Em última entrevista ao GLOBO, Jaguar relembrou amizades, boemia e carreira: 'Foi uma vidinha boa'

Em sua última entrevista ao jornal O GLOBO, o cartunista Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar, que morreu neste domingo, aos 93 anos, revisitou sua vida. Em meio a memórias sobre mesas de bares cheias e rotinas diárias que começavam às 22h, falou sobre como interpretava o peso de ser quase centenário: — Acho muita coisa, viu? — afirmou antes de soltar uma gargalhada. Jaguar foi ouvido no mês passado para um ensaio fotográfico da revista ELA dedicado a quase centenários, por ocasião da comemoração dos 100 anos do GLOBO. Abaixo, leia trechos da entrevista: Como é ter quase um século de vida? O que o senhor destacaria dessa trajetória? Eu acho muita coisa, viu? Quarenta anos tava bom (risos). Qual o papel da boemia na sua vida? Foi uma coisa muito importante? Eu acordava às 21h, começava meu dia às 22h. E ia dormir de manhã só. Tinha vários grupos (de amigos). Eu tinha um problema com família: não gostava dela. E eu adoro beber, né? Fui alcoólatra (Jaguar parou de no início dos anos 2010, após ser diagnosticado com tumor no fígado). A amizade, então, deve ter sido uma coisa muito importante para o senhor. Tínhamos um grupo muito ligado. Nos víamos diariamente no Cobal no Leblon. Sábado de manhã era sagrado. Ia todo mundo pra lá e ficava o dia inteiro. Era Tom Jobim, Chico Caruso, João Ubaldo, Paulo Cazé. Não tinha uma tribo… Tinha advogado, médico... O Oscar Niemeyer me adorava. A grande homenagem que tive na minha vida, na verdade, não teve. O Oscar ligou pra mim e falou que queria fazer uma homenagem pra mim no Sambódromo, um obelisco. No alto, teria uma estátua minha. Recusei. Teve outra que também não teve. O dono do Cobal era muito amigo meu. E ele resolveu fazer uma homenagem pra mim. Só que… Ali era uma confusão, vivia cheio de gente. E ele me chamava de Lan (cartunista italiano radicado no Rio). Aí ele chegou e falou: “Fiz em sua homenagem”. Era um painel, cheio de azulejos, mas fez pro Lan. O Lan nunca tinha ido lá. Hoje o que o senhor mais gosta de fazer? Ficar com a Célia. Não posso imaginar minha vida sem a Célia. Não sei nem ligar o telefone. Vou esquecendo das coisas. Mas tem quem faça as coisas pra mim. Que avaliação faz da sua vida? Foi uma vidinha boa, viu? Eu gostava. Não me aprofundava em meditações não. Ia vivendo o momento. E ainda é assim? É, acho que agora mais do que nunca. Não me preocupo com muito. E quanto ao que o senhor produziu, sua obra? Ainda gosta de olhar pra ela? Eu não tenho obra. Que obra? Tenho um livrinho desse tamanhozinho. Como chama? Nem me lembro. Não tem seu material organizado? Não. No momento, não tem a menor importância. A maioria dos meus amigos, todos guardam… O Ziraldo, o Henfil... Guardavam tudo. Eu não guardava nada, ia deixando por aí. O negócio do senhor é viver no presente, então. Sempre foi assim? Sim. Não planejo nada e não lamento nada que fiz também. Quer dizer, lamento, sim, algumas coisas. O sr. se considera uma pessoa feliz? Não. Nem feliz, nem infeliz. Eu tô aí.