Era fim de tarde quando sete amigas argentinas, recém-chegadas de Buenos Aires, decidiram brindar as férias no Rio com uma caipirinha na Praia de Copacabana. Mas a descontração virou dor de cabeça. O extrato bancário mostrou que a cobrança pela bebida foi 50 vezes acima do anunciado. O caso não é isolado. Multiplicam-se relatos de visitantes que levam, na bagagem de volta, episódios de preços abusivos, golpes e outros crimes nas praias cariocas. Hostilidade que tem levado frequentadores da orla e autoridades a debaterem saídas, que vão da simples orientação aos viajantes ao uso de tecnologia para garantir a segurança nas areias e nos calçadões. Veranico: cariocas e turistas lotam praias da Zona Sul em dia mais quente do mês, com 36,2ºC Vapes ou pods: venda proibida de cigarros eletrônicos dispara na Zona Sul do Rio; Procon, Sedcon e PM apreendem mais de 100 em um único dia — Paguei a bebida e, pouco depois, vi que tinham feito uma compra de R$ 1 mil no meu cartão — conta a argentina Gisele Ganduglia, uma das vítimas da caipirinha superfaturada em Copacabana. Situações como esta ocorrem quando o turismo no Rio está em alta. O estado registrou, no primeiro semestre, o maior número de visitantes estrangeiros dos últimos dez anos para o período: 1,32 milhão, aponta a Embratur, 52,5% a mais que os 868,3 mil dos primeiros seis meses de 2024. Argentina, Chile, EUA, Uruguai e França são os países de origem mais recorrentes. Ontem, muitos desses turistas se misturaram aos locais para aproveitar o sábado de veranico com temperatura máxima de 36,2C, segundo os registros do Alerta Rio, e praias lotadas em pleno inverno na capital fluminense. E tiveram de redobrar os cuidados para não serem lesados. Estatuto ignorado Em maio deste ano, a prefeitura chegou a publicar um decreto com regras de convivência na orla. As normas impedem as “abordagens insistentes, constrangedoras ou inadequadas para cooptar clientes”, a venda de alimentos em palitos (churrasquinho, camarão e queijo coalho), além de churrasqueira ou fogareiros: tudo o que se vê, no entanto, a cada metro de areia. Vítimas. Família do Maranhão é cercada por ambulantes: R$ 45 por um queijo coalho e R$ 20 pelo copo de mate Gabriel de Paiva Há dez dias, na Praia do Arpoador, irregularidades assim pesaram no bolso de uma família do Maranhão. Logo que começaram a caminhar perto da água, eles foram abordados por vendedores insistentes de mate, queijo coalho e milho. Pagaram R$ 20 no copo de bebida e R$ 45 no queijo. — A gente não sabia que o espetinho custava uns R$ 15. Ficamos sem graça e, depois, descobrimos que tínhamos sido enganados — desabafou a estudante Laura Cunha. Além da cobrança abusiva, turistas — como as argentinas em Copacabana — têm sido vítimas do “golpe da maquininha”, quando o ambulante digita um valor mais alto no equipamento que, convenientemente, está com o visor quebrado. Na última quarta-feira, duas italianas pagaram R$ 3,1 mil em um maço de cigarros no Arpoador. No mesmo dia, um vendedor de caipirinha cobrou mais de R$ 2 mil de colombianas em Copacabana. Já no último mês de maio, no Rio para ver o show de Lady Gaga, a canadense Charlotte Leblanc e o marido, Noah Leblanc, foram vítimas de um falso vendedor de passeios que cobrou R$ 1 mil por um pacote para Angra dos Reis. Ele oferecia a atração no calçadão de Copacabana. — Pagamos e combinamos de nos encontrar no dia seguinte. Mas ele nunca mais atendeu o telefone. A gente vem para se encantar e não para ficar com medo a cada abordagem — reclamou Charlotte. Há ainda crimes que põem em risco a vida dos visitantes. No último dia 8, dois ingleses caíram no golpe “boa noite, Cinderela”. Foram dopados por três mulheres e tiveram objetos roubados por elas, em Ipanema, num caso de repercussão internacional. Embora a orla tenha se tornado área fértil para golpistas, nem sempre os crimes chegam à Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat). Para piorar, os golpistas estariam atuando nas praias lado a lado com traficantes. Fonte ligada à Polícia Civil afirma que integrantes do Comando Vermelho estão instalados na orla da Zona Sul, o que foi confirmado ao GLOBO por várias pessoas que tiram honestamente seu sustento da praia. Na semana passada, a equipe do jornal flagrou, inclusive, homens oferecendo drogas a visitantes no calçadão de Ipanema, na altura da Rua Joana Angélica. — O tráfico tomou conta da praia. Vendem droga aqui. Por isso, eles (criminosos) proibiram o roubo. E o boato é que os golpistas são “fechados” com os bandidos — contou uma trabalhadora da orla em Ipanema. De 2014 para cá, o número de furtos nas praias da capital despencou 70%: de 4.163 para 1.209 em 2024. Os roubos também caíram: de 507 para 162, uma queda de 68%. Por outro lado, no mesmo período, os estelionatos saltaram de três casos para 80. Os dados são do Instituto de Segurança Pública. Um plano de policiamento do 19º BPM (Copacabana), de março de 2025, aponta, porém, que a grande circulação de moedas estrangeiras, câmeras e celulares continua estimulando roubos e furtos na orla. O planejamento reconhece ainda que o tráfico e o consumo de entorpecentes se concentram na areia, na Avenida Atlântica e nas comunidades do entorno. Soluções sugeridas Frequentadora da Praia de Copacabana, a professora Ana Clara Félix, que já viu um vendedor cobrar R$ 200 por dois queijos coalhos de um estrangeiro, diz que é preciso ter fiscalização: — O básico bem feito, às vezes, é a superinovação. Alfredo Lopes, presidente do HotéisRIO, conta que os hotéis têm orientado turistas a conferirem o valor da compra no visor das maquininhas de cartão e a evitarem digitar a senha à vista de terceiros. — Esse tipo de crime é muito ruim para a imagem da cidade — diz ele. A barraqueira Aldenice Conceição, de 78 anos, há 51 no Posto 9, em Ipanema, faz sua parte. Sempre diz aos clientes para não deixarem pertences com estranhos: — Também orientamos a tomarem cuidado ao sair com cartões, celular e dinheiro. Tem muita gente boa na praia, mas também muita gente mal intencionada. Para Horácio Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, a solução seria recadastrar os ambulantes, que deveriam usar colete e crachá, para “separar o joio do trigo”. Secretário municipal de Ordem Pública, Marcus Belchior, argumenta que os vendedores nas praias são cadastrados e precisam portar a licença municipal. Na opinião dele, a solução seria a instalação de câmeras voltadas para a areia e vistorias por drone. Somadas as equipes da Guarda Municipal e da Seop, cerca de dois mil agentes atuam nas praias. — Para melhorar nossa fiscalização, temos que investir muito em tecnologia. Por mais que um agente fiscalize determinado indivíduo, quando ele estiver a cem metros de distância, pode ser que o ambulante volte (a cometer irregularidades) — diz Belchior. — Não dá para ter um agente por pessoa na cidade. Na orla carioca, há 1.265 barracas, 309 quiosques e 808 ambulantes licenciados. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, práticas que envolvam ameaça, coação ou informações falsas, que exponham o cliente ao ridículo ou interfiram em seu lazer, são crimes de consumo, com pena de detenção de três meses a um ano. Denúncias de cobranças abusivas podem ser feitas pela central 151. Já em casos em que o vendedor informa um valor, mas, na hora do pagamento, cobra a mais, se configura crime de estelionato, com pena de reclusão de até cinco anos, além de multa. A ocorrência deve ser registrada em uma delegacia. A Polícia Civil informa que investiga grupos criminosos na orla em conjunto com a PM. Os batalhões de Copacabana e Leblon afirmam que têm intensificado o patrulhamento e que, em junho, prenderam 13 suspeitos de aplicar golpes em turistas.