Falta d'água: precisa chover em 3 meses a média histórica de todo o período chuvoso para normalizar mananciais em SP, dizem especialistas

Reservatórios de água atingem níveis criticos na grande SP Para que os mananciais que abastecem a capital paulista e a Região Metropolitana de São Paulo voltem a um nível adequado, seria necessário chover cerca de 1.200 milímetros nos próximos três meses, volume equivalente à média histórica de todo o período chuvoso, segundo especialistas. Eles alertam, porém, que, se esse volume de água cair de uma vez, as cidades não estão preparadas para suportar. As chuvas precisam vir de forma constante e distribuídas ao longo dos dias. A crise nos reservatórios tem impactado diretamente a rotina de moradores de várias regiões, principalmente em alguns bairros da Zona Sul, que estão há dias sem água. Para a professora Marta Marcondes, pesquisadora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), a situação só seria normalizada com um volume de chuva muito acima do que vem sendo registrado. Historicamente, a época de chuva vem de meados de setembro até março. Nesse período todo, em média, deveria chover 1.200 milímetros de água. E, se a gente fizer um histórico desse período em 2025, nós não tivemos essas chuvas. Situação da represa Jaguari/Jacarei, coração do Sistema Cantareira, que abastece a Região Metropolitana de São Paulo, neste mês de dezembro de 2025. Reprodução/TV Globo Segundo a pesquisadora, o problema não se resolve apenas com a volta das chuvas porque as cidades não têm capacidade para lidar com um volume muito alto ao mesmo tempo. “Nós, infelizmente, não tivemos um preparo das cidades desde a última crise hídrica, que, na realidade, é uma crise de gestão hídrica”, afirmou. Marta Marcondes defende que os municípios invistam mais em planejamento urbano e adaptação às mudanças climáticas. “Nós temos que pensar hoje em como preparar as cidades e como torná-las resilientes. Uma cidade resiliente tem que ser preparada para receber grandes volumes de chuva e conseguir absorver essa água”, disse. Nível dos reservatórios de água em São Paulo é o pior desde a crise hídrica de 2015. Reprodução/TV Globo Sem água há dias Enquanto a chuva não vem, famílias enfrentam dificuldades diárias com o abastecimento. No Parque Otero, na região do Jardim Luís, moradores relatam que a água chega às torneiras com pressão muito baixa e não consegue encher as caixas d’água, mesmo em imóveis que possuem reservatórios. O bancário Ronaldo Gonçalves é proprietário de um imóvel onde vivem oito famílias e diz que o problema começou na semana passada. “A pressão é muito baixa. Então, na altura que nós estamos, ela não chega até aqui. As casas mais baixas, sim, abastecem, mas aqui não chega”, afirmou. Segundo ele, a última vez que as caixas ficaram cheias foi na segunda-feira da semana anterior. “Aqui nós temos idosos, crianças, mães, e o pessoal precisa tomar banho, precisa se higienizar, fazer as suas alimentações. E sem água não tem o que fazer”, disse. Situação semelhante ocorre a cerca de 10 quilômetros dali, no bairro Vila Gilda, também na Zona Sul. A dona de casa Tiane Morgado conta que a água até chega, mas com pressão insuficiente para encher a caixa, o que obriga a família a fazer escolhas ao longo do dia. “Dá para fazer o quê? No mínimo, a comida. Quando a gente faz, a água já acaba. O resto do dia a gente fica sem água para tomar banho, para limpar a casa”, relatou. População com as torneiras secas durante o dia é obrigada a armazenar água no enorme calor de São Paulo neste mês de dezembro. Reprodução/TV Globo Ela contou que, durante o Natal, a situação se agravou: “Dia 24 e dia 25 a gente ficou sem água. Tivemos que comprar água para poder cozinhar, porque não tinha nada na torneira, nada, nada, nem um pingo. Teve que gastar para fazer a nossa ceia de Natal”, disse. De acordo com dados oficiais, o Sistema Integrado Metropolitano, que reúne os principais mananciais responsáveis pelo abastecimento da capital e da Grande São Paulo, opera atualmente com 26,1% da capacidade, o menor índice registrado desde 2015. Todos os reservatórios do sistema apresentam níveis considerados críticos. Enquanto a normalização não acontece, moradores de áreas mais afetadas recorrem a soluções emergenciais. No condomínio onde vive Tiane, a alternativa tem sido comprar água. “Eu e praticamente toda a vizinhança aqui do condomínio tivemos que comprar galões de água”, afirmou. Consumo elevado e medidas emergenciais Aumento do consumo de água com o calor na Região Metropolitana de SP, segundo a Sabesp. Reprodução/TV Globo A Sabesp informou que, além do baixo nível das represas, o calor intenso dos últimos dias contribuiu para o aumento do consumo de água, o que pode ter impactado o abastecimento em alguns bairros. Segundo a companhia, uma das medidas imediatas foi ampliar a captação e a distribuição de água ao longo do dia. Alguns casos de falta d’água foram identificados e, para isso, a Sabesp fez várias ações, entre elas o aumento da sua produção. Passamos de 66 mil litros por segundo para 72 mil litros por segundo, um incremento da ordem de 9%, justamente para abastecer melhor as regiões mais distantes e mais altas. Ele acrescentou que, em situações emergenciais causadas por vazamentos ou manutenções, caminhões-pipa também são direcionados para minimizar os impactos. “Essas ações ajudam a suprir a população e reduzir o problema da falta de água”, disse. Gestão Tarcísio pede uso consciente A secretária da Semil, Natália Resende, durante evento do governo de SP em Santa Bárbara do Oeste, interior de SP, em 24/03/2025. Sérgio Barzaghi/Secom/GESP Diante do cenário desolador, o governo do estado reforçou o pedido para que a população adote hábitos de consumo mais conscientes. “É preciso ter um consumo mais racional, até por conta do cenário. A gente tem visto chuvas muito abaixo da média e temperaturas acima da média”, afirmou a secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende. Segundo a representante do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), apenas no mês de dezembro, o Sistema Cantareira registrou volume de chuva muito inferior à média histórica. “A média seria de 211 milímetros, e hoje a gente está entre 111 e 114 milímetros. É bem abaixo, além das temperaturas acima da média”, explicou. A secretária destacou que, assim como obras estruturantes e de um plano de redução de perdas, pequenas ações do dia a dia fazem diferença. “É importante não lavar calçada com mangueira, fechar a torneira ao escovar os dentes e tomar banhos mais curtos, de cinco minutos. Parece pequeno, mas faz muita diferença”, afirmou. De acordo com estimativas citadas por ela, lavar a calçada por 15 minutos pode consumir cerca de 279 litros de água. Só com pequenas mudanças, como fechar a torneira ao lavar a louça e reduzir o tempo do banho, a economia pode passar de 100 litros. Em um cenário de mudanças climáticas, isso é fundamental.