Dias após ser libertado, salvadorenho deportado por engano é preso novamente nos EUA e pode ser enviado à Uganda

O salvadorenho Kilmar Abrego García, que no início do ano foi deportado por engano e transferido para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, foi detido novamente nesta segunda-feira por agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE). A prisão ocorreu menos de 72 horas após ele ter sido libertado por ordem judicial — e foi feita enquanto seus advogados acusam o governo do presidente Donald Trump de ameaçá-lo com deportação para Uganda, país com o qual ele não tem qualquer vínculo. Contexto: Após ser preso e deportado erroneamente para El Salvador, Kilmar Ábrego García é libertado nos EUA Entenda: EUA planejam enviar salvadorenho preso e deportado por engano para a Uganda, denunciam seus advogados A detenção ocorreu depois que Abrego García compareceu a um escritório do ICE em Baltimore na manhã desta segunda-feira. Do lado de fora, o advogado Simon Sandoval-Moshenberg explicou que o encontro havia sido apresentado como uma simples entrevista, mas que logo “ficou claro que isso era mentira”. Ele ainda afirmou que as autoridades de imigração não informaram por que Abrego Garcia estava sendo detido — nem mesmo para onde ele seria levado. A notícia provocou vaias e gritos de “vergonha” por parte de apoiadores que estavam no local. Voluntários com coletes amarelos, defensores dos direitos dos imigrantes, formaram uma barreira para proteger familiares de Abrego García ao deixarem o prédio. Pouco depois, os advogados do salvadorenho apresentaram uma petição de habeas corpus no Tribunal Distrital Federal de Maryland para impedir o envio dele a Uganda. No pedido, os advogados alegaram que a administração Trump o prendeu novamente sem dar a oportunidade de expressar “temores de perseguição e tortura”. Segundo uma ordem judicial vigente desde maio, Abrego García deveria ter um período de 48 horas úteis de proteção contra deportação após a apresentação do habeas corpus — uma salvaguarda para garantir revisão judicial em casos sensíveis. Denúncia: Salvadorenho deportado por erro dos EUA foi espancado na prisão, dizem advogados A tentativa de deportar Abrego García para Uganda, país africano que assinou um acordo com os Estados Unidos para receber imigrantes sem documentos, aumentou a polêmica, já grande, em torno do caso. Durante o fim de semana, seus advogados já haviam acusado o governo de tentar “coagir” o imigrante a se declarar culpado das acusações de tráfico humano feitas contra ele em uma denúncia apresentada em junho. Segundo a defesa de Abrego García, a administração Trump havia prometido enviá-lo para a Costa Rica — onde poderia viver legalmente como residente — caso aceitasse um acordo de culpa e cumprisse a pena determinada. Caso contrário, afirmaram, os funcionários do governo disseram que o deportariam “para o outro lado do mundo”, para Uganda, onde, segundo a defesa, “sua segurança e liberdade estariam em risco”. — O governo agora busca deportá-lo para Uganda como forma de punição, mesmo sabendo que a Costa Rica está disposta a recebê-lo como refugiado — declarou o advogado Sean Hecker. — A campanha de retaliação do governo continua porque Abrego se recusa a ser coagido a se declarar culpado de um caso que nunca deveria ter sido aberto. Saga judicial A prisão em Baltimore foi o mais recente capítulo de uma saga que se arrasta desde março, quando a administração Trump deportou Abrego García por engano para uma prisão de segurança máxima em El Salvador especializada em casos de terrorismo — contrariando uma ordem judicial que proibia expressamente sua remoção para o país. Em abril: Ao lado de Trump na Casa Branca, Bukele diz que não devolverá migrante deportado erroneamente aos EUA Depois de semanas alegando que não tinha meios de trazê-lo de volta, o próprio governo acabou por repatriá-lo — não para corrigir o erro, mas para apresentar acusações criminais contra ele. Quando retornou ao território americano, foi detido uma segunda vez antes de ser libertado da prisão preventiva e, agora, preso novamente. Residente de Maryland e casado com uma cidadã americana, Abrego García tornou-se uma figura central na repressão à imigração promovida pelo governo Trump. Ao chegar para o check-in imigratório na semana passada, ele foi recebido por aplausos de dezenas de apoiadores. Sua esposa, Jennifer Vasquez Sura, e seu irmão, Cesar, estavam ao seu lado. Em um discurso emocionado, ele agradeceu o apoio e fez um apelo à comunidade imigrante para que não perca a esperança: — Irmãos e irmãs, meu nome é Kilmar Abrego García. E quero que vocês lembrem sempre que, hoje, posso dizer com orgulho que estou livre e reencontrado com minha família. Vestido com jeans, tênis e uma camisa polo preta, cinza e branca, Abrego García parecia nervoso ao chegar. Seus olhos alternavam entre os jornalistas e os manifestantes, e ele respirou fundo antes de falar. Sua voz falhou ao lembrar que as memórias da família e das brincadeiras com os filhos em uma cama elástica foram o que o sustentou durante os dias de detenção no Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT). Entenda: Sob pressão de Trump, agentes de imigração buscam novas formas de intensificar prisões Contendo as lágrimas, ele concluiu seu discurso com firmeza. Disse que esses momentos seguiriam como combustível em sua luta judicial e lembrou ao público que sua história representa muitas outras famílias imigrantes perseguidas sob a repressão do governo Trump. — A todas as famílias que também sofreram separações ou vivem sob a constante ameaça de serem separadas, quero dizer que, mesmo que essa injustiça esteja nos machucando profundamente, não podemos perder a esperança — disse. — Deus está conosco, e Deus nunca nos abandonará. Deus trará justiça para toda essa injustiça. Entenda o caso García chegou aos EUA em 2011, fugindo, como milhares de compatriotas, da violência das gangues em El Salvador. Não tinha visto legal de permanência. Oito anos depois, em 2019, ele foi preso pela Imigração, mas conseguiu uma ordem judicial para suspender sua deportação, citando “riscos à sua vida” em seu país natal. Se casou com uma cidadã americana, com quem tem três filhos. Em março, em meio à onda de operações contra imigrantes lançada pelo governo Trump, García, que tem emprego formal, foi preso, acusado de ligação com a gangue MS-13 — o que ele nega — e deportado, com cerca de 250 homens, para El Salvador, onde foi encarcerado no CECOT, uma megaprisão para 40 mil detentos. Inicialmente, o governo americano afirmou que a prisão e a deportação de García foram um “erro administrativo”, mas o discurso foi alterado ao longo das semanas seguintes. A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que ele já fora detido anteriormente pela polícia no Texas por suspeita de tráfico humano. Os registros oficiais, no entanto, dão conta de que ele foi parado pelas autoridades devido ao excesso de velocidade no veículo que conduzia em uma via expressa. Initial plugin text Depois, Trump mostrou uma imagem do que seria uma tatuagem na mão do salvadorenho que, segundo ele, comprovaria seus laços com a MS-13. O líder de El Salvador, Nayib Bukele, por sua vez, disse em abril que não tinha o poder de mandar Abrego García de volta — mas ressaltou que, caso a Casa Branca determinasse seu retorno, cumpriria o pedido. García retornou aos Estados Unidos em junho, após uma maratona nos tribunais que envolveu até a Suprema Corte e a apresentação de novas acusações, agora de tráfico humano, como havia alegado Leavitt semanas antes. O pai de cidadãos americanos disse em uma audiência judicial ter sofrido tortura física e psicológica durante os quase três meses em que ficou detido no Cecot, em El Salvador. (Com Bloomberg e New York Times)