Museu Vassouras: espaço no Vale do Café abre após sete anos de obras em antigo hospital do século XIX

Datado de 1848, em homenagem a uma viagem de Dom Pedro II à região, o casarão colonial que abrigou o Hospital Nossa Senhora da Conceição (Santa Casa da Misericórdia), no centro histórico de Vassouras (RJ), teve, ao longo dos anos, um destino que pouco lembrava a opulência do Ciclo do Café e levou o município do Sul Fluminense a ser conhecido como a Cidade dos Barões. Após deixar de ser hospital, em 1910, o espaço abrigou o Asilo Barão do Amparo até 2007, mas no ano seguinte um incêndio atingiu parte de sua estrutura, deixando suas ruínas à vista no principal ponto turístico da cidade, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e da Praça Barão de Campo Belo. Daniel Senise: Com mostra no Rio e livro sobre carreira a ser lançado ainda em 2025, artista reinventa relação com a pintura Jaguar: Companheiros do Pasquim, Sérgio Augusto, Miguel Paiva, Claudius e Chico Caruso lembram o cartunista O cenário começou a mudar há sete anos, quando teve início o projeto do Museu Vassouras, que recuperou a estrutura do antigo casarão, adaptando-o como um espaço multiuso, que, além de áreas expositivas, terá espaços para apresentações variadas, programas educativos, ambiente multimídia, pátio e jardins, além de áreas de loja e café. A abertura para convidados será neste sábado (30), e no domingo (31) o equipamento estará aberto à visitação para o grande público, das 10h às 17h. Depois, a equipe volta a trabalhar nos últimos detalhes do projeto e na montagem da exposição “Chegança”, prevista para ser inaugurada em novembro, quando o museu passa a ter uma programação permanente. Fachada reformada do antigo Hospital Nossa Senhora da Conceição Leo Martins O museu é uma ação do Instituto Vassouras Cultural (IVC), organização sem fins lucrativos fundada em 2017 pelo empresário e colecionador Ronaldo Cezar Coelho, voltada à valorização histórica, cultural e da identidade do Vale do Café, região que abarca 15 municípios, como Vassouras, Valença, Miguel Pereira, Mendes, Rio das Flores, Engenheiro Paulo de Frontin, Paracambi e Volta Redonda. Com 3.331m² de área construída, o projeto e a execução ficaram a cargo da Prochnik Arquitetura, responsável por obras de revitalização como a do Sítio Roberto Burle Marx, em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, e a do Museu Náutico do Rio Grande, em Porto Velho (RS). O valor total do projeto não é divulgado pelo IVC, mas só a compra das ruínas junto à Santa Casa ficou em torno de R$ 3 milhões. Proprietário da Fazenda São Fernando, no distrito de Massambará, desde 1983, Coelho espera que a inauguração do museu dê novo fôlego ao turismo cultural do lugar. — A região tem um história riquíssima, bem preservada em suas cidades, suas fazendas. O museu não é apenas para Vassouras, mas para trazer autoestima, emprego e renda a todo o Vale do Café. Ele nasce para, com sua programação, se firmar como um dos pontos de interesse da região, que tem a seresta de Conservatória (distrito de Valença), o patrimônio histórico de Rio das Flores, Paty do Alferes, por exemplo — destaca Coelho. — Por vários fatores, o século XIX acabou apagado, e temos que resgatar esse legado, mas de forma a gerar reflexões. Esse é o propósito do museu. Uma das salas de exposição: projeto recuperou características originais, como as janelas em guilhotina Leo Martins Diretora artística da instituição, Catarina Duncan conta que, durante as obras, a articulação com a região foi realizada em um projeto chamado Vozes do Vale, no qual a equipe participou de encontros com lideranças do jongo, das folias de reis e de áreas de quilombo, além de professores, religiosos e outros profissionais, em torno da produção cultural local. Além de entender a expectativa da população em relação ao papel do museu, os registros das entrevistas poderão ser usados em futuras exposições e ações. — Não daria para chegar com um conceito fechado sem que esse espaço fizesse sentido no território. Então buscamos essa memória viva, sobre as formas de viver, de plantar, de celebrar, para entender qual a missão dessa instituição — diz Catarina, que morou em Vassouras por um ano durante a pesquisa. — O programa educativo foi iniciado em janeiro, meses antes da abertura do museu, em ações de capacitação de profissionais locais. O envolvimento da comunidade se deu em paralelo às obras. A reforma teve início na parte estrutural, já que havia risco de desabamento após o incêndio e a perda de parte da cobertura. Tombado com o conjunto paisagístico e urbanístico de Vassouras em 1989 pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o imóvel recuperou as características originais da fachada, modificadas ao longo do tempo, e teve seu interior adaptado às finalidades do museu. — A primeira etapa, emergencial, foi de consolidação, para que evitar que o imóvel caísse, dando segurança ao prosseguimento dos trabalhos. Depois recuperamos os detalhes originais, como as janelas em guilhotina, que foram trocadas no passado. Toda a estrutura estava depauperada por intervenções durante anos — detalha o arquiteto Mauricio Prochnik. — Só então foi possível trabalhar na unidade do conjunto, que tem construções do século XIX e início do XX, pensar a acessibilidade, criar áreas expositivas com flexibilidade de uso. A diretora artística Catarina Duncan, no espaço que será ocupado pelo café e as áreas administrativas Leo Martins O museu tem uma estrutura em três níveis, interligados por elevadores: na parte posterior, o antigo espaço de porão e cavalariças foi transformado em café e área administrativa. Um corte abaixo, fica o Memorial Judaico, construído em homenagem a Benjamin Benatar e Morluf Levy, judeus ali sepultados no século XIX. O monumento, que também foi restaurado e integrado ao projeto, tem curadoria de Ilana Feldman e também a assinatura do Escritório de Paisagismo Burle Marx (o paisagismo do museu é assinado por Marcos Sá). No local, um grande pátio integra a instituição à praça da cidade e receberá apresentações, mostras, oficinas e palestras. Para pensar os fluxos e os diferentes usos dos espaços, o projeto de interiores e a ambientação ficaram a cargo de Gabriela de Matos, vencedora, junto a Paulo Tavares, do Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza pelo Pavilhão do Brasil em 2023. — Trouxe a equipe de arquitetos para fazer uma imersão, ficamos trabalhando aqui dois dias no museu vazio, que é muito diferente de uma visita técnica de algumas horas. A gente via a incidência da luz ao longo do dia, conseguia pensar a experiência do público e das equipes, entender como as pessoas podem se sentir parte dessa história — comenta Gabriela. — Trabalhamos com um mobiliário multifuncional, para atender aos diferentes usos dos espaços, com materiais sustentáveis. Detalhe de uma das portas do museu Leo Martins Em novembro, a exposição inicial, “Chegança”, terá três eixos relacionados à memória e à cultura do Vale do Café. “Folias” vai abordar celebrações como as folias de reis e o jongo; “Vapor” diz respeito às transformações surgidas sobre os trilhos dos trens, saindo do Sul Fluminense até a capital, cortando a Baixada; e “Milagre” terá como tema as histórias e vivências da região do Rio Paraíba do Sul. Assinada por Marcelo Campos (curador chefe do MAR) e Thayná Trindade, a coletiva contará com obras de artistas contemporâneos, como Aline Motta, Sônia Gomes, Beatriz Milhazes e Wallace Pato, além de empréstimos de coleções — do acervo de Ronaldo Cezar Coelho virá “Composição (Figura só)” (1930), de Tarsila do Amaral, atualmente em comodato no Masp. — A exposição vai abordar essa tradição cultural e como ela se transforma, as relações do palhaço da folia de reis com os bate-bolas, como o jongo vai influenciar o samba... Também pensando neste movimentos nos territórios que nós mesmo vivenciamos. A minha família é de Mendes, a da Thayná, de Valença, por exemplo — diz Campos. — Além da pesquisa já feita pela Catarina (Duncan), também estivemos em quilombo, terreiros, festas, e pudemos trazer obras de artistas da região para a mostra. 'Composição (Figura só)' (1930), de Tarsila do Amaral, que virá do Masp para a mostra inaugural Jaime Acioli