Qualquer leitor conhece o prazer único de se perder nas páginas de um bom livro. Mas, nas últimas duas décadas, o número de americanos que leem por diversão caiu de forma contínua, segundo estudo divulgado nesta quarta-feira (20). Termômetro do planeta: novo estudo revela mudanças abruptas e irreversíveis na Antártida Quem precisa de namorado? Estudo explica por que estar sozinho pode ser melhor Pesquisadores do University College London e da Universidade da Flórida analisaram dados nacionais de 2003 a 2023 e constataram que a proporção de pessoas que declararam ler por prazer em um dia típico recuou de 28%, em 2004, para 16%, em 2023 — uma queda de cerca de 40%. O índice encolheu, em média, 3% ao ano nesse período. Embora haja indícios de redução no hábito desde a década de 1940, os autores classificaram o tamanho da queda recente como “surpreendente”. O levantamento considerou a leitura de forma ampla — incluindo livros, jornais e revistas, em formatos impresso, digital ou de áudio. Estudos anteriores podem ter subestimado o problema por não contabilizarem e-books e audiolivros, afirmou Daisy Fancourt, coautora da pesquisa e professora de psicobiologia e epidemiologia na University College London. A pesquisa não explicou por que os americanos estão lendo menos, mas apontou possíveis causas: o aumento do uso de redes sociais e outras tecnologias ou a sobrecarga de trabalho causada por pressões econômicas. Mais estudos seriam necessários para confirmar essas hipóteses. Segundo os pesquisadores, a queda na leitura pode afetar aprendizado, relacionamentos e até o bem-estar geral da população. “Embora a leitura seja muitas vezes vista como atividade individual, ao mergulharmos em histórias criamos conexões com os personagens”, diz Fancourt. “A empatia que sentimos por eles é real, e isso pode nos ajudar a nos sentir menos sozinhos e mais validados social e emocionalmente.” O levantamento, publicado na revista iScience, usou dados da Pesquisa Americana de Uso do Tempo, que anualmente coleta relatos detalhados de como milhares de cidadãos passam o dia. No total, mais de 236 mil pessoas foram entrevistadas ao longo de 20 anos. Os resultados mostram disparidades claras. Em 2023, indivíduos com maior escolaridade tinham mais que o dobro de probabilidade de ler do que aqueles com baixa instrução, e pessoas de alta renda liam cerca de 1,5 vez mais do que as de baixa renda. Essas diferenças cresceram com o tempo. Outro dado chama atenção: embora mais de 20% dos entrevistados tivessem filhos menores de 9 anos, apenas 2% disseram ler com as crianças — proporção que se manteve estável ao longo do período, mas que pode afetar o hábito de leitura das próximas gerações. Diversos estudos mostram que ler traz benefícios que vão do desempenho escolar à saúde mental, passando por ganhos de empatia, imaginação e habilidades cognitivas. Jill Sonke, coautora do estudo e diretora do EpiArts Lab da Universidade da Flórida — que pesquisa os impactos das artes e da cultura na saúde — defende mais conscientização sobre a leitura como “recurso para o nosso bem-estar”. “Diante de um momento tão complexo e desafiador, precisamos ser intencionais nas formas de cuidar de nossa saúde”, afirma Sonke. Fancourt ressalta a preocupação com as crescentes desigualdades no acesso à leitura. “Não apenas as pessoas estão lendo menos, mas justamente as que poderiam se beneficiar mais — grupos socialmente desfavorecidos — estão ficando para trás”, diz. James Carney, professor da London Interdisciplinary School e autor de um estudo de 2022 sobre leitura e saúde mental, lembra que não basta simplesmente abrir um romance clássico para colher resultados imediatos. “Não é como se eu pudesse lhe dar um livro da Jane Austen e você saísse com melhor saúde mental”, afirma. Segundo Carney, refletir e conversar sobre o que se lê — especialmente ficção — está ligado a ganhos sociais e emocionais, como a capacidade de perceber nuances nas relações humanas. O mesmo valeria para muitos tipos de não ficção, acrescenta.