Ucranianos especulam que Moscou esteja atacando Odessa, cidade banhada pelo Mar Negro, em retaliação aos recentes ataques da Ucrânia à "frota paralela" que a Rússia usa para transportar petróleo e burlar as sanções. Enquanto asd principais cidades ucranianas costumam sofrer intensos bombardeios russos seguidos por períodos de relativa calma, Odessa está sob ataque quase constante desde as primeiras horas da manhã de 12 de dezembro. A Rússia tem como alvo principal os portos e a infraestrutura de energia da cidade. Pelo menos nove pessoas morreram. Com a falta de eletricidade, gás e água por dias a fio, os moradores recorrem a carregar seus celulares e computadores em centros de assistência do governo ou em supermercados, e a cozinhar suas refeições em fogões improvisados do lado de fora. Eles colocam sacolas plásticas com leite, ovos e creme de leite nos parapeitos das janelas para mantê-los refrigerados. Alguns instalaram geradores grandes em seus quintais para que os vizinhos possam ter energia. Um homem prendeu grampos à bateria do carro e estendeu o cabo até seu apartamento para alimentar a geladeira e a máquina de lavar. Um casal documentou seu encontro em um restaurante de frutos do mar ao som de disparos de armas antiaéreas contra drones russos. Dezenas de motoristas de Tesla esperaram por horas no único ponto de recarga que ainda funcionava. Desde a invasão das tropas russas em fevereiro de 2022, os ucranianos se uniram. Sua resiliência tem sido tão celebrada que já virou quase um clichê. Oleksii Kolodchuk, de 83 anos, disse que os cortes de energia e aquecimento não foram um grande problema para ele. Seu maior arrependimento: esqueceu de colocar seu borscht (sopa tradicional no Leste Europeu) para fora, no frio, e ele azedou muito antes do tempo. Ele também disse que gostaria de poder enviar uma mensagem ao presidente Vladimir Putin, da Rússia. “Às vezes penso que, se pudesse chegar perto de Putin com um porrete, daria-lhe uma boa pancada na cabeça. Talvez isso o fizesse cair na real, porque claramente há algo muito errado ali”, disse Kolodchuk. Oleksii Kolodchuk, de 83 anos, ferve água em um fogão a gás portátil que comprou para lidar com os longos cortes de energia em meio aos bombardeios russos em Odessa Laetitia Vancon/The New York Times Mas, após quase uma semana sem energia, alguns moradores de Odessa estavam perdendo a paciência e organizaram um protesto. Para alguns idosos, lidar com essas dificuldades às vésperas do Natal e do Ano Novo tornou difícil encontrar otimismo. A única coisa que traz alegria a Valentyna Avdiienko, de 72 anos, é seu neto de 3 anos, Denys. Ele é um tagarela alegre, não importa o que aconteça. Sempre que os alertas de ataque aéreo soam, ele grita: "Balísticos, balísticos!", imitando o que ouve os adultos dizerem. Recentemente, Valentyna mancava pela rua escura em direção a casa, apoiando-se em uma bengala na mão esquerda e em um pequeno carrinho de compras na direita. "Só quero que essa loucura acabe", disse ela. "Estamos tão cansados. Quando é que isso finalmente vai terminar?" Para as pessoas mais velhas que se lembram da vida sob o regime soviético, esta guerra é ainda mais revoltante, colocando ucranianos contra os russos que outrora consideravam irmãos. Durante 25 anos, Mahadan Farkhiiev, de 73 anos, serviu no exército soviético ao lado de ucranianos e russos. Lutou no Afeganistão, onde foi baleado na parte inferior da perna direita. Ele guarda uma foto sua de uniforme, com o peito coberto de medalhas soviéticas, em uma escrivaninha na sala de estar. Mas não fala mais com o irmão ou a irmã, que moram na Rússia. Olha Demydova, de 43, assistente social da organização beneficente ucraniana Cultura da Democracia, visitou Farkhiiev recentemente para ver do que sua família precisava. Ele estava sentado no sofá com sua mulher, Anastasiia, e seu filho, Andrii, de 42, que tem paralisia cerebral. Ele não consegue falar nem andar. Só consegue engolir comida amassada. Seus pais precisam trocar suas fraldas cerca de quatro vezes por dia. Quando o bombardeio é intenso, Farkhiiev e sua mulher colocam Andrii em uma cadeira de rodas e vão para o corredor. Então, o filho fecha as mãos em punhos e aperta os olhos com força até que as explosões cessem. “Porque Deus nos livre, para onde iríamos com ele?”, perguntou Farkhiiev. Odessa está sob ataque quase constante desde as primeiras horas da manhã de 12 de dezembro Laetitia Vancon/The New York Times Demydova disse que grande parte do seu trabalho ultimamente tem sido animar pacientes como Farkhiiev. Às vezes, basta aparecer e perguntar sobre a vida deles quando eram mais jovens. “Quando não há eletricidade, aquecimento ou água, uma espécie de apatia toma conta”, disse ela. “Você pensa: é isso, acabou. E então percebe: não. De jeito nenhum. Você não pode desistir. Tem que continuar. Tem que sobreviver. Aguentar firme. Vai melhorar.” Para Tetiana, a mulher confinada à cama em seu apartamento no sétimo andar, as coisas não deveriam ter acontecido dessa forma. Ela própria já havia cuidado de pessoas vulneráveis como assistente social e, outrora, acreditava estar preparada para qualquer eventualidade. Mas, após anos de incapacidade, ela perdeu grande parte da mobilidade das pernas em 2023, após uma cirurgia renal complexa. Ela sempre pensou que seus três filhos — o mais velho com 45 anos, os gêmeos com 35 — e sua filha poderiam ajudá-la na velhice. No entanto, ela raramente vê seus três filhos. Todos estão lutando na linha de frente. E, no ano passado, a filha de Tetiana fugiu da Ucrânia, porque o estresse se tornou insuportável. Tetiana costumava conseguir dormir durante os alarmes de ataque aéreo, mas agora não consegue mais. Os alarmes às vezes duram até 10 horas. “Tudo o que eu quero agora é um pouco de paz, mesmo que seja um pouco”, disse ela. “Minha saúde está simplesmente se deteriorando. Sinto que minhas forças se reduziram a zero. Não me resta nenhuma força.”