Trabalhadores em falta: como ficariam os EUA com política de imigração zero?

Um ano após o início da ofensiva do presidente Donald Trump contra a imigração, construtoras da Louisiana correm para encontrar carpinteiros. Hospitais da Virgínia Ocidental perderam médicos e enfermeiros que planejavam vir do exterior. Uma liga de futebol de bairro em Memphis, no Tennessee, não consegue formar equipes suficientes porque crianças imigrantes deixaram de aparecer. Caso Master, ataques ao Pix e juro a 15%: os destaques do primeiro ano de Galípolo no comando do BC Equinor: Maior fornecedora de energia da Europa explica como a guerra na Ucrânia afetou o setor de energia Os Estados Unidos estão fechando suas portas para o mundo, selando a fronteira, restringindo os caminhos legais de entrada e empurrando recém-chegados e residentes de longa data para a saída. As taxas de visto dispararam, a admissão de refugiados está próxima de zero e o ingresso de estudantes internacionais caiu. A revogação de status legais temporários concedidos durante o governo Biden deixou centenas de milhares de pessoas novamente vulneráveis à deportação a qualquer momento. A administração afirma já ter expulsado mais de 600 mil pessoas. A redução da população nascida no exterior não acontecerá da noite para o dia. A consultoria Oxford Economics estima que a imigração líquida esteja em torno de 450 mil pessoas por ano sob as políticas atuais, bem abaixo dos 2 a 3 milhões anuais registrados durante o governo Biden. A parcela da população americana nascida no exterior chegou a 14,8% em 2024, o nível mais alto desde 1890. Mas autoridades da Casa Branca deixaram claro que o objetivo é algo mais próximo do bloqueio migratório da década de 1920, quando o Congresso, no auge de um surto de nativismo, proibiu a entrada de pessoas de metade do mundo e reduziu a imigração líquida a zero. A participação da população estrangeira caiu para 4,7% em 1970. Stephen Miller, principal assessor de Trump, exaltou essas décadas de baixa imigração como o último período em que os Estados Unidos foram uma “superpotência global incontestável”. Independentemente de as restrições restaurarem ou não aquilo que Miller vê como um idílio do pós-guerra, é certo que grandes mudanças estão a caminho. A imigração está tão profundamente entrelaçada nas salas de aula e enfermarias, parques e salas de concerto, conselhos corporativos e fábricas que isolar o país agora alterará profundamente o cotidiano de milhões de americanos. Supermercados e igrejas estão mais vazios em bairros de imigrantes. Menos alunos aparecem nas escolas de Los Angeles e Nova York. No sul da Flórida, a Billo’s Caracas Boys, uma orquestra venezuelana, realiza anualmente um concerto de fim de ano que reúne gerações de famílias para dançar salsa. Neste ano, o grupo anunciou de última hora o cancelamento do evento porque muitas pessoas estão com medo de sair de casa. As mudanças também serão sentidas a centenas de quilômetros de qualquer oceano ou fronteira nacional, inclusive nas ruas cobertas de neve de Marshalltown, em Iowa, uma cidade de 28 mil habitantes a cerca de uma hora de Des Moines. Festivais locais estão vazios em Marshalltown Clientes atravessam a rua em frente ao Zamora Fresh Market, em Marshalltown, Iowa, na quarta-feira, 24 de dezembro de 2025. KC McGinnis/The New York Times) Mexicanos, alguns vivendo ilegalmente no país, começaram a chegar a Marshalltown nos anos 1990 para trabalhar em uma planta de processamento de carne suína. Após uma operação de imigração de grande repercussão em 2006, refugiados com status legal mais sólido vieram de Mianmar, Haiti e Congo. Hoje, restaurantes mexicanos, chineses e vietnamitas se espalham pelos quarteirões ao redor do imponente tribunal do século XIX. A população é 19% estrangeira, e cerca de 50 dialetos são falados nas escolas públicas. Aos domingos, os bancos da missa em espanhol na igreja católica local ficam lotados e, em 2021, uma sociedade religiosa birmanesa construiu uma enorme estátua de Buda nos arredores da cidade. -- Há mais energia na comunidade -- disse Michael Ladehoff, prefeito eleito de Marshalltown. -- Quando você fica estagnado e não recebe pessoas novas, a cidade começa a envelhecer. AL: Chile, segundo maior produtor mundial de lítio, lança megaempresa para explorar metal usado na transição energética Mas, com o endurecimento da política migratória de Trump, festivais locais estão mais vazios. Pais tiram os filhos da escola ao ouvirem relatos de detenções. O supervisor da construção de um estádio esportivo escolar recebeu uma carta de deportação, criando uma ausência visível quando a obra foi concluída. A planta de processamento de carne dispensou trabalhadores cujas autorizações expiraram. Ainda não está claro o que essas mudanças significarão para os Estados Unidos. Mas uma era anterior de repressão à imigração traz algumas lições. Durante o primeiro século do país, a imigração foi praticamente irrestrita no nível federal. Isso começou a mudar no fim do século XIX, com a “grande onda” de imigrantes fugindo de perseguições políticas ou em busca de trabalho. A partir da década de 1870, o Congresso passou a barrar criminosos, anarquistas, indigentes e todos os trabalhadores chineses. No início do século XX No início do século XX, o sentimento anti-imigração era generalizado. O advogado e eugenista Madison Grant escreveu em 1916 que países estrangeiros se aproveitavam da abertura americana para despejar “os rejeitos de suas prisões e asilos” e que o “tom geral da vida americana social, moral e política havia sido rebaixado e vulgarizado”. Grant foi consultado quando o Congresso elaborou a Lei de Imigração de 1924, que praticamente proibiu a imigração da Ásia, criou a Patrulha de Fronteira e estabeleceu cotas para países do sul e do leste europeu. A imigração líquida despencou. A retórica atual ecoa aquela época. Trump descreve pessoas da Somália, Haiti e Afeganistão como vindas de “buracos do inferno” e acusa outros países de “esvaziar suas prisões e hospitais psiquiátricos nos Estados Unidos”. Os debates dos anos 1920 também soam familiares hoje: medo do crime, ansiedade com a queda da taxa de natalidade entre nativos, desconfiança sobre a política dos recém-chegados, esperança de que restrições elevassem salários e disputas sobre assimilação. Hoje, defensores da interrupção da imigração, incluindo o vice-presidente JD Vance, afirmam que isso ajudaria o país a absorver quem já está lá, reduzir a competição por moradia e fortalecer oportunidades de trabalho. Reihan Salam, do Manhattan Institute, alertou que uma população crescente de imigrantes pouco qualificados pode criar uma “subclasse permanente”. Atualmente, empresas podem terceirizar empregos, recorrer à automação e à inteligência artificial. Mas muitos serviços ainda exigem presença humana. -- Se você é obstetra, precisa de mãos no momento do parto -- disse David Goldberg, vice-presidente de uma rede hospitalar da Virgínia Ocidental. Na agricultura, ninguém encontrou forma de colher culturas delicadas sem pessoas. Na década de 1970, alguns produtos simplesmente desapareceram das prateleiras. -- Isso não vai do chão direto para a embalagem sem mãos humanas -- disse Luke Brubaker, produtor rural da Pensilvânia. Terra de oportunidades? Clientes comem no Norbu, um restaurante nepalês em Lancaster, Pensilvânia Rachel Wisniewski/The New York Times Empresários alertam que o dano pode ser maior do que perdas pontuais de mão de obra. -- Estamos manchando a marca dos Estados Unidos -- disse Dan Simpson, CEO de uma rede de restaurantes. Mesmo que o país volte a se abrir, afirmou, será necessário convencer o mundo de que os EUA ainda são a terra das oportunidades. Quase metade das empresas da Fortune 500 foi fundada por imigrantes ou filhos de imigrantes. Estudos mostram queda no número de patentes após as restrições dos anos 1920. -- Você acaba com uma economia menor, menos dinâmica e menos diversificada -- disse o professor Exequiel Hernandez, da Wharton School. A longo prazo, a baixa imigração colide com o envelhecimento da população. Em lares de idosos, hospitais e cidades do interior, imigrantes são fundamentais para sustentar comunidades inteiras. -- Isso é só o ano 1. Qual será o futuro?”, disse Ahmed Ahmed, conselheiro municipal de Lancaster, na Pensilvânia.