Sete pessoas foram internadas por suspeita de intoxicação por ingestão de bebida com metanol na Bahia. Cinco pacientes estão no Hospital Geral Santa Tereza em Ribeira do Pombal, município onde ocorreu a ingestão, e os outros dois foram encaminhados para o Instituto Couto Maia, em Salvador. Amostras de sangue foram coletadas e enviadas ao Laboratório do Departamento de Polícia Técnica (DPT), também na capital baiana. Uma das vítimas está intubada em estado grave. Segundo a Secretaria de Saúde da Bahia, os exames laboratoriais ainda vão definir se de fato houve intoxicação por metanol. As garrafas apreendidas também foram encaminhadas para análise no Laboratório Central de Polícia Técnica do estado. No início deste mês, o Ministério da Saúde decidiu encerrar a Sala de Situação criada em outubro para monitorar o surto de intoxicação por metanol que se espalhou principalmente no estado de São Paulo e afetou 73 pessoas entre setembro e dezembro, incluindo 22 mortes. O que é o metanol? O metanol é um álcool com estrutura química parecida com a do etanol, que é aquele utilizado nas bebidas alcoólicas. No entanto, o metanol não é seguro para consumo humano, sendo destinado apenas a aplicações industriais e laboratoriais, explica Julio Cesar Macedo, patologista clínico e médico do DB Diagnósticos: — É um importante insumo da indústria química usado para sintetizar produtos químicos, como formaldeído, ácido acético, solventes, pisos, além de tintas, removedores de verniz, plásticos e tecidos revestidos.Também é importante como combustível automotivo, usado na produção do biodiesel, por exemplo. Mas é altamente tóxico para o organismo. Initial plugin text Veja os efeitos da intoxicação Metanol x Etanol Isso porque, enquanto o etanol é metabolizado no fígado em acetaldeído e depois em acetato, que são menos tóxicos e liberados para fora do corpo por meio da urina, o metanol é quebrado em formaldeído e, depois, em ácido fórmico. Esse último é o subproduto altamente nocivo para o organismo. — O ácido fórmico faz uma cetoacidose (desequilíbrio grave do pH sanguíneo) nos tecidos, fazendo com que haja falta de oxigenação e perda das funções metabólicas de energia das células, levando o tecido a acabar morrendo — conta Leonardo André Silvani, biomédico especialista em Patologia e Toxicologia. Além disso, o ácido fórmico se liga a uma enzima chamada citocromo c oxidase dentro das células, bloqueando a sua ação, que é de fornecer energia a elas. Dessa forma, leva à perda das funções metabólicas das células, que acabam morrendo. Como o metanol age no corpo? De início, os primeiros tecidos atingidos são os do trato gastrointestinal e do sistema nervoso central. De acordo com a Secretaria de Saúde de São Paulo (SES-SP), os sintomas iniciais, de até 6 horas após a ingestão, são dor abdominal intensa, sonolência, falta de coordenação, tontura, náuseas, vômitos, dor de cabeça, confusão mental, taquicardia e pressão arterial baixa. Essas queixas podem ser semelhantes a uma embriaguez normal. No entanto, o mal-estar continua e, logo em seguida, o tecido ocular vira um dos principais alvos do ácido fórmico, diz Diego Rissi, perito legista e toxicologista na Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Saúde Pública na Fiocruz: — O ácido fórmico também tem uma toxicidade seletiva pelo nervo óptico, o que causa a cegueira. Por isso, um dos sintomas característicos da intoxicação é a perda gradual da visão, começando a ficar borrada e brilhante, até a cegueira completa. Sintomas de intoxicação por metanol Entre 6 horas e 24 horas, os sintomas podem evoluir para visão turva ou embaçada, fotofobia, pupilas dilatadas, perda da visão das cores, convulsões, coma e acidose metabólica grave. O quadro pode se agravar e chegar a casos de cegueira irreversível, choque, pancreatite, insuficiência renal, necrose de gânglios da base com tremor, rigidez, lentidão dos movimentos e morte. — O acúmulo de ácido fórmico no sangue provoca uma acidose metabólica severa, comprometendo órgãos vitais como rins, coração e pulmões, podendo evoluir para falência múltipla de órgãos e morte se não houver tratamento rápido — explica Raphael Garcia, professor no setor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São paulo (Unifesp). Estudos internacionais apontam que entre 30% e 40% dos sobreviventes de intoxicações graves por metanol desenvolvem algum grau de perda de visão. Apenas 10 ml já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto. Como o metanol entra na bebida? Siddhartha Giese, analista químico do Conselho Federal da Química (CFQ), explica que o metanol pode aparecer em bebidas alcoólicas de duas formas: — Quando há fraude e adulteração, com alguém tentando reduzir custos ao substituir o álcool próprio para consumo (o etanol) por metanol, ou acidentalmente por erros em processos de destilação, quando partes da bebida que contêm metanol não são corretamente separadas, o que acontece principalmente em destilados produzidos de forma clandestina. Segundo o Médico Sem Fronteiras (MSF), que monitora o cenário de intoxicação por metanol pelo mundo, surtos como o atual em São Paulo são geralmente ligados à adição do composto deliberadamente em bebidas adulteradas para reduzir custos, já que ele é mais barato que o etanol. O cenário é especialmente alarmante considerando que 21% do consumo de álcool no mundo é proveniente de fontes ilegais, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o monitoramento do MSF, milhares de pessoas são envenenadas por metanol todos os anos, e a taxa de mortalidade em um surto costuma ser de 20% a 40%. Desde 1998, o levantamento registrou 40,1 mil afetados e 14,3 mil óbitos ligados à intoxicação por metanol. Tratamento para intoxicação por metanol Quando o serviço de saúde é buscado de forma rápida, é possível reverter a intoxicação. O primeiro passo é frear a metabolização do metanol em ácido fórmico. Um dos antídotos para isso, curiosamente, é o próprio etanol, explica Rissi: — Sim, é o curioso, mas o etanol (álcool etílico) pode ser administrado intravenoso como antídoto pois compete com a mesma enzima que metaboliza o metanol, porém com uma afinidade cerca de 50 vezes maior, reduzindo assim a formação dos metabólitos tóxicos pelo metanol. Mas é importante ressaltar que, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar imediatamente atendimento médico e relatar a suspeita para a equipe. O etanol farmacêutico tem o uso restrito aos 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) do Brasil, que oferecem suporte para diagnóstico, manejo de intoxicações, toxicovigilância e gestão de risco químico pelo SUS. Em São Paulo, há 9 centros disponíveis. Outro antídoto muito usado para intoxicação por metanol é o fomepizol, mas ele não está disponível no país, diz Garcia: — Ele bloqueia diretamente a ação dessa enzima que quebra o metanol, também evitando a formação de formaldeído e ácido fórmico, os verdadeiros responsáveis pelos danos à visão e ao sistema nervoso. Mas, no Brasil, o acesso ao fomepizol ainda é limitado. Embora seja o tratamento de escolha em muitos países, ele não está amplamente disponível por aqui. Isso porque o fomepizol não tem registro no Brasil. Porém, o Ministério da Saúde e a Anvisa receberam lotes do medicamento via Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) de forma extraordinária devido ao surto no país. Além dos antídotos, há outras medidas que fazem parte do tratamento, a depender da gravidade do quadro e do tempo transcorrido desde a ingestão do metanol. Garcia explica, por exemplo, que, quando o ácido fórmico já está muito presente no corpo, é indicado fazer a hemodiálise, filtragem do sangue fora do corpo, por uma máquina, capaz de remover tanto o metanol quanto seus metabólitos. — Também podem ser necessárias intervenções médicas para suporte da vida, como ventilação forçada, intubação e reanimação cardiopulmonar — complementa Rissi. Silvani acrescenta que pode ser administrado bicarbonato de sódio ao paciente para conter a acidose devido ao acúmulo de ácido fórmico no corpo: — Lembrando que todo esse tratamento deve ocorrer em ambientes de média a alta complexidade hospitalar. Initial plugin text