Página virada: nomes como Othon Bastos e Suzana Pires contam histórias de superação

Para chegar aqui, você precisou virar algumas páginas, no sentido real e no figurado. Até ser capaz de folhear uma revista ou um livro, por exemplo, foi necessário evoluir o suficiente, ainda quando bebê, para fazer o movimento de pinça com o indicador e o polegar. Já para ler através de uma tela digital, teve que aprender, com mais idade, a lidar com a tecnologia touchscreen. Conforme evoluía quanto aos gestos, deixou para trás aquele professor intragável do ensino básico, mas que lhe ensinou a ler. Também começou e terminou relacionamentos, assim como afastou-se daquela amizade tóxica e se libertou de uma velha compulsão. Sua biografia segue, dessa maneira, em franca produção. Cinema: Doc lançado em plataformas de streaming mostra como a altinha vai além da brincadeira Stand-up comedy: Fernando Pedrosa fala sobre humor sem ofensas Xamã fala sobre vilões: 'Meu desafio agora é fazer um papel sem esses estigmas' Cada uma das páginas é parte importante da história, entre sabores e dissabores. Mas note que foram viradas, e não rasgadas. Afinal, afirma a psicanalista e escritora Elisama Santos, mesmo arrancadas, deixariam o livro marcado. “São experiências que não resumem a história, mas também não podem sumir, já que fazem parte da trajetória”, diz ela, autora do livro “Conversas corajosas” (Paz e Terra). Acontece que lidar com isso pode ser doloroso, a exemplo de traumas e recordações embaraçosas. É como a imagem de um limão, ilustra a psicanalista, que faz a nossa boca salivar só de pensarmos no gosto azedo. “Quando falamos de dores, angústias e mágoas, nosso corpo também se prepara para recebê-los.” Elisama é autora do livro "Conversas corajosas" Carolina Pires Fugas, portanto, são tentadoras em situações como essa. Mas, segundo o médico Daniel Martins de Barros, professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, pensar que “não vamos sofrer ou que, quando isso acontecer, será rapidamente resolvido” é mera ingenuidade. Autor do livro “Sofrimento não é doença” (Sextante), ele pondera que não precisamos ficar resignados e agir como se nada estivesse acontecendo, mas podemos acolher as situações. “Trata-se de compreender que aquele sofrimento é uma mensagem e, assim, buscar resolvê-lo ou desenvolver estratégias para conviver com ele”, comenta. O médico acrescenta que, se atribuirmos a origem do problema a alguma falta de atitude nossa ou à ausência de um suplemento, acabamos querendo medicar as sensações ruins. Mas nem sempre estamos adoecidos. “Achamos que há solução médica ou psicológica para tudo. Então, ficamos frustrados quando não encontramos resposta rápida”, avalia. Em muitos casos, portanto, é só questão de virar a página mesmo. “Quando você faz isso, não está mais lendo ou remoendo o passado, embora não possa negá-lo. Esse gesto significa, na verdade, seguir em frente, apesar de.... Li o que estava escrito, absorvi o que tinha de bom e agora vou adiante.” Entrevista: Após superar câncer de mama raro, top Fernanda Motta diz que aprendeu a dizer 'não' e a fazer melhores escolhas Em alta: André Lamoglia, protagonista de série sobre o jogo do bicho, fala sobre a fama de 'símbolo sexual' Bella Campos fala sobre beleza e autenticidade: 'Nem sempre tive essa confiança' E já que nesta época do ano até quem não é dado a misticismos faz concessões, Max Tovar, astróloga e autora do livro “Musculatura da alma” (BestSeller) avisa que o momento pede mudanças. O ano-novo astrológico, pondera, só começa em março, mas já podemos nos preparar. “O ciclo que está terminando é regido por Júpiter e o próximo, por Marte. Estamos saindo de um período de muitos desafios, no qual é importante não distorcer os fatos. É sobre sair das ilusões e dos vícios, para atingir a expansão”, resume. “Marte, por sua vez, fala sobre iniciativa e entusiasmo. É para partir para a ação. Temos que tomar cuidado com intrigas, fofocas e atitudes sem direção." Conselheira de personalidades como as cantoras Anitta e Ludmilla, Max avisa que agir assim é, inclusive, mais simples do que parece. “Significa devolver aquele livro de um amigo, pagar o dinheiro que pegou emprestado ou, finalmente, marcar aquele almoço prometido. É como uma limpeza para não entrar carregado no ano novo.” Assim fizeram os atores Othon Bastos, Suzana Pires, Paula Braun e o carnavalesco João Vitor Araújo, cujas histórias estão a seguir. João Vitor Araújo, carnavalesco João venceu o primeiro carnaval no grupo especial este ano Rafael Catarcione As páginas da história de João Vitor Araújo, de 41 anos, começaram a ser, literalmente, rascunhadas ainda na infância. Aficionado pelo “Xou da Xuxa”, ele desenhava aquele universo com nave e arco-íris em folhas de papel. Mais tarde, nos anos 1990, viveu uma epifania ao ver a modelo Melissa Benson desfilar, seminua e banhada por fontes de água, num carro alegórico da Imperatriz Leopoldinense, um espetáculo que ampliou ainda mais seu repertório imagético. “Comecei a treinar meus desenhos assim. Quando perguntavam o que gostaria de ser quando adulto, respondia: ‘Artista’”, recorda-se. Ele ainda não sabia que existia a profissão de carnavalesco, posto que assumiu, pela primeira vez, em 2014, na Viradouro. Na ocasião, a escola foi campeã da Série Ouro, e tudo parecia seguir pela via do sucesso até que, em 2020, João precisou lidar com uma demissão da São Clemente e, dois anos depois, um rebaixamento à frente da Acadêmicos do Cubango, também na Série Ouro. “Fiquei muito triste, pensei em desistir”, conta. Alguma coisa, porém, soprava em seu ouvido que parar não era opção. Voltou a trabalhar no Tuiuti, em 2023, ao lado de Rosa Magalhães (1947-2024) e viu o trabalho acontecer na Avenida. “Foi quando voltei a respirar sem a ajuda de aparelhos”, compara. No ano passado, na iminência de fazer 40 anos, disse, em uma sessão de terapia, que desejava chegar à idade com duas metas alcançadas: um título no Grupo Especial e um apartamento. Bingo! Garantiu a primeira vitória à frente da Beija-Flor de Nilópolis, no carnaval deste ano, e comprou um apartamento no Estácio. Página virada, mas sem uso de anestesia, ele pondera. “Todo mundo merece uma vida boa, ter dinheiro para pagar as contas e se divertir”, diz. “Mas, por outro lado, tudo o que aconteceu me fortaleceu, me sinto mais preparado para lidar com os dias bons e ruins. Ganhar é muito prazeroso, mas perder faz parte do jogo.” Suzana Pires, atriz Suzana Pires mudou para os EUA e parou de fumar Storm Santos A virada, em alguns casos, tem a força de uma verdadeira revolução. É o caso de Suzana Pires, que se mudou oficialmente, este ano, para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde tem alçado voos como roteirista e montou a própria produtora. “Nunca imaginei que, prestes a completar 50 anos, teria uma chance de expansão dessa dimensão, tanto na vida profissional quanto pessoal. E tem sido incrível porque estou precisando reaprender tudo aqui.” Tudo mesmo. Suzana tinha apenas 15 anos quando tragou o primeiro cigarro e, há anos, tentava, sem sucesso, deixar o hábito. “Ao chegar a Los Angeles, me deparei com um ambiente ainda menos amigável ao tabaco. Então, isso foi inspirador”, conta a carioca, que encerrou este capítulo, de uma vez por todas, em abril deste ano. Mas não significa que foi fácil, ela avisa. Para alcançar o êxito, usou medicamentos, começou a se exercitar mais e fazer meditação. “Toda a dificuldade se reverteu em mudanças que fizeram a minha vida muito melhor.” Uma jornada que envolveu, acima de tudo, mergulhos profundos em sua própria história. “Precisamos olhar para os nossos vazios, confrontar traumas e até respirar neles”, ela aconselha. “É como abrir uma Caixa de Pandora de onde saem coisas que você nem sabia que existiam. Só que, quando isso acontece, você tem a oportunidade de escolher o que vai fazer com toda essa consciência. Então, anda para a frente, em vez de ficar colocando no vazio coisas que não o preenchem. É assustador. Mas, do outro lado do rio, há paz.” Othon Bastos, ator Othon Bastos revisita a própria vida com peça de sucesso Fe Pinheiro Oito décadas atrás, Othon Bastos era uma criança com cerca de 10 anos e estava no último ano do antigo ginásio. Houve, então, uma seleção em sua turma para escolher quem recitaria o poema “A pátria”, de Olavo Bilac (1865-1918), na festa de fim de ano da escola. Ele se candidatou à vaga, mas perdeu o posto para uma colega e ouviu da professora que jamais deveria seguir pelo caminho da arte. Faltava-lhe vocação, advertiu a jovem senhora. “Acontece que o acaso é o meu amigo mais íntimo”, diz Othon, que, pelos anos seguintes, cogitou a odontologia como ofício até ser chamado para substituir, de última hora, um ator que não pôde entrar em cena na peça de um amigo. Na plateia, estava outro conhecido que, diante da desenvoltura do jovem aspirante a dentista, tratou de apresentá-lo ao dramaturgo Paschoal Carlos Magno (1906-1980) e seu Teatro Duse. Começou ali uma história que atravessa 74 anos de carreira, marcada por obras emblemáticas como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha (1939-1981), no cinema, e “Um grito parado no ar” (1973), de Gianfrancesco Guarnieri, no teatro. Aos 92 anos, o ator está, há dois, em cartaz com o solo autobiográfico “Não me entrego, não!”, assistido por mais de 90 mil pessoas e que volta ao Teatro Vannucci, no Rio, no próximo dia 2. É fácil entender, portanto, como ele revisita a história da professora sem ressentimentos. “Não sei se ela disse aquilo para me ferir ou por proteção. De todo modo, se tivesse seguido aquele conselho, não seria quem sou hoje. O teatro é onde conheci a vida”, reflete. “E, como disse o comediante americano Harold Lloyd (1893–1971), leva-se 70 para fazer sucesso do dia para a noite.” Paula Braun, atriz A atriz Paula Braun descobriu uma nova vida após o divórcio Catarina Ribeiro Viver uma separação não é necessariamente simples, mas também não se trata de cena de capítulo final. Muito pelo contrário. Depois de 17 anos de relacionamento, os atores Paula Braun e Mateus Solano anunciaram, em setembro, o fim do casamento. Tudo conduzido de maneira cordial. “Somos muito amigos e vamos nos amar para sempre”, diz a atriz, de 46 anos. “Foi uma história linda, com começo, meio e fim. Tanto que combinamos de sempre fazermos uma viagem juntos com os nossos dois filhos (Flora, de 15 anos, e Benjamin, de 10), nas férias.” Ao longo dessa travessia, o comentário de uma tia chamou a atenção de Paula. “Ela me falou como várias mulheres da nossa família passaram por isso, mas não tiveram coragem de agir como eu”, narra a atriz, ao refletir sobre o que torna o assunto tão delicado. “A minha geração foi criada para abrir mão de tudo em função de um casamento. Imagina no meu caso? Uma relação pública, vista como perfeita... Tudo isso acaba pesando na hora da decisão. Sentimos medo da família, do julgamento de uma sociedade conservadora e de nos vermos sozinhas depois de tanto tempo.” Mas a solitude virou um mar de possibilidades onde Paula quer nadar de braçada. “O mais importante é voltarmos para nós mesmas e nos permitir viver coisas diferentes, retomar velhos sonhos. Há dor, mas também temos força de olhar para frente e enxergar um mundo, basicamente, novo.” E não é só na teoria. Ela está no elenco do telefilme “Um dia extraordinário”, que será lançado no ano que vem, passou a escrever com mais frequência e dirige um novo filme. Também voltou a tocar trombone e, neste carnaval, vai desfilar em, pelo menos, cinco blocos cariocas. Ó abre alas, que a vida quer passar.