Lula avalia compra de novo avião presidencial após três incidentes, mas aliados temem desgastes em ano de eleição

Após ao menos três episódios de risco em voos oficiais neste mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda a compra de um novo avião presidencial. A decisão, no entanto, esbarra no alto custo da aeronave, estimado entre R$ 1,4 bilhão e R$ 2 bilhões, segundo cotações de mercado, e no potencial desgaste político em um ano eleitoral, cenário que leva aliados a desaconselharem a troca. O orçamento deve ser entregue ao petista no início de 2026. A cotação de preços está em fase final no Ministério da Defesa e na Aeronáutica. Mudança próxima: Lewandowski avalia ter cumprido 'missão' no Ministério da Justiça e que futuro no governo depende de Lula Boletim médico: Bolsonaro volta a ter crise de soluços e fará novo procedimento nesta segunda-feira A intenção de trocar o avião decorre da insatisfação de Lula e da primeira-dama, Janja, com as limitações da atual aeronave. O presidente defende um equipamento com maior autonomia para voos internacionais, mais espaço para reuniões, área vip e um quarto mais amplo, com cama. O comandante da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno, enfrenta dificuldades para levantar cotações no exterior de aeronaves que atendam às exigências do Palácio do Planalto. Investimento restrito Editoria de Arte A escassez desse tipo de avião no mercado internacional é um dos entraves para a compra, que pode levar meses para ser concluída em razão das especificidades de fabricação. A produção de aeronaves de luxo adaptadas para líderes mundiais é limitada e não acompanha a demanda global. Fila internacional A Aeronáutica acionou corretores especializados na compra de aeronaves, responsáveis por buscar, em diferentes países, empresas capazes de fornecer modelos compatíveis com os critérios definidos pela Presidência. Nessa fase, o governo prospecta o mercado, consulta valores e analisa opções. Após essa triagem, as alternativas são submetidas à análise final de Lula. A aquisição ocorreria por meio de licitação. Em 2024, a FAB chegou a sondar preços de aeronaves alemãs, incluindo uma utilizada pela ex-chanceler Angela Merkel, mas a negociação não avançou. — Há uma fila para comprar esse tipo de avião e uma fila para fazer a adaptação dele. Não é construído do dia para a noite e a depender da fila pode levar de dois a três anos. A aeronave para instituição de Estado exige um aparato de segurança, porque ali dentro é o líder do país que está sendo transportado. Além da segurança tem que ter autonomia de voo, precisa de rapidez para chegar. Parar para abastecer é um risco, porque cada pouso e decolagem é um risco — afirma o advogado André Soutelino, especialista em Direito Aeronáutico. Lula tem se queixado dos riscos enfrentados durante viagens oficiais. O episódio mais recente ocorreu no início de outubro, no Pará. Segundo o próprio presidente, uma falha no motor antes da decolagem obrigou a comitiva a trocar de aeronave. O grupo seguia para Breves, na Ilha do Marajó, quando o problema foi identificado ainda em solo. De acordo com Lula, todos desembarcaram diante do receio de incêndio. A aeronave envolvida no incidente é uma das 11 unidades do modelo C-105 Amazonas operadas pela Força Aérea Brasileira. O turboélice bimotor integra a frota oficial desde 2006 e foi fabricado pela divisão de defesa da Airbus, a segunda maior empresa de aviação do mundo. Outro episódio constrangedor ocorreu em março deste ano, quando o avião presidencial, o Airbus A319CJ — conhecido como Aerolula — precisou arremeter ao tentar pousar no aeroporto de Sorocaba, no interior de São Paulo. Segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a manobra foi necessária devido a ventos fortes, levando o piloto a optar por novo procedimento de pouso pela outra cabeceira da pista. Antes disso, em outubro de 2024, o Aerolula sofreu uma pane no México após a falha de uma das turbinas, componente essencial do motor. O problema obrigou a aeronave a permanecer quase cinco horas voando em círculos sobre a Cidade do México para consumir combustível e viabilizar um pouso seguro no Aeroporto Internacional Felipe Ángeles. Após o pouso, Lula e sua comitiva trocaram de avião para retornar a Brasília. O episódio foi a gota d’água para o presidente, que avaliou ter corrido risco de vida e reabriu o debate no governo sobre a necessidade de uma aeronave mais moderna. Na primeira reunião ministerial deste ano, Lula afirmou que aquela foi uma das ocasiões em que achou que iria morrer. — Eu pensei na minha vida porque eu fiquei 4 horas e meia dentro de um avião, sabe, esperando um milagre de Deus para que o avião não caísse — disse Lula. Desde o incidente no México, o Aerolula passou a operar com uma turbina alugada. Em janeiro, dois novos equipamentos desse tipo devem chegar a Brasília para a renovação dos motores da aeronave presidencial. O Aerolula foi adquirido há 20 anos, durante o primeiro mandato do presidente. A aeronave é dividida em três seções: na parte frontal, com 10 poltronas, viajam o presidente, chefes de Estado e ministros; no meio, há uma sala com mesa; e, na parte traseira, seguem assessores e convidados, em cerca de 40 assentos semelhantes aos de aviões comerciais. A autonomia limitada, no entanto, é um dos principais problemas. Em uma viagem ao Japão, em maio de 2023, Lula precisou fazer duas escalas, em Guadalajara, no México, e no Alasca, nos Estados Unidos. Comprado por R$ 495 milhões, em valores corrigidos, o avião foi alvo de críticas e rendeu um apelido explorado pela oposição como símbolo de gastos do Palácio do Planalto. Esta é a segunda tentativa de Lula de adquirir uma nova aeronave. No fim de 2024, os planos foram adiados em meio às discussões sobre ajuste fiscal — a oposição passou a se referir à iniciativa como AeroJanja. Além dos aspectos técnicos e financeiros, o fator político pesa na decisão presidencial. Aliados avaliam que, entre a compra e a incorporação efetiva da aeronave à frota, o processo pode levar meses, com conclusão apenas no segundo semestre. Uma ala defende que a aquisição não ocorra para evitar desgaste à imagem do presidente, candidato à reeleição no próximo ano. Outra corrente considera viável deixar a compra encaminhada para 2027. As posições contrárias à compra incluem auxiliares próximos de Lula no Palácio do Planalto e cardeais do PT. Procurados, Defesa, Aeronáutica e Palácio do Planalto não se manifestaram. Outro ponto levantado por aliados é que, durante a campanha eleitoral, os custos de deslocamento para atos políticos devem ser arcados pelo PT. Uma aeronave mais moderna poderia elevar essas despesas. Mesmo em período eleitoral, Lula só pode viajar em aviões da FAB e acompanhado por agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Nessas circunstâncias, o partido é obrigado a ressarcir o governo pelos custos das viagens e a declará-los ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Impasse financeiro A discussão sobre a compra de um novo avião também expõe insatisfações internas nas Forças Armadas diante das restrições orçamentárias que afetam investimentos e a manutenção de equipamentos. Os gastos da Defesa seguem em alta e se concentram principalmente em despesas com pessoal. Para o próximo ano, o orçamento da pasta será de R$ 141 bilhões, dos quais R$ 107,9 bilhões — o equivalente a 76% — serão destinados ao pagamento de pessoal. Desse total, R$ 812 milhões estão reservados para “manutenção e suprimento de material aeronáutico”, valor R$ 145 milhões superior ao previsto para 2025. O ministro da Defesa, José Múcio, defende a aprovação de uma proposta que estabelece um piso de 2% do PIB para a área, o que representaria cerca de R$ 244 bilhões. — Precisamos saber se vamos pagar a primeira prestação da munição, de um avião ou de um radar. Não se trata apenas de números, mas de previsibilidade e continuidade. A Defesa não pertence a um governo, mas ao país — disse Múcio em audiência no Senado, em setembro. Nos bastidores, o ministro costuma comparar a situação brasileira com a do Chile. Apesar de o Brasil ter um território 11 vezes maior, o país mantém uma frota de Defesa menor que a da nação andina. Mesmo com as queixas recorrentes dos militares, o governo realizou um aporte orçamentário relevante à Defesa neste ano. O Congresso autorizou o uso de R$ 30 bilhões ao longo de seis anos para investimentos estratégicos na área, em articulação direta de Múcio com a Câmara e o Senado. Os recursos ficam fora do arcabouço fiscal, sem impacto no teto de gastos. Nesse cenário, a eventual compra de um novo avião presidencial tende a disputar espaço orçamentário com outras prioridades da Defesa Nacional.