Karl Bushby iniciou sua aventura em 1998, esperando que a viagem durasse 12 anos Karl Bushby Há 27 anos, Karl Bushby deixou Hull, no Reino Unido, para percorrer a pé 58 mil km ao redor do mundo. Em setembro de 2026, o ex-paraquedista espera voltar à cidade natal, onde sua mãe, que ele descreve como sua fã número um, estará à sua espera. "Estarei aqui", diz Angela Bushby, 75, enquanto percorre com o olhar o ambiente que guarda memórias preciosas. "Não estarei no túnel [sob o Canal da Mancha, entre a França e o Reino Unido]. Estarei aqui, em Hull, esperando que ele atravesse aquele portão e, depois de lhe dar um abraço, vou dizer: '… e que horas são essas, Karl?'" Karl Bushby deixou o Chile (América do Sul) em novembro de 1998, com o objetivo de voltar para casa caminhando, sem usar nenhum meio de transporte. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Ele acreditava que a expedição levaria 12 anos. A geopolítica, guerras e a dificuldade para obter vistos atrasaram o progresso, mas agora, prestes a entrar na Áustria, Karl se prepara para o reencontro com sua família. Eu estou com Angela na sala de estar de sua casa no conjunto habitacional Sutton Park, em Hull. É a casa da infância de Karl. Angela Bushby manteve álbuns de recortes que registram a trajetória de Karl Kevin Shoesmith/BBC News Desde 1998, ela viu o filho apenas três vezes, incluindo antes de ele se tornar o primeiro britânico a atravessar o congelado estreito de Bering, entre a América do Norte e a Rússia, em 2006. Sentada em sua poltrona, Angela olha para as fotografias do filho e diz: "Ele certamente me tirou o sono algumas vezes, posso lhe garantir. É um milagre eu não estar com todos os meus cabelos brancos!" Ela acrescenta: "Ele ainda é meu menininho. Toda mãe pensa assim, não importa como eles sejam ou o que façam". Foi nesta sala em que ela fala com a BBC que Karl apresentou a Angela seu plano para a Expedição Golias, com o apoio do pai, Keith, ex-soldado do Serviço Aéreo Especial do Reino Unido (Special Air Service, SAS). "Fiquei de queixo caído quando Karl me contou o que pretendia fazer", diz Angela, aposentada de uma fábrica de salgadinhos e divorciada do pai de Karl. Sobre a mesa de centro, repousa uma pilha de fotografias da família. E uma imagem se destaca: um menino de cabelos claros se prepara para subir em um galho de árvore, enquanto o irmão o segura. O garoto mais velho parece totalmente concentrado. "Karl sempre foi teimoso", diz Angela. "Quando Karl põe algo na cabeça, ele vai lá e faz." Karl Bushby, à direita, com o irmão mais novo, Adrian Angela Bushby Na parede, há fotografias de Karl e do irmão, Adrian, dois anos mais novo, que registram a trajetória de ambos no Exército. Karl aparece usando a boina vermelha escura e as "asas" do Regimento de Paraquedistas. À primeira vista, pode parecer que Karl passou, com facilidade, de uma aventura a outra. "Ele não teve vida fácil", diz Angela, batendo de leve no vidro que protege a fotografia da cerimônia de formatura militar do filho. Dislexia e bullying Karl, então um adolescente em boa forma física, mas franzino, precisou de várias tentativas para ser aprovado no P Company, a unidade de seleção e treinamento pré-paraquedista da força aerotransportada do Exército britânico. Segundo a mãe, garra e determinação, combinadas com o desejo de honrar a si mesmo e à família, fizeram com que ele superasse as dificuldades. A sala de estar de casa também foi o lugar onde Angela consolou o filho quando ele foi alvo de bullying na escola pública da região. "Karl era chamado de burro e estúpido", afirma. "Ele não era nenhuma dessas coisas. Ele sofreu muito na escola." Karl descreve aqueles anos como "um inferno". "Ele tinha 13 anos quando foi diagnosticado com dislexia", diz Angela, cujo filho concordou que ela compartilhasse os detalhes, na esperança de que sua história de superação inspire outras pessoas. "Quando ele soube que havia um motivo para as dificuldades, decolou. Não havia mais como segurá-lo. Encontrou maneiras de contornar a condição e passou a gostar de ler. Teve de trabalhar muito duro para chegar onde está." Angela mantém álbuns de recortes com reportagens de jornais que registram a trajetória de Karl. Até agora, ele já caminhou pela América do Sul, Central e do Norte, além de partes da Ásia, antes de entrar na Europa. Em 2024, nadou 300 km pelo mar Cáspio (entre Ásia e Europa) para evitar ter de entrar novamente no Irã ou na Rússia, onde enfrentou dificuldades para obter vistos. Ele está prestes a deixar a Hungria e entrar na Áustria. Pergunto a Angela se ela acha que o filho, diante dos fortes vínculos da família com a carreira militar, estava destinado a levar uma vida tão movida à adrenalina. "Na verdade, não", diz ela. "Quando criança, ele nunca me deu trabalho. Sempre foi um menino adorável. Karl sempre gostou de estar ao ar livre." "Era um sacrifício fazê-lo voltar para dentro de casa à noite. Ele adorava observar pássaros nos campos." Angela faz um gesto em direção às portas de vidro que dão para o quintal. "Ele sempre quis estar lá fora", afirma. Os campos, território das aventuras de Karl, desapareceram há muito tempo, substituídos por casas. Para Angela, as décadas trouxeram uma mistura intensa de orgulho e preocupação. Sua memória volta a abril de 2006, quando chegou a notícia de que Karl havia alcançado a Rússia após 14 dias caminhando sobre placas de gelo instáveis, sob temperaturas que chegavam a –30°C. "Houve um alívio por ele ter conseguido", diz Angela. "Pouco antes de sair do Alasca [EUA], ele pediu para ver a família, caso algo lhe acontecesse. Todos nós fomos para lá. Ele sabia que havia uma chance muito grande de não conseguir." "Eu estava no trabalho quando alguém me contou que tinha ouvido no rádio que Karl havia sido preso por entrar ilegalmente na Rússia. Meu coração quase parou." Angela também se recorda de uma ocasião em que Karl experimentou uma bebida que lhe foi oferecida na América do Sul. "Ele disse que as árvores começaram a andar em direção a ele e que o céu já não parecia o mesmo de antes, aparentemente", relata Angela. "Quando ele me contou, fiquei furiosa por ter provado aquilo." Angela claramente sente muita falta do filho. "No começo da caminhada, eu recebia telefonemas de vez em quando", diz. "Hoje em dia, a gente costuma se falar pelo [aplicativo de mensagens] Messenger." Angela guardou presentes para Karl ao longo dos anos. "Continuei comprando um presente de Natal para ele todos os anos", afirma. "Ele vai ter vários para abrir. Quando contei, ele disse: 'Mãe, você deve estar louca'." Mas isso ajuda Angela. Ela admite que se preocupa com a forma como Karl vai se readaptar à vida em sociedade quando voltar para casa. "Não sei o que ele vai fazer", diz, com ar pensativo. "Espero que ele acabe ficando aqui." Angela fica perdida em seus pensamentos. "Mas acho que não vai acontecer. Não acho que ele vá conseguir ficar parado em um só lugar depois de viajar por tanto tempo." Mais tarde, por telefone, Karl conta à BBC sua reação ao comentário de sua mãe: "Que horas são essas?" "Essa é a hora da verdade", responde. Em 2024, Karl Bushby nadou 300 km pelo mar Cáspio para evitar ter de entrar novamente no Irã ou na Rússia, onde enfrentou dificuldades para obter vistos Karl Bushby