O Imposto Seletivo foi criado na reforma tributária com um objetivo inequívoco: desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Com razão, a proposta sancionada ano passado inclui as bebidas açucaradas no rol de produtos a ser taxados com esse novo tributo. A literatura científica já demonstrou que o consumo de refrigerantes eleva o risco de obesidade, leva a diabetes, doenças cardíacas e outras. As crianças brasileiras consomem mais de 88 litros de bebidas açucaradas por ano. Mais de 700 mil estão com sobrepeso ou obesidade. Reforma Tributária: Câmara mantém imposto seletivo sobre refrigerantes sem teto de alíquota Os custos para o Sistema Único de Saúde (SUS) são enormes. O cuidado com obesidade e outras doenças provocadas pelo consumo de bebidas açucaradas chega a R$ 3 bilhões por ano. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das políticas públicas mais eficazes para a redução de consumo de produtos nocivos à saúde pública é justamente a tributação mais alta. Por essas razões, organizações da sociedade civil e especialistas que trabalham para a melhoria da saúde pública alertaram sobre a tramitação, na Câmara dos Deputados, do PLP 108/2024, que regulamenta a reforma tributária e institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços. Saúde: O que acontece com o meu corpo se eu consumir refrigerante com açúcar todos os dias? Uma emenda incluída em outubro na tramitação do projeto no Senado Federal estabeleceu um teto de 2% para a alíquota do Imposto Seletivo (IS) sobre bebidas açucaradas, limite que não havia sido abordado quando ocorreram os debates de 2024. Esse “jabuti” de última hora foi feito para beneficiar a indústria de refrigerantes na Zona Franca de Manaus (ZFM). Com esse teto, a tributação dos refrigerantes fica muito longe do necessário para desincentivar o consumo desse tipo de produto. Para que o imposto seletivo realmente tenha impacto no consumo, a alíquota necessariamente precisa ser muito superior a 2%. O motivo é uma distorção histórica. A indústria de refrigerantes usufrui incentivos fiscais concedidos à ZFM que se agravaram com a reforma tributária. Estudo mostrou que a regulamentação da reforma tributária aumentou os benefícios fiscais das indústrias de xaropes instaladas na região em cerca de R$ 800 milhões por ano, para R$ 3,1 bilhões. Ultraprocessados sob análise: estudo com 200 mil adultos nos EUA revela perigos ocultos Se o Imposto Seletivo sobre refrigerantes ficasse com alíquota máxima de 2%, adicionando cerca de 28% da alíquota de referência, a tributação total seria de até 30%. Contudo, devido aos benefícios fiscais da indústria na ZFM, a carga tributária efetiva ficaria menor que a da água mineral. Seria o reverso da seletividade pretendida pela reforma. A reforma tributária representou uma oportunidade singular para a sociedade brasileira corrigir distorções e realmente adotar políticas públicas eficientes para reduzir o consumo de produtos nocivos à saúde, como bebidas alcoólicas, refrigerantes, bets ou derivados de tabaco. Reduzir o consumo desses produtos é passo fundamental para evitar a incidência de doenças crônicas e melhorar a saúde da população, economizando recursos para o SUS. Não há sentido, portanto, em fazer concessões à indústria de refrigerantes. Felizmente, depois de muita pressão de organizações da sociedade civil, especialistas e parlamentares comprometidos com a saúde, a Câmara retirou do projeto, no último dia 16, o teto de 2% do Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas em votação apertada, com diferença de 21 votos. Tratou-se de vitória histórica, pois foi a primeira vez em que se deliberou especificamente sobre a regulação de ultraprocessados no plenário de uma das Casas Legislativas. É com ações corajosas como essa votação, que colocam a prevenção e a promoção da saúde em primeiro lugar, principalmente para nossas crianças, que acreditamos ser possível a construção de um país mais saudável. *José Gomes Temporão, médico, foi ministro da Saúde, Marcello Fragano Baird, cientista político, é coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, Patrícia Jaime é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo