Por Rita Potyguara Diretora da Flacso Brasil * A recente III Marcha das Mulheres Indígenas, que inundou as ruas de Brasília com a força de nossas vozes, não foi apenas mais um evento. Foi a prova viva de que a resistência ancestral de nossos povos se renova a cada passo. Em meio a falas, cânticos, danças e cores vibrantes, milhares de mulheres de diversos povos se uniram para reafirmar nosso lugar no presente e moldar o futuro. A importância desta mobilização é incalculável. Longe de ser apenas uma manifestação, a marcha é um rito de passagem e um ato político de profunda significação. Ela nos permite não só denunciar as violências e as ameaças que sofremos — seja o avanço do garimpo ilegal, a violência contra as mulheres indígenas ou o desrespeito aos nossos territórios —, mas também celebrar nossa existência. É um espaço onde a força de nossas lutas ganha visibilidade e onde as mais velhas, as sábias e as mais jovens se encontram para trocar experiências e fortalecer a nossa caminhada. Neste ano, a marcha trouxe pautas essenciais para a nossa sobrevivência e a do planeta. O debate sobre a emergência climática, por exemplo, foi central, mostrando ao mundo que nossos saberes tradicionais são a chave para a preservação ambiental. Nossas vozes ecoaram contra as políticas predatórias, defendendo a necessidade de que os governos e a sociedade ouçam o que temos a dizer sobre a proteção da natureza. Lutamos por mais do que territórios; lutamos por um modo de vida que respeita a Terra, que é nossa mãe. A Marcha das Mulheres Indígenas também é um espaço para a reafirmação de nossas identidades. Nossas tranças, cocares, pinturas e vestimentas são mais do que adereços: são símbolos de resistência, de pertencimento e de culturas que se recusam a serem silenciadas. É nessas mobilizações que mostramos a riqueza de nossa diversidade e combatemos o preconceito. É a resposta viva contra a invisibilidade imposta pela história. É com grande orgulho que a Flacso Brasil pôde se somar a este movimento, participando ativamente da organização e do apoio à marcha. Nossa presença neste evento reforça o compromisso institucional em ser um espaço de diálogo e colaboração, onde as ciências sociais se encontram com os saberes indígenas. Acreditamos que a academia precisa se conectar com os movimentos sociais, e a Marcha das Mulheres Indígenas é um exemplo perfeito de como essa parceria pode fortalecer a luta por direitos e a construção de um futuro mais justo. Os resultados dessa mobilização legítima vão muito além de um dia nas ruas de Brasília. Eles estão na articulação de novas redes de apoio, no fortalecimento da autoestima de nossas mulheres e no aumento da visibilidade de nossas causas. Os resultados estão em cada semente que plantamos, em cada canto que entoamos. Continuaremos nossa luta, porque a terra e os ancestrais nos chamam, e porque o futuro das nossas crianças depende da nossa coragem hoje. E é essa força feminina que vai continuar a caminhar e a guiar os rumos dos nossos povos. * Rita Potyguara é indígena do Povo Potiguara do Ceará. Pedagoga (UECE), especialista em Gestão Escolar (UECE), mestra em Educação (UFRN), doutora em Educação (UFRN)e diretora da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso BR)