Esta coluna poderia muito bem ser sobre as estreias que fizeram a temporada de moda mais recente borbulhar: Pierpaolo na Balenciaga, Demna na Gucci, Jonathan Anderson assumindo a Dior feminina, Matthieu Blazy enfrentando sua prova de fogo na Chanel, nomes que chegaram com as malas prontas para a corrida mais frenética do calendário da moda. Mas, francamente, meu coração andou disparando justo por quem nem desfilou. Não agora. Talvez nunca. Phoebe Philo. Looks do preview da coleção D. Getty Images e Divulgação Ela não faz roupas masculinas, mas eu torrei boa parte do meu fashion budget na coleção C, lançada em junho, que seguirá sendo desdobrada em drops até este mês de dezembro. C veio depois da B, que veio depois da A, que por sua vez estreou faz dois anos. Todas esgotadas em dias – às vezes, em segundos. Phoebe está testando a desejabilidade dos produtos pela escassez. E, enquanto C ainda é entregue, ela já soltou todas as imagens de D, que só deve aparecer no seu e-commerce em janeiro ou fevereiro do ano que vem. Essa sopa de letrinhas é a nova gramática do estilo. O que ela faz vai além do chamado “quiet luxury” – esse termo já batido, vazio, que não lhe pertence. Phoebe é discreta, mas não contida, muito menos quieta. Calça com zíper da coleção A. Getty Images e Divulgação Vale lembrar que ela foi diretora criativa da Chloé, onde começou a transformar roupas em atitude, e depois passou uma década na Celine, redesenhando o guarda-roupa da mulher contemporânea – não apenas do ponto de vista estético, mas existencial. Foi a primeira designer a tirar uma licença-maternidade oficial, a pular desfile para cuidar dos filhos e de si mesma, a dizer que o trabalho não precisa engolir a vida. E no auge do sucesso e da aclamação, decidiu largar tudo: o cargo, o sistema, o ruído. Durante o tempo regimentar de silêncio, analisou propostas de diversas maisons até perceber que queria arriscar. Criou a própria marca. No primeiro drop, lançou um colar com a palavra “Mum”. Phoebe é mãe de três, mas é também uma mulher que trabalha, que rala, que prefere o ofício ao barulho. Never complain, never explain. Deixe que a roupa fale. A bolsa Gig. Getty Images e Divulgação Tem sabido conciliar melhor o jeito cabeçudo dos tempos de Celine (ainda com o acento em sua época) com um apelo mais sexy – seu abecedário talvez seja hoje mais para literatura erótica. Eu amo as calças jeans ou de alfaiataria com zíperes até o bumbum, a pulseira de franjas de couro, a camiseta branca curta com cauda longa, quase um vestido de noiva, com que Anne Hathaway – ou melhor, Andy Sachs – foi flagrada nas fotos de paparazzi dos bastidores das filmagens de "O Diabo Veste Prada 2". Amo também a outra t-shirt: metade curta, metade longa, com um bolso no lado esquerdo. Gosto menos dos cabas XXL que ela inventou – caríssimos e meio deslocados do mundo real – mas me apaixonei pela bolsa Gig, feita num couro supermaleável, que lembra a clássica e tão funcional Trio que Phoebe criou na Céline. Saia com crinolina da coleção D. Getty Images e Divulgação Revistas Newsletter Uma jaqueta bomber de couro cropped usada pela designer em sua primeira entrevista em anos, uma saia escultural de jérsei toffee com estrutura de crinolina, que Silvia Braz arriscou recentemente no Instagram, camisas com golas amarradas por tiras que parecem laços desfeitos. São roupas para quem não quer ser definida, mas também não quer desaparecer. Tivemos semanas bastante excitantes, não resta dúvida. Mas esse clima de corrida de cavalos em que se transformou as últimas temporadas talvez não seja o melhor caminho para reerguer a indústria. A criatividade não se mede pelo escrutínio da competição, mas por tempo e risco. Existe beleza em cada visão, e cada trajetória merece espaço. Anne Hathaway nas gravações de O Diabo Veste Prada 2 comlook da marca. Getty Images e Divulgação Além de quem estreou no ano de 2025, quero observar atentamente os que já estão por aqui. Como vão se posicionar Alessandro Michele, Nicolas Ghesquière, Chemena Kamali, Raf Simons, Miuccia Prada, agora que todos os olhos se voltam para as carnes frescas? A pressão também recai sobre eles – e talvez até mais. O que se espera de quem já está? Que se reinvente? Que se prove de novo? Colar Mum, tudo PHOEBE PHILO Getty Images e Divulgação O mais impressionante é que Phoebe faz tudo isso sem se explicar. Não dá entrevistas, não sorri para o feed, não vende story telling. Reza a lenda que a loja física virá no ano que vem, em Londres – por enquanto, suas criações podem ser encontradas na Galeries Lafayette de Paris, na Bergdorf Goodman de Nova York, na Dover Street Market e na Gente, em Roma. Concordo com a jornalista Ale Farah: Phoebe poderia ter voltado com uma preocupação mais explícita com a sustentabilidade. Isso seria o ápice da modernidade. Talvez por isso, ela não esteja tão atualizada assim. Por outro lado, ao evitar despejar uma enxurrada de produtos que correm o risco de parar em outlet, ela pratica – mesmo que intuitivamente – uma contenção que também evita o desperdício. Em meio ao frenesi competitivo da indústria, ela me parece ainda mais radical. Sua ausência é presença. Seu silêncio, discurso. Embora seja uma das criadoras mais importantes da virada do século, seu comportamento é de uma start-up que chega de mansinho. Essa recusa ao espetáculo talvez seja o único espetáculo que ainda nos emocione.