Porque 2025 foi o ano mais importante para a moda desde 1997

A mais recente temporada internacional de moda foi como um eclipse raro – um desses momentos que só acontecem quando múltiplos elementos entram em perfeita sintonia. Um total de 12 marcas de luxo tiveram estreias na direção criativa: Chanel, Dior, Balenciaga, Loewe, Maison Margiela, Mugler, Jean Paul Gaultier e Carven em Paris; Gucci, Versace, Bottega Veneta e Jil Sander em Milão. E até o fechamento desta matéria, surgiram mais mudanças: Maria Grazia Chiuri agora é diretora criativa da Fendi e Grace Wales Bonner assumiu a divisão masculina da Hermès. Chanel por Matthieu Blazy Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação O setor não via uma transformação tão profunda desde 1997, ano emblemático e que sacudiu a indústria da moda. Até meados dos anos 1990, muitas das grandes casas de luxo francesas estavam adormecidas – marcas tradicionais, com forte herança artesanal, mas paradas no tempo e sem apelo contemporâneo. Mugler por Miguel Castro Freitas Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação Foi nesse cenário que Bernard Arnault começou a construir a LVMH e, numa jogada de mestre, adquiriu marcas icônicas e reposicionou suas identidades através de direções criativas marcantes e ousadas. O ponto de virada veio em 1997, quando Arnault fez três contratações históricas que redefiniram o luxo moderno: trouxe John Galliano para Dior, Alexander McQueen para Givenchy e Marc Jacobs para Louis Vuitton (esta última passou de uma marca de malas artesanais para um símbolo da cultura pop). Versace por Dario Vitale Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação A partir desse momento, o diretor criativo virou celebridade, e o luxo passou a dialogar com o tempo presente. Alguns anos mais tarde, François-Henri Pinault iniciaria um movimento semelhante, adquirindo a Gucci e criando o Grupo PPR, hoje conhecido por Kering, arquirrival da LVMH. O fato é que, naquele 1997, surgiu uma geração revolucionária de estilistas que mudaria a história da moda. Além de Galliano, Jacobs e McQueen, ainda tivemos a entrada de Nicolas Ghesquière na Balenciaga, Stella McCartney na Chloé, Michael Kors na Celine e Alber Elbaz na Guy Laroche. Foi também o ano em que a multimarcas francesa Colette foi lançada, um espaço que redefiniu o varejo de moda ao misturar roupas, música, arte, design e tecnologia, além de inaugurar o conceito moderno de concept store. O ano foi um marco que a Vogue Paris descreveu à época como “o choque que Paris precisava” para reforçar seu protagonismo global. Gucci por Demna Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação “O final da década de 1990 também foi muito marcante porque não foi só final de década, mas final de século e de milênio”, lembra o professor de história da moda João Braga. “As expectativas eram muito grandes numa série de questões e, com isso, novas esperanças e possibilidades de um mundo novo também surgiam.” Acabou sendo um período que redefiniu a estética e o poder econômico da indústria, um ciclo de transformações profundas e muita criatividade, que fomentou o terreno para os próximos anos. Dior por Jonathan Anderson Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação Revistas Newsletter Estamos vivendo um novo 1997? A quantidade de estreias em marcas importantes parece um paralelo, mas lá atrás era uma geração de novos nomes visionários entrando em cena. Hoje, o cenário é muito mais desafiador: um mundo hiperconectado, atravessado por guerras, extremismos, crises climáticas e econômicas, além dos resquícios de uma pandemia que remodelou nossos hábitos e prioridades. O mundo de 2025 é outro. Se antes a transformação partia de poucos criadores geniais, hoje ela emerge de um sistema global que responde em tempo real à cultura e ao comportamento. A moda continua sendo um termômetro do mundo – mas, agora, fazer parte da cultura pesa tanto quanto vender. Uma marca que tem apenas sucesso comercial não tem relevância cultural e logo deixará de participar das conversas. Marc Jacobs em seu desfile de estreia na Louis Vuitton, em 1997 Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação No epicentro desta nova era, Demna desponta novamente como agente de ruptura. Depois de transformar a Balenciaga estética e culturalmente, ele estreou na Gucci com um formato inédito: um lookbook digital seguido de um curta-metragem dirigido por Spike Jonze e estrelado por Demi Moore e Edward Norton. Em vez de convidar para um desfile, a Gucci fez chamado para uma pré-estreia de cinema. Para João Braga, é natural que o setor viva ciclos de atualizações: “Moda significa mudança, então há sempre transformações acontecendo– seja na questão conceitual ou nas roupas. E essas transições são necessárias para a renovação das marcas. O que impressiona agora é o volume: são muitas variações ao mesmo tempo”. Ainda assim, ele pondera que o termo “disruptivo” pode estar sendo usado com certo exagero. “A disrupção é uma mudança radical de paradigma, e não sei até que ponto isso é o que estamos vivendo”, diz. “O que vi foram estilistas se adaptando aos tempos.” John Galliano com modelos ao final do desfile de alta-costura de verão 1997 da Dior Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação Segundo Costanza Pascolato, o cenário de instabilidade global – com guerras, polarização política e os resquícios da desaceleração econômica da pandemia – empurrou o luxo para um estado de urgência. Somam-se a isso a explosão do e-commerce, que tirou as pessoas da experiência de rua em troca de comodidade, e as redes sociais, que transformaram a moda em um grande fórum público, onde todos têm voz, opinião e poder de julgamento. O que antes era um espaço reservado a especialistas e insiders tornou-se uma arena democrática e ruidosa – capaz de consagrar ou cancelar uma coleção (ou uma pessoa) em questão de minutos. Isso sim é disruptivo. E a indústria sentiu. Look da coleção de verão 1999 da Balenciaga, por Nicolas Ghesquière e Kate Moss na coleção de estreia de Stella McCartney para a Chloé Acielle/Style Du Monde, Launchmetrics Spotlight, Getty Images e Divulgação “O segmento estava desesperado, sem saber o que fazer.Equando isso acontece, a primeira reação é mudar o design”, diz Costanza. Asensação é de que, após um período de conservadorismo e medo de arriscar, a indústria voltou a respirar através da criatividade e da inovação – ainda que em meio ao caos. A Chanel talvez tenha sido a marca que mais abraçou uma mudança de tom, com a estreia do belga Matthieu Blazy. A maison sempre foi sinônimo de perfeição – desfiles grandiosos, cenografias monumentais, coleções impecáveis. Mas sob a direção de Blazy, havia algo de diferente no ar, aquecido por uma emoção genuína. O trabalho primoroso continuava lá, mas acompanhado por um sentimento humano, um calor que atravessou o rigor e tornou tudo mais próximo, mais vivo. “O segmento estava desesperado, sem saber o que fazer. E quando isso acontece, a primeira reação é mudar o design”, diz Costanza. A sensação é de que, após um período de conservadorismo e medo de arriscar, a indústria voltou a respirar através da criatividade e da inovação – ainda que em meio ao caos. A Chanel talvez tenha sido a marca que mais abraçou uma mudança de tom, com a estreia do belga Matthieu Blazy. A maison sempre foi sinônimo de perfeição – desfiles grandiosos, cenografias monumentais, coleções impecáveis. Mas sob a direção de Blazy, havia algo de diferente no ar, aquecido por uma emoção genuína. O trabalho primoroso continuava lá, mas acompanhado por um sentimento humano, um calor que atravessou o rigor e tornou tudo mais próximo, mais vivo. A empresária Natalie Klein, fundadora da NKStore, observa que a reinvenção que estamos vivendo também é uma resposta ao consumidor. “Com um público cada vez mais informado, é muito mais difícil criar experiências e surpreender”, diz. “Muitas empresas sucumbem pois não estão conseguindo entender e atender à expectativa de clientes. Hoje, saber tudo sobre o seu cliente é obrigatório; antecipar seu desejo é um mantra. Oferecer mais do que o esperado é o que transforma uma empresa em uma Empresa com ‘E’ maiúsculo”, afirma. Ainda assim, há um dinamismo na moda que poucos conseguem acompanhar e manter o espírito de cool hunting ativo. “A beleza e o segredo das boas multimarcas é isso, a edição do que realmente é o mais legal para o momento. E as grandes marcas percebem o efeito benéfico de estar em uma boa seleção dentro de uma loja. A Dover Street Market é uma prova disso”, diz Natalie. A temporada que passou foi, portanto, um divisor de águas. Como em 1997, a moda volta a se reinventar em meio à incerteza, mas em um contexto muito mais turbulento. O impulso criativo já não nasce só da beleza, mas da urgência de reconectar estética, propósito e cultura em uma mesma conversa, respondendo a um público mais consciente, informado e exigente. O próximo capítulo ainda está sendo escrito, mas uma coisa é certa: o luxo voltou a sonhar grande.