O que líderes dizem sem perceber pode estar adoecendo equipes inteiras

Quando se fala em saúde mental no trabalho, é comum associar o problema a excesso de tarefas, metas inalcançáveis ou pressão constante. Mas há um fator menos evidente e igualmente potente que vem sendo apontado por especialistas: a forma como os líderes se comunicam no dia a dia.  Não se trata apenas de discursos duros ou cobranças explícitas. Muitas vezes, são frases curtas, comentários aparentemente neutros ou respostas automáticas que desencadeiam sentimentos de medo, desvalorização e insegurança. Esses pontos cegos na comunicação funcionam como pequenos choques emocionais que, ao se acumularem, ampliam riscos psicossociais reais.  “A comunicação não se limita ao que é dito. O que não é dito, o tom usado e o contexto emocional também comunicam”, explica Arline Davis, mentora de transições decisivas e consultora em desenvolvimento humano. Para ela, líderes que interrompem, rotulam ou invalidam o outro acabam criando loops de desconexão que afetam profundamente o vínculo com suas equipes.  Frases como “isso é óbvio”, “não temos tempo para isso” ou “isso é exagero” ilustram bem esse fenômeno. Para quem fala, podem soar como objetividade ou foco. Para quem ouve, podem ser interpretadas como desprezo, abandono ou humilhação. O resultado é um ambiente onde as pessoas passam a medir cada palavra, evitando exposição e reduzindo sua participação.  Esse descompasso tem relação direta com a forma como cada indivíduo percebe o mundo. A partir de modelos da Programação Neurolinguística e da neurociência, especialistas explicam que as pessoas operam com filtros cognitivos distintos. Quando essas diferenças não são reconhecidas, o que deveria ser comunicação vira julgamento e o julgamento, por sua vez, gera retraimento emocional.  Em empresas de médio e grande porte, especialmente em setores que exigem alta interação humana, como educação, saúde, tecnologia e consultoria, esses padrões tendem a se intensificar. O que começa como um ruído relacional pode evoluir para quadros de ansiedade, afastamentos e perda de engajamento coletivo.  Davis relembra um caso em que uma organização enfrentava sucessivos adoecimentos emocionais sem identificar a causa. A análise revelou que o estilo de comunicação da liderança principal era excessivamente corretivo e desqualificador. A introdução de práticas baseadas em “mensagens de patrocínio” comunicações que reconhecem contexto, legitimam emoções e estimulam responsabilidade compartilhada transformou o clima interno em poucos meses.  Segundo a especialista, há uma confusão comum quando gestores dizem que não podem ser “psicólogos” de seus times. “Entender pessoas não é psicologizar relações, é reconhecer que ninguém deixa suas necessidades emocionais na porta da empresa”, afirma.  Em um momento em que o debate sobre saúde mental no trabalho se torna cada vez mais urgente, olhar para a qualidade da comunicação interpessoal pode ser um passo decisivo para ambientes mais seguros, produtivos e humanos.