Com panelas e baldes nas mãos, uma multidão de palestinos desesperados precipitou-se neste sábado para conseguir arroz em um refeitório social de Gaza, um dia após a ONU declarar que há fome no território, devastado pelo conflito com Israel. As imagens da AFP da maior cidade do território palestino, que Israel planeja tomar como parte da intensificação de sua ofensiva militar, mostram mulheres e crianças em meio ao caos, com dezenas de pessoas se empurrando e gritando para conseguir comida. Investigação: Números da inteligência de Israel apontam que 83% dos mortos na Faixa de Gaza são civis Pela primeira vez: ONU confirma fome na Cidade de Gaza e regiões vizinhas, com 500 mil pessoas em 'condições catastróficas' Uma criança raspou com as mãos alguns grãos que restavam em uma panela. — Não temos casa, nem comida, nem renda (...), então somos obrigados a recorrer aos refeitórios sociais, mas eles não matam nossa fome — disse Yusef Hamad, 58 anos, deslocado da cidade de Beit Hanun. Mais ao sul, em um refeitório social de Deir al-Balah, Um Mohamad, 34 anos, disse que a declaração de fome feita pela ONU chegou "tarde demais". Cerco de Israel: Exército israelense começa ofensiva para conquistar a Cidade de Gaza e ampliar controle sobre o enclave Pessoas viajam em cima de um veículo rebocando uma carroça, ambos carregados com sacolas de ajuda humanitária recebidas em um centro de distribuição administrado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada pelos EUA e por Israel Eyad BABA / AFP A Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC), uma autoridade no tema apoiada pela ONU, informou na sexta-feira que a fome afeta 500 mil pessoas na governadoria de Gaza, uma área que abrange cerca de 20% do território palestino. As crianças "cambaleiam por conta da tontura, incapazes de ficar despertas devido à falta de comida e água", descreveu. O Escritório de Assuntos Humanitários da ONU afirmou que a fome "poderia ter sido evitada" sem "a obstrução sistemática por Israel" da ajuda ao longo dos mais de 22 meses de guerra. Imprensa ameaçada: Mortes de jornalistas no conflito em Gaza são quase três vezes maiores do que nas duas Guerras Mundiais somadas 'Dever moral' O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rejeitou o relatório, que chamou de "mentira descarada". O chefe da agência da ONU para refugiados palestinos, UNRWA, declarou neste sábado que "é hora de o governo de Israel parar de negar a fome que criou em Gaza". "Todos aqueles que têm influência devem usá-la com determinação e senso de dever moral", publicou no X o diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini. Leia também: Palestinos fogem de ofensiva de Israel na Cidade de Gaza enquanto desnutrição e mortes aumentam no enclave A IPC previu que a fome se espalhará para as áreas de Deir al-Balah e Khan Younis até o fim de setembro, abrangendo cerca de dois terços da Faixa de Gaza. Enquanto isso, Israel continua bombardeando o território palestino. Imagens da AFP mostraram neste sábado uma densa coluna de fumaça sobre o bairro de Zeitoun, em Gaza. 'Fim está próximo' O porta-voz da Defesa Civil de Gaza, Mahmud Basal, descreveu a situação nos bairros de al-Sabra e Zeitoun como "absolutamente catastrófica", e destacou a "destruição de complexos residenciais inteiros". Ahmad Yundiyeh, 35 anos, deslocado para os arredores do norte de Zeitoun, disse que está preso e que vive com medo. Fome generalizada: ONU aponta insuficiência de suprimentos em Gaza enquanto Israel avalia proposta de cessar-fogo — Não há segurança em nenhum lugar de Gaza. Deslocar-se agora é sinônimo de morte. Ouvimos constantemente o som de bombardeios (...) ouvimos aviões de combate, artilharia e até explosões de drones — relatou à AFP por telefone. — Estamos com muito medo, parece que o fim está próximo. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, prometeu destruir Gaza se o movimento islamista palestino Hamas não aceitar se desarmar, libertar todos os reféns e pôr fim ao conflito nos termos de Israel. O ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, que desencadeou o conflito atual, causou a morte de 1.219 pessoas, a maioria civis, segundo levantamento da AFP baseado em números oficiais. As represálias israelenses na Faixa de Gaza já deixaram 62.622 mortos, a maior parte civis, de acordo com números do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza — governada pelo Hamas —, que a ONU considera confiáveis.