'O Universo de Alan' mostra como são os bastidores de um canal que venceu no YouTube

Para entender por que Alan Chikin Chow é um dos criadores de conteúdo mais bem-sucedidos do YouTube, basta assistir aos primeiros 18 segundos de “My Boyfriend Is a Werewolf?!”. O vídeo, parte da série “O Universo de Alan”, começa com aviões de papel voando em uma colorida sala de aula cheia de adolescentes vestidos de forma impecáveis. O lobisomem, interpretado por Chow, aparece dois segundos depois e crava os dentes no pescoço de um atleta azarado enquanto seus colegas de classe, aterrorizados, caem das carteiras. Uma jovem grita e percebemos que se trata de um sonho. O episódio, publicado no final de junho, já foi visto mais de 23 milhões de vezes. Esses 18 segundos levaram quatro horas para serem gravados por Chow e sua equipe. Foram inúmeras tomadas feitas num estúdio de 930 m² até que o movimento dos aviões de papel ficasse perfeito e os alunos caíssem no chão com o impacto certo. “A cena mais importante do nosso episódio!”, disse Chow ao começar o dia de filmagem. Ele sabe que as crianças de 10 anos que assistem seus vídeos têm outras distrações e está determinado a manter a atenção delas: "O vídeo começa, é explosivo e depois não para", explicou mais tarde em uma entrevista. Mas seu público também quer "vídeos com narrativa", acrescentou, repletos de "emoção, momentos e beleza". Não é fácil alcançar tudo isso. Mas Chow não é como a maioria. O criador de 29 anos está entre o 1% do 1%, ao lado de figuras como MrBeast, que descobriram uma fórmula de sucesso. Seus vídeos são visualizados de 1 bilhão a 1,5 bilhão de vezes por mês, em média. O canal "Alan's Universe" tem 98,3 milhões de inscritos (35 milhões a mais que Taylor Swift) e este ano entrou na programação do Prime Video. A reboque desse sucesso, Chow está lançando um grupo pop e anunciou uma parceria com a marca coreana de cuidados com a pele Laneige. Em julho, foi incluído na lista da Time dos 100 criadores mais influentes, ao lado de nomes como Joe Rogan, Alex Cooper e Kai Cenat. "Minha intenção é transformar essa franquia na próxima Disney", diz Chow. Para isso, ele terá que expandir para além do YouTube, mas também não pode ignorá-lo, e esse é o desafio para muitos criadores de conteúdo que buscam se destacar. Um programa feito para a Geração Alfa Chow nasceu e cresceu em Plano, nos arredores de Dallas, no Texas, filho de um engenheiro da NASA e de uma dona de escola infantil. Na infância, sua dieta televisiva incluía séries como "Family Matters", "Hannah Montana", "That's So Raven" e outras sitcoms inocentes. Quando foi para a faculdade na Universidade do Sul da Califórnia (USC), seus pais se mudaram para a Virgínia Ocidental, onde não tinham amigos nem família. Então, ele começou a criar vídeos para fazer sua mãe rir. Na USC, entrou para um clube de estudantes interessados ​​em se tornarem criadores de conteúdo. Lá, aprendeu sobre o mercado das mídias sociais e que "é possível criar vídeos virais". A receita não é exatamente um segredo: é preciso fisgar os espectadores com um título e uma imagem de capa impactantes, mantê-los atentos durante os primeiros segundos e garantir que um público amplo se identifique com o conteúdo. — É a diferença entre fazer um vídeo bem específico, tipo ‘Passei 50 horas no Buc-ee’s’, que é um posto de gasolina no Texas que eu conheço porque cresci no Texas ou ‘Meu namorado é um lobisomem?!’ — explica Chow. — Todo mundo sabe o que são lobisomens e as pessoas se perguntam ‘Qual será o conceito disso?’. Alguns criadores de conteúdo tentam adaptar seu material para o TikTok, Instagram e qualquer outra plataforma potencialmente lucrativa. Mas Chow, já em 2020, estava ciente de que o governo Trump poderia banir o TikTok. Ele também havia lido o livro “Essencialismo”, cuja mensagem resume como “você pode ser bom em muitas coisas ou pode ser o melhor em uma coisa”. Então, ele se dedicou ao YouTube, especificamente ao YouTube Shorts, vídeos geralmente com menos de um minuto, feitos para celulares. Esses primeiros vídeos sintetizam algumas das crenças de Chow sobre o que funciona: são positivos e cheios de energia, construídos em torno de temas edificantes. ("Não importa se você é humano ou lobisomem", diz a personagem de Chelsea Sik, colega da USC que trabalha com Alan. "Proteger uns aos outros é o que nos torna uma família.") Os vídeos do YouTube Shorts geralmente têm poucos diálogos, o que os torna acessíveis e independentes de idioma. Chelsea Sik filma uma cena para “Alan’s Universe”, série de Alan Chikin Chow no YouTube Philip Cheung/The New York Times Mas Chow sabia que lições de vida eram difíceis de transmitir em 60 segundos. Então, com Sik e alguns outros amigos, ele fez um episódio de cinco minutos, uma espécie de piloto para "O Universo de Alan". Tornou-se o vídeo de maior sucesso do canal. — Eu tentei várias coisas diferentes e percebi que, como as pessoas assistem a isso no Shorts o tempo todo, provavelmente queriam um formato mais longo — disse. Quando incluiu diálogos, a audiência aumentou. — Então percebemos: ‘Nossa, eles realmente querem que a gente fale. Assim nasceu “O Universo de Alan”, uma série que acompanha Chow e seus amigos enquanto eles lidam com o ensino médio, valentões, professores malvados e percalços amorosos. Sik agora é a atriz principal. O público é majoritariamente da Geração Alfa, crianças de 7 a 14 anos que cresceram com telas. O resultado não é tão diferente dos programas do Disney Channel e da Nickelodeon com os quais Chow e seus colegas de elenco cresceram. — O programa é para as crianças do ensino fundamental II — diz Moris Zingman, de 27 anos, um dos produtores de “O Universo de Alan”. — E esta é a visão que elas têm de como é o ensino médio. Aumentando a tensão Elementos do “Universo de Alan” se espalham pelo TikTok e Instagram, mas foi o YouTube, a plataforma de streaming número 1, que impulsionou seu crescimento. — Pessoas como o Alan estão definindo o que são mídia e entretenimento para essa nova geração— define Angela Courtin, vice-presidente de marketing do YouTube. Como muitos dos sucessos da plataforma, Chow criou uma conexão com seu público e responde ao feedback dos fãs, partes essenciais do “ingrediente secreto do YouTube”, afirma ela. Alan Chikin Chow, criador da série do YouTube "Alan's Universe", recebe maquiagem de efeitos especiais antes de gravar uma cena para o programa Philip Cheung/The New York Times Mas ser impulsionado pelo YouTube também exige acompanhar demandas em constante mudança. O público está assistindo a vídeos mais longos e cada vez mais em suas televisões, o que levou Chow e outros criadores a produzirem conteúdo mais episódico. Essa mudança traz novos desafios criativos. — Você precisa continuar aumentando a tensão por 30 minutos, o que é muito mais difícil — diz ele. Entre os criadores, a mudança no consumo de conteúdo no YouTube e a migração para telas maiores se tornaram um divisor de águas. Chow se vê como parte de uma nova onda de criadores cuja ascensão foi impulsionada por essa mudança. Produzir conteúdo cinematográfico desse nível rapidamente se torna caro. Chow descobriu tarde demais que, embora pudesse pagar o aluguel de um estúdio em Burbank, inicialmente não tinha recursos para construir os cenários necessários. Cada mudança que ele fazia para expandir o projeto "parecia que tinha destruído minha vida", diz. E você não recebe por vídeos que ainda não produziu, acrescenta. Então, mesmo agora, ele considera cada vídeo que a equipe publica como "uma grande aposta". O programa gera receita com publicidade, por meio de campanhas como a recente com a Laneige, além da venda de produtos licenciados. Chow se recusa a revelar a receita total de sua empresa. Algumas personalidades do YouTube fecharam contratos lucrativos. O Puck noticiou neste verão que MrBeast vendeu várias temporadas de seu reality show de competição para a Amazon por quase US$ 300 milhões. A Netflix já contratou Ms. Rachel. E neste outono, um documentário do Dude Perfect levou o grupo de criadores e suas elaboradas acrobacias esportivas aos cinemas de todo o país. Agora, criadores de conteúdo de sucesso como Chow estão menos preocupados em descobrir o segredo do sucesso e mais focados em um novo desafio: como as estrelas do YouTube mantêm sua popularidade e a expandem para além da plataforma que tão bem as serviu? — O YouTube ainda é nossa prioridade número um — diz Chow. Mas também ficou claro que os fãs querem mais do que apenas vídeos. Quando Chow e seus colegas de elenco se apresentaram no festival de criadores VidCon, ele percebeu que era hora de entrar no mundo da música. Qualquer esforço para expandir além do YouTube, disse ele, “vem dos fãs e de como melhor atendê-los”. “Temos uma ideia e filmamos” Produzir dois episódios de “O Universo de Alan” por mês exige jornadas de 12 horas, e para os padrões de Hollywood, segundo os membros da equipe, isso é eficiente. — As coisas acontecem muito mais rápido aqui — diz Laith Souqi, produtor executivo. — Temos os cenários fixos e um estoque de adereços. Então, temos uma ideia e filmamos. Uma visita ao estúdio de “O Universo de Alan” revela um grupo trabalhador, ainda que pouco convencional, atuando em um espaço em constante evolução. O departamento de adereços se resume a uma torre de caixas da Amazon semiabertas. O serviço de alimentação se assemelha a um fast food. Num momento em que a Hollywood tradicional está deixando Los Angeles, Alan e sua equipe criaram raízes. No dia da visita ao estúdio, Chow assistia às gravações de sua cena de abertura. Ela foi regravada várias vezes, para não parecer tão assustadora. Horas depois, ainda com a maquiagem de lobisomem, ele se reuniu com a equipe de criação e decidiu cortar uma cena de batalha — seu público poderia não gostar da pitada de violência, argumentou, e, bem, a cena estava ficando um pouco longa. Escrever e atuar nos episódios nunca foi a maior preocupação de Chow — ele tem formação nessas áreas e conta com ajuda. É o papel de gestão que ele ainda está desenvolvendo. — Sempre pensei: ‘OK, serei só eu, uma câmera e talvez um editor — diz. Mas, à medida que “O Universo de Alan” cresceu, ele se adaptou. — Pensei: ‘OK, então, precisamos nos apresentar dessa forma para que essa decisão seja a certa’.