Empresas de comercialização de soja devem abandonar pacto de proteção da Amazônia, diz agência

Empresas de comercialização de soja devem abandonar pacto de proteção da Amazônia, diz agência Divulgação. Algumas das maiores tradings de soja do mundo estão se preparando para romper o acordo que limita o desmatamento da floresta amazônica, numa tentativa de preservar benefícios fiscais no Mato Grosso, disseram à Reuters duas pessoas com conhecimento direto do assunto. As empresas que devem deixar a chamada Moratória da Soja — que salvou milhões de hectares de floresta tropical ao longo de quase duas décadas — buscam se proteger de uma nova lei estadual em Mato Grosso, disseram as fontes, sob condição de anonimato. ➡️A partir de janeiro, o estado passará a retirar incentivos fiscais de empresas que participam do programa de conservação. Mato Grosso produziu cerca de 51 milhões de toneladas métricas de soja em 2025, mais do que a Argentina. Um relatório preliminar de auditores estaduais, divulgado em abril, apontou que as tradings de grãos se beneficiaram de incentivos fiscais de aproximadamente R$ 4,7 bilhões entre 2019 e 2024. ADM e Bunge foram as maiores beneficiárias dos incentivos fiscais, recebendo cerca de R$ 1,5 bilhão cada uma, segundo Sérgio Ricardo, presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. A norte-americana ADM, a Bunge e a Cargill, além da chinesa Cofco e da brasileira Amaggi, são signatárias do pacto e possuem unidades em Mato Grosso que se beneficiaram de incentivos fiscais estaduais. Não estava claro quais dessas empresas romperiam imediatamente com a moratória. A Cargill encaminhou os questionamentos à entidade setorial Abiove, que não respondeu aos pedidos de comentário. ADM, Bunge, Cofco, Amaggi e a associação de exportadores de grãos Anec também não responderam. “A maioria das empresas vai preferir não perder os incentivos fiscais e se retirar do acordo”, disse uma das fontes, acrescentando que as saídas, na prática, encerrariam um pacto firmado em 2006 com o governo federal e organizações ambientalistas. ➡️A moratória é considerada uma das forças mais importantes para desacelerar as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira nos últimos 20 anos, pois impede as empresas signatárias de comprar soja de produtores que plantam em áreas desmatadas após julho de 2008. Pesquisadores estimam que, sem a moratória e iniciativas de conservação relacionadas, uma área da floresta do tamanho da Irlanda teria sido convertida em lavouras de soja no Brasil, em comparação com o ritmo de expansão observado em países vizinhos, como a Bolívia. A lei de Mato Grosso, aprovada pelos deputados estaduais em 2023, é o exemplo mais recente de um recuo global em relação a acordos e políticas para conter as mudanças climáticas, mesmo com temperaturas batendo recordes, impulsionadas pelo aumento do uso de combustíveis fósseis e do desmatamento. Críticos da moratória da soja afirmam que o pacto restringe o mercado e prejudica os produtores rurais. Entidades do setor agropecuário em Mato Grosso dizem que o protocolo reduz a renda e o desenvolvimento econômico do estado. “As empresas poderiam optar por manter seus compromissos de desmatamento zero”, afirmou Cristiane Mazzetti, responsável pela moratória no Greenpeace. “É um precedente perigoso e não é o que precisamos em um momento de emergência climática”, acrescentou. O governo federal brasileiro tem argumentado na Justiça contra a nova lei de Mato Grosso que retira benefícios fiscais de tradings em razão de seus compromissos ambientais. “Se o governo de Mato Grosso realmente retirar esses incentivos, ouvimos dizer que algumas, ou muitas, empresas de fato vão abandonar a moratória por razões econômicas”, disse André Lima, secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo combate ao desmatamento. Ele acrescentou que as empresas ainda não informaram oficialmente o ministério sobre seus planos. Consequências O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu uma “transformação ecológica” da economia brasileira, coroada pela cúpula do clima das Nações Unidas realizada na Amazônia no mês passado. Mas, na política interna, seu governo de esquerda frequentemente trava uma batalha defensiva para proteger a maior floresta tropical do mundo diante de um lobby ruralista fortalecido no Congresso. O desmonte da Moratória da Soja na Amazônia tende a fortalecer esses grupos de poder rural e seus aliados. Neste ano, o lobby do agronegócio conseguiu enfraquecer leis de licenciamento ambiental e retirar parte das proteções a terras indígenas. A tendência chamou a atenção de entidades de agricultores na Europa, que defendem barrar um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul devido ao impacto do agronegócio brasileiro sobre ecossistemas vitais. O Supremo Tribunal Federal barrou parte — mas não toda — da agenda do lobby rural no Congresso, com base em proteções constitucionais ao meio ambiente e aos povos indígenas. Ambientalistas alertam que o fim da moratória da soja pode abrir caminho para o desmonte de outras salvaguardas ambientais no maior produtor mundial de soja, incluindo dispositivos do Código Florestal que impedem agricultores de derrubar árvores em 80% de suas propriedades na Amazônia. Nos últimos anos, produtores de soja pressionaram parlamentares estaduais em Mato Grosso, Rondônia e Maranhão a retirar benefícios fiscais de empresas que participam de pactos ambientais mais restritivos do que a legislação brasileira. Ainda não está claro quais compromissos ambientais, fora da moratória da soja, serão atingidos por essas novas leis estaduais, o que pode ameaçar uma série de outras empresas, incluindo produtoras de celulose e frigoríficos. Separadamente, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu uma investigação sobre a moratória da soja por possível violação das regras de concorrência. Há quase duas décadas, as tradings dividem os custos de monitoramento das lavouras de soja na Amazônia para evitar a compra de grãos produzidos em áreas recém-desmatadas. A partir de janeiro, o Cade determinou que as empresas “se abstenham de coletar, armazenar, compartilhar ou divulgar informações comerciais relacionadas à venda, produção ou aquisição de soja”. Produtores de soja em Mato Grosso também entraram com ações contra as tradings, cobrando cerca de US$ 180 milhões por conta de sua participação no pacto. Em decisões liminares, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino suspendeu a investigação antitruste, mas permitiu que a lei de Mato Grosso entrasse em vigor. Organizações ambientalistas ainda tentam barrar a norma estadual antes de uma decisão final da Justiça sobre o tema.