Brigitte Bardot, uma das figuras mais marcantes do cinema do século 20 e símbolo da cultura francesa no pós-guerra, aos 91 anos. A notícia foi anunciada neste domingo (28.12) pela fundação que leva seu nome. A atriz estava internada em um hospital em Toulon, no sul da França, onde passou por uma cirurgia e vinha sendo monitorada de perto por uma equipe médica. “Com imensa tristeza, a Fundação Brigitte Bardot anuncia a morte de sua fundadora e presidente, Madame Brigitte Bardot, atriz e cantora de renome mundial, que escolheu abandonar sua prestigiada carreira para dedicar sua vida e sua energia à defesa dos animais e à sua fundação”, diz o comunicado enviado à agência AFP. Segundo informações da imprensa europeia, Bardot foi hospitalizada há cerca de três semanas, após ser diagnosticada com uma doença grave. Ela estava em sua casa, em Saint-Tropez, quando precisou ser transferida com urgência para o hospital. Apesar de sinais iniciais de recuperação, seu estado de saúde se agravou nos últimos dias. Da menina tímida à estrela internacional Nascida em 28 de setembro de 1934 em Paris, filha de Louis Bardot, industrial, e Anne-Marie Mucel, Brigitte cresceu em uma família conservadora de classe média alta. Estudou no Conservatório Nacional de Dança, onde se destacou pelo talento para o balé clássico. Sua carreira artística começou de forma inesperada: aos 15 anos, posou para a capa da revista Elle, e a fotografia chamou a atenção de produtores de cinema. Aos 18 anos, estreou nas telas com Le Trou Normand (1952). Poucos anos depois, casou-se com o diretor Roger Vadim, que viria a transformá-la em estrela internacional. O marco de sua ascensão foi E Deus Criou a Mulher (Et Dieu… créa la femme, 1956), filme de Vadim rodado em Saint-Tropez — que não apenas lançou Bardot ao estrelato mundial, mas também consolidou a cidade como símbolo do hedonismo e da juventude livre do pós-guerra. Com sua sensualidade despretensiosa e comportamento ousado para os padrões da época, Bardot tornou-se o emblema da mulher moderna — emancipada, autônoma, dona de sua própria sexualidade. Hollywood tentou seduzi-la, mas Bardot preferiu seguir carreira na Europa, sob direção de cineastas como Jean-Luc Godard (O Desprezo, 1963), Henri-Georges Clouzot (A Verdade, 1960), Louis Malle e Christian-Jaque. A mulher que simbolizou uma geração Durante os anos 1950 e 1960, Bardot estrelou mais de 40 filmes e foi uma das atrizes mais bem pagas do mundo. Seu estilo — cabelos desalinhados, delineador marcado, roupas simples porém sensuais — influenciou uma geração inteira. Tornou-se ícone de moda, inspirando estilistas como Yves Saint Laurent, Dior e Paco Rabanne, e foi frequentemente chamada de “BB”, apelido que se tornaria sinônimo de um tipo de feminilidade espontânea e insubmissa. Mas Bardot não era apenas uma imagem. Em A Verdade (1960), sua performance intensa como uma jovem julgada por assassinato lhe rendeu aclamação crítica e uma indicação ao BAFTA. Jean-Luc Godard, ao escalá-la em O Desprezo, transformou-a em metáfora da própria incomunicabilidade moderna — a musa do cinema europeu em pleno colapso existencial. No auge da fama, no entanto, Bardot confessava sentir-se prisioneira da própria imagem. Sofreu episódios de depressão profunda, tentou o suicídio mais de uma vez e demonstrava aversão ao estrelato. “Eu dei a minha juventude e a minha beleza aos homens e ao cinema. Agora, dou a minha sabedoria e a minha experiência — e o resto da minha vida — aos animais”, declararia anos mais tarde. A decisão de abandonar o cinema Brigitte Bardot Getty Images Em 1973, aos 39 anos, Brigitte Bardot anunciou que abandonaria definitivamente o cinema. A decisão surpreendeu o público, mas refletia um cansaço autêntico com a exposição e o controle que a fama lhe impunha. A partir dali, dedicou-se quase integralmente à causa animal — um gesto que redefiniu seu legado. Em 1986, fundou a Fondation Brigitte Bardot, entidade sem fins lucrativos voltada à proteção de espécies ameaçadas, combate à caça, às touradas e ao uso de peles. Bardot vendeu joias, obras de arte e parte de seu patrimônio pessoal para financiar as atividades da fundação, que cresceu até se tornar uma das mais influentes organizações de defesa animal da Europa. A instituição mantém abrigos, campanhas educativas e programas de resgate em mais de 70 países. Sua militância intensa, às vezes combativa, levou Bardot a enfrentar políticos, indústrias e até colegas do meio artístico. Mas sua influência no avanço da consciência ambiental e da legislação sobre maus-tratos é inegável — especialmente na França, país que ela ajudou a pressionar por reformas no tratamento de animais de fazenda e de companhia. Entre aplausos e polêmicas Fiel às próprias convicções, Bardot também se tornou uma figura controversa. A partir dos anos 1990, suas declarações públicas contra imigração e sobre religião — especialmente o islã — renderam-lhe condenações judiciais por incitação ao ódio. Embora tenha pedido desculpas em algumas ocasiões, manteve-se intransigente em suas opiniões, o que fez com que parte da opinião pública se dividisse entre admiração e repúdio. A atriz rejeitava o rótulo de “ícone feminista”, alegando que sua luta sempre foi pela liberdade individual, e não por ideologias. “Nunca quis ser símbolo de nada além de mim mesma”, dizia. Ainda assim, sua presença na cultura pop é incontestável: foi homenageada por artistas como John Lennon, Bob Dylan, Serge Gainsbourg — com quem viveu um breve e intenso romance —, e inspirou canções, desfiles e personagens cinematográficos. Bardot também gravou músicas, entre elas “Harley Davidson” e “Je t’aime… moi non plus” (cuja versão com Gainsbourg nunca foi lançada na época, por decisão do marido dela). Legado e imortalidade cultural O legado de Brigitte Bardot é múltiplo. No cinema, ela encarnou o espírito livre e rebelde que caracterizou a juventude do pós-guerra europeu. Na moda, redefiniu padrões de beleza — natural, sem artifícios, solar. No ativismo, transformou a causa animal em pauta internacional antes de ela se tornar tendência. Bardot viveu as últimas décadas em relativa reclusão, na Riviera Francesa, cercada por seus cães, gatos, cavalos e burros. De tempos em tempos, concedia entrevistas pontuais, sempre diretas e por vezes inflamadas. “Não tenho medo da morte”, dizia em 2018. “Tenho medo da indiferença.” Seu rosto permanece um dos mais reproduzidos da história — de Andy Warhol às capas de revistas que moldaram o imaginário ocidental. E, mais que um símbolo, Brigitte Bardot deixa um lembrete permanente de que a beleza, a arte e a ética são dimensões que, quando se cruzam, transformam o mundo. Canal da Vogue Quer saber as principais novidades sobre moda, beleza, cultura e lifestyle? Siga o novo canal da Vogue no WhatsApp e receba tudo em primeira mão!