Trilheiros denunciam degradação em área de proteção ambiental no Cariri

Lagoinha do Belmonte perde volume de água e preocupa visitantes no Crato Reprodução A Lagoinha do Belmonte, localizada na encosta da Chapada do Araripe, no Crato, está secando, segundo frequentadores. Eles afirmam que a represa perdeu, pelo menos, metade do volume de água, o que já inviabiliza uma das trilhas mais visitadas desse município do sul do Ceará. Também conhecida como Açudinho ou Lago Gelado, a Lagoinha sempre atraiu visitantes, principalmente aos fins de semana. Para chegar ao ponto principal, trilheiros percorrem cerca de 3 km de caminhada, quase todo o trajeto à sombra, em meio a uma mata nativa cortada por córregos. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Mas o cenário que sempre chamou atenção pela conservação ambiental passou a provocar revolta. No dia de Natal, a reportagem do g1 acompanhou um grupo de jovens que já conhecia a trilha e decidiu retornar ao local. Logo nos primeiros metros do percurso, eles perceberam mudanças. “Aqui houve desmatamento. Antes, era uma trilha mais fechada. A mata agora está aberta. E a gente não via tantos canos captando água como vê hoje”, relatou a atriz Andecieli Martins, que já fez essa trilha outras vezes. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Os visitantes afirmam que o diferencial da Lagoinha do Belmonte sempre foi a preservação ambiental, que permite conhecer de perto a mata úmida, característica da Chapada do Araripe. Esse tipo de vegetação faz da região do Cariri um destaque nacional, uma espécie de oásis em pleno sertão nordestino — região de clima semiárido, predominantemente coberta pela caatinga, bioma cujas árvores perdem as folhas para resistir aos períodos prolongados de seca. Além do contato com a natureza, a trilha costumava terminar com um atrativo aguardado: o mergulho na água limpa e gelada da Lagoinha. Por estar localizada a mais de 600 metros de altitude, a qualidade da água era considerada melhor do que a de balneários situados a jusante, como a Cascata do Crato e o Parque Estadual do Sítio Fundão. Lagoinha do Belmonte em 2024, quando o nível da água era maior / Lagoinha do Belmonte em 2025, com o diminuição do nível da água. Initial plugin text Dessa vez, isso não foi possível. O nível da água caiu tanto que não ultrapassa a cintura de um adulto de 1,80m. A Lagoinha ganhou aspecto de barreiro — represamentos de beira de estrada —, e um peixe morto boiando indicava desequilíbrio ambiental. Imagens compartilhadas com a equipe de reportagem mostram como estava a Lagoinha em dezembro de 2024, há exatamente um ano. Na comparação com as fotos feitas no dia 25 de dezembro deste ano, a redução do volume é perceptível. Em uma fotografia, um tronco localizado do lado direito serve como marcação natural do antigo nível da represa. Para onde está indo a água da Lagoinha? Próximo à Lagoinha é possível observar canos instalados para captação da água; empresa afirma que o problema não está relacionado à captação. Reprodução Ao longo do caminho, é possível observar diversos canos instalados para captação. O de maior diâmetro pertence à SAAEC (Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato), empresa pública responsável pelo abastecimento, tratamento e distribuição no município. Procurada pela reportagem, a SAAEC informou que “a captação de água realizada no manancial conhecido como Lagoinha do Belmonte ocorre em total conformidade com os parâmetros estabelecidos na autorização legal, não ocasionando prejuízos à recarga natural do reservatório”. Sobre a redução do nível da água, a empresa afirmou que o problema “não está relacionado à operação de captação da SAAEC” e que o ocorrido teria sido provocado por “um ato de vandalismo, que resultou na quebra da barragem, comprometendo a retenção do volume de água”. A SAAEC não informou quando o vandalismo teria ocorrido, nem se houve registro policial ou ações de reparo na barragem até a última atualização desta reportagem. "Morte da trilha" anuncia algo pior? A reportagem do g1 conversou com mais de um guia turístico do Cariri, que há anos trabalham na Chapada do Araripe, levando pessoas que buscam conhecer áreas preservadas. Um desses profissionais, que preferiu não ser identificado, afirma que a Lagoinha do Belmonte faz parte de uma unidade de conservação federal: o Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Soldadinho-do-Araripe. Criada em decreto em 5 de junho de 2025, o Revis tem como principal objetivo proteger o habitat exclusivo do soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), ave que só existe no Cariri cearense e que é considerada uma espécie criticamente ameaçada de extinção. Outro guia, que é educador ambiental e também pediu para não ser identificado, acredita que a deterioração da Lagoinha é um sintoma da degradação que estaria acontecendo em outros pontos do território. "Trabalho diretamente com o turismo, recebendo visitantes que colocam a Chapada do Araripe na lista de viagens da vida. Muitos desses turistas já conheceram outras regiões do Brasil, como a Chapada Diamantina, na Bahia, a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e a Chapada das Mesas, no Maranhão. Todas elas oferecem abundância de água, seja para se refrescar durante ou após trilhas e passeios", afirma o guia, que prefere não ser identificado. Porém, no caso do Cariri cearense, a disponibilidade de água estaria caindo em comparação às outras Chapadas brasileiras. "Hoje, a Chapada do Araripe é uma das chapadas do Brasil com menor disponibilidade de água, e os poucos locais que ainda resistem estão se degradando pela falta de gestão adequada. Morei por três anos na Chapada Diamantina. E, embora lá também exista estiagem, a população local é muito mais engajada na defesa dos recursos hídricos. Há uma consciência coletiva sobre o uso indevido da água, um problema comum a todas as chapadas, mas que pode ser enfrentado com organização e educação ambiental", afirma o guia. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará