Especialista dá conselhos chave para ‘ganhar’ uma conversa difícil

Para um eventual primeiro encontro, podemos passar um bom tempo nos perguntando para onde ir, qual restaurante ou bar escolher ou que roupa vestir. No entanto, é provável que dediquemos menos energia a planejar uma variável central: a conversa que vamos ter ali. E, uma vez nessa dança, cometemos todo tipo de erro: pouca escuta empática, “perguntas bumerangue” (aquelas feitas de propósito para introduzir um tema que desvie a atenção para nós mesmos), falta de leveza e de humor casual para gerar situações mais confortáveis. O custo desses erros e da falta de planejamento se multiplica nas chamadas “conversas difíceis”: aquelas que evitamos ou procrastinamos, nas quais entram em jogo fatores emocionais intensos, seja com alguém da família, um chefe ou colega de trabalho, um sócio ou cliente, ou qualquer outra situação em que sentimos que há muito em jogo e temos medo de correr riscos. — Essa ruminação infinita em que entramos por não termos essas conversas tem um custo que costumamos subestimar sobre o nosso bem-estar — conta Nicolás José Isola, que se dedica a esse tema há anos. Isola é filósofo, tem doutorado, já foi consultor da Unesco e trabalha como coach executivo e consultor em temas de storytelling, conversas difíceis e feedback para multinacionais ao redor do mundo. Atualmente, vive com a família em Barcelona. Por que somos tão ruins para encarar conversas difíceis? Temos muito medo de não sermos amados. Temos muito medo de que não gostem de nós. O olhar do outro sobre nós nos perturba, então evitamos encarar conversas nas quais eu possa sentir que perco: perco afeto, perco relação ou perco dinheiro. Conversar é um risco, e esse risco encarna um perigo. Se você tivesse que identificar três erros comuns nesse campo, quais seriam? Em primeiro lugar, a falta de preparação. As pessoas querem se livrar das conversas difíceis, então tendem a tê-las com certa impulsividade: querem que termine antes mesmo de começar. Não se preparar é terrível porque não é apenas uma falta de foco da minha posição e de seus matizes, mas também dar vantagem à outra parte para ser mais inteligente do que nós ao pensar variáveis que poderíamos ter previsto e não previmos por não nos prepararmos. Em segundo lugar, não escutar o outro. Não ter pensado que o ponto do outro muitas vezes tem solidez e argumentação que precisam ser consideradas e digeridas se quero tirar proveito do que desejo. Mas escutar profundamente — não apenas ouvir — durante a conversa é algo crucial para entender os interstícios do que o outro está precisando. Às vezes, uma careta, um gesto corporal está dizendo que a outra pessoa está aberta a mudar sua posição, mas isso só alguém conectado com aquele momento percebe. O autoconhecimento é crucial, mas também a contemplação dos outros. O terceiro erro é a falta de coesão narrativa. Por isso, para mim, storytelling e conversas difíceis são duas coisas interligadas. Se o que venho propor não se sustenta em uma argumentação clara, sólida e consistente, então me torno meu pior inimigo. Pedir um aumento apenas porque eu mereço pode funcionar, mas não é o melhor argumento. Há muitas outras coisas interligadas que podem ser ditas sobre esse merecimento. Toda conversa difícil é uma dança, e nessa dança há técnica e criatividade. A narrativa é o chão sobre o qual você pode dançar: implica técnica, mas também um espaço que permite se mover com liberdade. Planejamos um monte de coisas para uma reunião, mas muito pouco sobre a estratégia da conversa. Por quê? É incrível. Há gente que me diz: “Vou dizer isso ao meu chefe amanhã”. Ótimo, respondo: “E quais são as cinco coisas que ele pode te dizer?”. Eles costumam ficar rodando. Não pensam no que o outro pode responder. O mesmo acontece nos relacionamentos: se você parar para pensar, sabe perfeitamente o que o outro pode dizer, porque os seres humanos em geral se repetem. Ter uma estratégia de conversa não é manipular o outro, é estar preparado para uma dinâmica. É ter não um mapa, mas dez mapas do que pode acontecer. Aqui a sociologia dos campos ajuda muito: se você se move, me obriga a fazer algo; seu movimento costuma condicionar a minha ação. Portanto, se eu reflito sobre seus possíveis movimentos, posso repensar os meus. Ir a uma conversa difícil sem estratégia é um suicídio. E milhões de pessoas fazem isso. Caem do penhasco. O que é preciso levar em conta obrigatoriamente nesse planejamento? Primeiro, o que eu quero e o que eu não quero, mas de modo profundo: as primeiras respostas geralmente não servem. É preciso dar um duplo clique interno e meditar sobre isso. Segundo, o que estou disposto a ceder e o que quero sentir sobre mim mesmo ao terminar essa conversa. Digo isso porque um clássico do pós-conversa difícil é: “Me sinto um idiota porque não disse” ou “Não acredito que não soube responder”. Essa sensação de raiva de si mesmo é, em 90% dos casos, evitável se a pessoa pensa com mais calma, porque se preparou e porque está escutando a partir do seu centro. Por isso, nunca se deve conversar com pressa, e é preciso planejar o espaço, a quantidade e a qualidade do tempo da conversa. O contexto é absolutamente chave para que a conversa seja fecunda. Somos animais sociais: os contextos nos determinam a reagir. Muitas conversas dão errado porque nenhuma das partes gerou um espaço real de encontro. Qual é o custo da ruminação pré-conversas difíceis para o bem-estar? Alto. A história que contamos a nós mesmos sobre a conversa que temos que ter pode jogar contra nós, porque construímos cenários apocalípticos. O problema é quando isso se torna inibitório. É importante pensar no que pode dar errado e revisar os piores cenários; o grave é que isso nos leve à inação e nos paralise. Se você se prepara e tem uma estratégia, essa ruminação negativa diminui. Eu recomendo amadurecer essa estratégia por alguns dias, deixá-la “descansar”, fermentar com o tempo. Aceitar as sensações que vêm, reconhecê-las. É melhor sentir nervosismo antes do que senti-lo pela primeira vez durante a conversa. Uma conversa difícil é como um caleidoscópio: vai mudando à medida que vamos pensando nela. Ajuda meditar e ter autoconsciência corporal antes e durante essas situações? Absolutamente. O registro do próprio corpo em uma conversa difícil é crucial. Precisamos processar previamente as sensações e ter consciência do que nos acontece com elas. Muitas vezes somos seres reativos ao que acontece no corpo: se eu não passo antes minha angústia ou minha raiva pelo corpo, então, quando falar com você e sentir angústia ou raiva, estarei condicionado por neurotransmissores que já foram acionados em mim e aos quais é mais difícil dizer não: eles estão operando em mim. Pedem que eu lute ou fuja. A meditação e a autoconsciência corporal são ferramentas cruciais do autoconhecimento, e uma conversa difícil com alguém que não se conhece é algo insuportável. É melhor ser quem convoca uma conversa difícil ou deixar-se convocar? O melhor é não ser pego de surpresa. Há pessoas que convocam em cima da hora como ferramenta de poder. Em geral, recomendo ser quem convoca, porque isso coloca a pessoa como agente central do que vai acontecer: há desejo, busca de encontro, há certa responsabilidade e coragem. Algum viés que você considere particularmente pernicioso nessas situações? O viés muito comum de quem acha que é muito bom negociando. Toda vez que tenho uma conversa difícil, parto do pressuposto de que não sei nada sobre isso. Não é falsa humildade. É pensar: “Vou fazer isso com espírito de explorador, como se fosse a primeira vez”. Esse espírito aberto permite escutar como novidade aquilo que, para você, não é novidade. Porque o grande problema das conversas difíceis familiares é: “Já sei o que você vai dizer”. Essa ideia de “eu te conheço, já sei tudo o que você é” é um grande impedimento, porque no fundo é um convite ao solilóquio, a um monólogo: se já sei quem você é e o que você diz, não preciso de você; posso conversar sozinho por nós dois. Você vê pontos cegos mais típicos da alta direção e dos líderes nesse tema? É um déficit enorme. Há conselhos de executivos multimilionários que não têm nem querem ter conversas difíceis. Como coach executivo, vejo CEOs tremendo de medo antes de fazer pedidos aos donos. Um aspecto crucial da senioridade de um alto dirigente é dar e receber feedback com frequência, e fazê-lo em tempo real. Vivemos uma era em que muitos executivos têm medo de dizer as coisas e de ouvi-las. Mas chegaram onde chegaram para dizê-las e ouvi-las. Não se trata, de forma alguma, de fazer micromanagement, mas de entender que o mundo empresarial é um mundo de alto desempenho e que, se queremos crescer, precisamos melhorar todos os dias. Se um executivo quer ser excelente, precisa desse feedback e desse coaching para extrair água das pedras. A conversa mais difícil é sempre consigo mesmo.