Com acordo de paz em Gaza ameaçado e pressão por novos ataques ao Irã, Trump recebe Netanyahu em Mar-a-Lago

Após uma intensa e até agora inconclusiva semana voltada à guerra na Ucrânia, o presidente dos EUA, Donald Trump, recebeu em sua residência de Mar-a-Lago o premier de Israel, Benjamin Netanyahu, com uma pauta liderada pelo claudicante cessar-fogo na Faixa de Gaza, mas que também inclui o Hezbollah no Líbano, ameaças de nova guerra com o Irã e as próximas eleições israelenses. — Vou repetir isso várias e várias vezes. Nunca tivemos um amigo como o presidente Trump na Casa Branca. Nem se compara — disse Netanyahu a repórteres, ao lado de Trump, em sua sexta visita aos EUA em 2025. — Acho que Israel é muito abençoado por ter o presidente Trump liderando os EUA e, eu diria, liderando o mundo livre neste momento. Perspectivas 2026: Diplomacia frágil, eleições e ocupação israelense em expansão dificultam avanço na questão palestina 'Sinto a morte todos os dias': Criança com doença celíaca grave enfrentou fome e meses sem tratamento antes de morrer em Gaza Pouco antes, Netanyahu havia se encontrado com os secretários de Estado, Marco Rubio, e da Guerra (ou Defesa), Pete Hegseth. — Já fizemos muitos progressos. Tivemos uma reunião de cerca de cinco minutos e já resolvemos cerca de três das dificuldades — disse Trump aos jornalistas, antecipando que havia cinco grandes tópicos na pauta de discussões. A começar por Gaza. Trump, que pressionou pela assinatura da primeira fase do cessar-fogo firmado por Israel e por Hamas em outubro, não esconde a impaciência com a demora na implementação da segunda etapa do plano, já voltada à governança futura do enclave e ao estabelecimento das bases para a reconstrução. Desde a assinatura do acordo, longe de ser o ideal para Netanyahu, Israel manteve operações militares no enclave, deixando dezenas de mortos, e ampliou a demolição de estruturas dentro da área que ainda ocupa no território, algo confirmado por imagens de satélite, alegando que são ações para garantir a segurança do país contra novos ataques. O Hamas, por sua vez, rejeita o desarmamento completo, previsto no plano, e exige manter armas leves, como pistolas e alguns rifles — uma negativa que ajuda na estratégia de Netanyahu, e que foi lembrada por Trump do lado de fora de Mar-a-Lago ao ser perguntado quando a segunda fase do plano de paz seria implementada. — Muito rapidamente, o mais rápido possível, mas tem de haver um desarmamento, temos de desarmar o Hamas — disse Trump. Retorno de Trump, cessar-fogo em Gaza, novo Papa e ofensiva dos EUA no Caribe: Os dez principais acontecimentos de 2025 O futuro Estado palestino, tratado de maneira rasa na proposta, sequer é tratado como uma possibilidade concreta pelo premier. O eventual fracasso do plano de paz de Trump para Gaza replicaria o desfecho de um cessar-fogo firmado dias antes de sua posse, em janeiro, e que desmoronou semanas diante de um impasse sobre a implementação de sua segunda fase. Mais do que isso: seria um golpe na narrativa de que “encerrou” oito guerras em seu governo, sendo que o "fim" do conflito no território palestino é apresentado como uma jóia da coroa. — Acho que nenhum dos dois confia no outro. Nem sequer tenho certeza se gostam um do outro. Mas a realidade é que precisam um do outro — disse Aaron David Miller, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, à CNN. Para muitos israelenses, a questão não é se a guerra em Gaza será retomada, mas quando. No começo do mês, uma pesquisa do Instituto da Democracia de Israel mostrou que 53% dos entrevistados acreditam que o conflito com o Hamas será retomado em 2026. Válida até 2027: Israel prorroga lei que permite censura a veículos de comunicação estrangeiros considerados 'perigosos' pelo país Se Trump parece reticente e até preocupado com a retomada do conflito em Gaza, o mesmo não pode ser dito do Irã, que travou uma guerra aérea de 12 dias com Israel em junho e cujas instalações nucleares foram bombardeadas pelos EUA. Antes de chegar a Mar-a-Lago, Netanyahu e aliados em Washington apostaram no argumento sobre uma nova intervenção, agora contra o programa de mísseis balísticos do país. Mísseis disparados do Irã são fotografados no céu noturno sobre Jerusalém em 14 de junho de 2025 Menahem Kahana / AFP Os israelenses afirmam que Teerã conseguiu recuperar parte de sua capacidade de construção de mísseis, o que, em sua visão, seria uma ameaça existencial. Na pesquisa do Instituto da Democracia de Israel, 69% dos entrevistados disseram que um novo conflito com o Irã acontecerá em 2026. — Ouvi dizer que o Irã está tentando se reconstruir, e se estiver, teremos que derrubá-los. Vamos derrubá-los. Vamos acabar com eles — disse Trump, antes do início da reunião. Sob sanções da ONU: Irã fecha acordo de R$ 130 bilhões com a Rússia para construção de novos reatores nucleares O republicano ainda disse que seria “mais inteligente” para o Irã buscar um novo acordo sobre seu programa nuclear, e que “eles poderiam ter feito um acordo da última vez, antes de lançarmos um grande ataque contra eles. O último acordo, firmado em 2015 com o apoio dos EUA e rasgado por Trump em 2018, previa o controle das atividades de enriquecimento de urânio e da quantidade de material armazenado, em troca de medidas de alívio econômico, posteriormente revertidas. Em setembro, países europeus aprovaram no Conselho de Segurança da ONU a retomada completa das sanções contra os iranianos, alegando descumprimento das obrigações nucleares. No sábado, o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, comparou a pressão diplomática sobre seu país a uma “guerra total”, e reafirma que não busca armas nucleares. Contrastando com a imagem de “homem da paz” vendida por Trump, Netanyahu levou a Mar-a-Lago outras demandas de cunho militar. A primeira no Líbano, onde o processo de desarmamento do Hezbollah está estagnado, apesar da pressão da Casa Branca sobre Beirute — pelo acordo que encerrou a ofensiva israelense em solo libanês, no ano passado, o grupo deveria entregar suas armas e abandonar posições militares em uma faixa próxima à fronteira com Israel, mas o Hezbollah não parece disposto a tal. Ataques por terra e ar contra o grupo se intensificaram, e uma nova ofensiva terrestre israelense não está fora dos planos. Outro ponto é a Síria. Netanyahu quer estabelecer uma zona tampão na fronteira, e aproveitou o caos após a queda de Bashar al-Assad no ano passado para avançar por terra nas Colinas de Golã. O novo presidente, Ahmed al-Sharaa, o ex-jihadista que tem cultivado bons laços com Trump, diz que isso coloca seu país em uma “posição perigosa”. A insistência israelense também pode ameaçar os planos do republicano para incluir os sírios nos Acordos de Abraão, criando laços formais com Israel. — Eu sei que ele (Al-Sharaa) é um sujeito durão, e você não vai conseguir um santo para liderar a Síria — disse Trump. — Espero que eles se deem bem. Por fim, Netanyahu leva à mesa uma agenda pessoal. Em outubro do ano que vem (ou antes, dependendo dos humores políticos), Israel irá às urnas, e as pesquisas mostram a coalizão do premier em desvantagem. Em paralelo, os casos de corrupção contra ele, que se arrastam há anos, voltaram a caminhar, apesar do pedido de Trump para que o presidente israelense, Isaac Herzog, conceda perdão a seu aliado político. Antes da reunião, o republicano sugeriu que o indulto "já estava a caminho", mas um porta-voz disse que não era bem assim. "Não houve nenhuma conversa entre o presidente Herzog e o presidente Trump desde que o pedido de indulto foi submetido", afirmou o Gabinete do presidente, em comunicado nesta segunda-feira. "Herzog conversou com um representante de Trump que perguntou sobre o pedido e recebeu uma explicação sobre o processo, bem como a garantia de que qualquer decisão seguiria os procedimentos padrão".