No ano do centenário da Fendi, Silvia Venturini reflete sobre o legado da maison enquanto projeta os caminhos do futuro

“Sou uma avó típica. Ou pelo menos acho que sou porque os meus netos sempre querem ir à minha casa. Eles gostam de dormir lá, então todo final de semana tem alguém, nunca estou sozinha. Cozinho para eles, faço coisas normais – eles adoram meu pesto fresco”, diz Silvia Venturini Fendi. Ela está no Palazzo della Civiltà Italiana, a sede romana da empresa fundada por seus avós, Adele e Edoardo, a Fendi – que, além de um dos pilares da moda italiana, é parte tão intrínseca da vida de Silvia que é impossível contar a história de uma sem a outra. No desfile de inverno 2025, no qual a marca celebrou 100 anos, ela, que normalmente ocupa o posto de diretora de acessórios e das coleções masculinas, se viu à frente da grife após a saída de Kim Jones em outubro, cargo esse que também preencheu durante um ano e meio depois da morte de Karl Lagerfeld, em 2019. A italiana escolheu começar a apresentação com um flashback da sua primeira memória da Fendi, quando aos 6 anos estrelou a campanha de inverno 1967/68 usando um look equestre a pedido de Lagerfeld. Desta vez, quem fez as vezes de modelo, a bordo de réplicas desta roupa, foram Tazio e Dardo, seus netos gêmeos, filhos de Delfina Delettrez. Ao final do desfile, foi aplaudida de pé pela sala lotada, provando mais uma vez que ninguém entende melhor do que ela como se faz a Fendi. Vestido (R$ 25 mil), casaco (R$ 31 mil) e botas (R$ 13.500) Vogue Brasil/ Bruna Sussekind Apesar do fortíssimo legado histórico que a casa carrega, Silvia não é uma mulher que vive no passado, pelo contrário. “Prefiro pensar na Fendi do futuro. Claro, ela é feita de história, mas, quando coloquei os meus netos na passarela, foi em uma referência alegórica ao que já passou, através de uma nova geração que representa o futuro – isso, para mim, simboliza o que somos”, diz. Muito dessa atitude de olhar sempre para frente ela atribui a Lagerfeld, que detestava nostalgia. “É normal ter uma ideia e ficar obcecado por ela, mas é importante mudar o que você pensa para evoluir e se manter relevante. O tempo é o maior juiz. Karl estava sempre pronto para se contrariar e encarava cada dia como se fosse o primeiro”, diz. A partir do alto, bolsas Mamma Baguette (R$ 26.500), Peekaboo ISeeU (R$ 31 mil) e Peekaboo Soft (R$ 45 mil). Vogue Brasil/ Bruna Sussekind A grife, assim como muitas de suas congêneres italianas, não começou como uma casa de moda. Em 1926, os avós maternos de Silvia abriram uma pequena loja de artigos de couro e oficina de peles na Via del Plebiscito, em Roma. Depois da morte do patriarca, em 1954, Adele continuou tocando a empresa ao lado de suas cinco filhas: Anna, Paola, Franca, Carla e Alda, carinhosamente apelidadas “Fendi Sisters”. Essa dinastia matriarcal transformou a casa em uma potência fashion – foram elas as responsáveis por contratar Lagerfeld, em 1965. Filha de Anna, Silvia cresceu no estúdio de criação ao lado de Karl. Ela tinha apenas 5 anos quando o alemão chegou e, desde pequena, se interessou pelo trabalho do ateliê, lugar que frequentava depois da escola. Na década de 1980, foi colocada à prova como diretora da linha de difusão Fendissime e, mais tarde, em 1994, passou a atender pelo cargo de diretora criativa de acessórios. Não demorou a emplacar um enorme hit: a bolsa Baguette, a primeira it-bag da história, que, quase três décadas mais tarde, segue atual e desejada. Gola de carneiro (R$ 29.500), saia (R$ 14.200) e botas (R$ 13.500) Vogue Brasil/ Bruna Sussekind Revistas Newsletter “Quando pensam na Fendi, não é uma silhueta específica que vem à mente – eu não acho que seja, pelo menos – e sim uma atitude, uma energia, algo que considero bem mais interessante”, diz. Os desfiles femininos que ela já assinou para a maison foram uns dos poucos nas semanas de Milão a ter modelos de todos os corpos e idades – e chamam a atenção por serem fora da curva nesse sentido. Penelope Tree, Liya Kebede e Paloma Elsesser são alguns nomes da sua última apresentação. Mostrar um leque diverso nem sempre é uma preocupação para diretores criativos homens (que hoje são a vasta maioria nas casas de luxo), mas é natural para Silvia. “Há um senso de realidade em uma mulher desenhando para outras mulheres. Não me interessa pensar em um arquétipo feminino, prefiro uma abordagem mais individualista. Não tenho uma obsessão por quem é o protótipo da cliente, de jeito nenhum. Tenho obsessão por qualidade, cores, outras coisas. A figura que se formou em volta da marca é feita de pessoas reais que trabalham nessa empresa”, diz. Casaco (R$ 23 mil) e sapatos (R$ 10.900) Vogue Brasil/ Bruna Sussekind Não é de se surpreender, considerando que ela cresceu cercada pelas mulheres poderosas, independentes e livres de sua família. Mesmo na década de 1920, sua avó Adele já remava contra a maré: não queria abdicar de nada, nem em sua vida pessoal, nemprofissional. “Ela trabalhava dia e noite. Realmente dia e noite, porque, naquela época, para uma mulher ocupar esse tipo de espaço, ela tinha que fazer o dobro que qualquer homem. Ela sabia o que queria e usava toda a energia para atingir seus objetivos – e era muita certa do seu gosto”, diz Silva. Parte desse gosto foi o que moldou a maneira da Fendi de fazer as coisas, uma energia que permeia a marca e propaga a sofisticação nos detalhes, o desfrute pelo prazer, o fato de que a beleza é crucial – mas não se sustenta sozinha. Muito além do império fashion, a grife foi a primeira grande marca de moda a lançar uma linha de interiores, a Fendi Casa, em 1987; financiou a renovação da Fontana di Trevi em 2015; inaugurou em 2016 em Roma o Palazzo Fendi, que reúne loja, restaurante e o hotel da grife; e se lançou no mundo da beleza com uma linha de perfumes em 2024. Ainda que tenha escolhido trilhar o seu caminho na moda, Silvia gosta de passar seu tempo livre em sua fazenda ou na casa que tem no litoral da Itália. “É uma forma de me nutrir. Quando você observa a natureza, você eleva o nível da sua criatividade, porque não há nadamelhor oumais surpreendente do que ela. Me faz pensar que tenho que criar algo muito bonito e forte, me inspira muito mais do que ir a uma galeria de arte”, diz. Esse sentimento também explica outra de suas grandes paixões: o Brasil. Ela veio ao país pela primeira vez aos 15 anos. Seu pai haviamorrido e suamãe achou que Búzios, na época isolada e remota, seria uma boa distração para a família. “Havia pouquíssimas casas e uma natureza selvagem. A moda parecia tão distante, algo que eu havia abandonado na Itália. Abracei uma vida mais natural”, diz. Ao longo dos anos, passou várias temporadas por aqui, inclusive comas suas filhas. Ela diz ter alma carioca e o sonho de um dia morar no Rio de Janeiro. “Muitas vezes penso: ‘Quando parar de trabalhar, quem sabe comprouma cobertura em Copacabana’. É o meu sonho. Imagina, cruzar a esquina e estar na Nossa Senhora de Copacabana?” Podemos imaginar. Fotos: Bruna Sussekind Styling: Zazá Pecego Arte: Júlia Filgueiras Assistentes de Foto: Fernando Bentes e Vitor Cohen Produção Executiva: Déia Lansky Assistente de Produção: Iris Carneiro Assistente de Styling: Hannah Rodrigues Camareira: Gislene Torres Assistente de Beleza: Felipe Araújo Tratamento de Imagem: Philipe Mortosa Agradecimentos: Loft011