Alvo de inquérito da Polícia Civil do Rio por suspeita de fraude, o repasse de R$ 14 milhões feito em dezembro pelo Instituto de Previdência (Previde) de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, abasteceu políticos ligados ao ex-prefeito Waguinho (Republicanos). Levantamento do GLOBO com base em documentos da prefeitura aponta que ao menos 11 pessoas, incluindo candidatos que disputaram o pleito de 2024 e parentes de primeiro grau, receberam R$ 316 mil no apagar das luzes da antiga gestão. 'Nossos 5%': Funcionárias acusadas de desviar R$ 14 milhões da prefeitura de Belford Roxo discutiram comissão Genial/Quaest: 49% acham injusta a aplicação da lei Magnitsky contra Moraes, e 39% consideram sanção justa Como O GLOBO revelou ontem, o inquérito da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) encontrou indícios de que as funcionárias do Previde responsáveis pelos pagamentos discutiram receber uma comissão de 5% sobre os repasses. A polícia apontou, na conclusão da investigação, que os repasses contemplaram 539 pessoas que “não tinham qualquer vínculo legítimo” com o Previde, responsável por pagar os salários de aposentados e pensionistas do município. Um dos políticos beneficiados na suposta fraude foi Rogelson Sanches Fontoura, o Gelsinho Guerreiro (Republicanos). Ex-prefeito de Mesquita — cidade vizinha a Belford Roxo —, cargo que disputou novamente em 2024, ele recebeu R$ 50 mil do Previde no dia 4 de dezembro do ano passado. Na mesma data, com intervalos de segundos entre os pagamentos, também foram contemplados com repasses a ex-deputada Daniele Guerreiro, mulher de Gelsinho, e os filhos do casal, Daniel e Marina, com R$ 50 mil cada. Procurado, Gelsinho não se manifestou. Nas redes sociais, ele mostrou alinhamento no ano passado a Waguinho, em cuja gestão ocorreram os repasses do Previde que beneficiaram sua família. Em março de 2024, ele registrou uma visita à inauguração de uma unidade de atendimento à população idosa em Belford Roxo, e rasgou elogios ao então prefeito. “Waguinho é um exemplo de líder, político humano, que ouve e caminha próximo do povo para atender suas demandas”, postou na ocasião. Outro beneficiado com os repasses foi o candidato a vereador Alex Pagniez (PDT), que concorreu em Belford Roxo como aliado da chapa de Matheus do Waguinho (Republicanos) à prefeitura. Alex recebeu R$ 20 mil num único pagamento, em 23 de dezembro. Sua mãe, Adilea Pagniez, servidora aposentada do município, recebeu três pagamentos no mesmo mês. A atual gestão, sob o comando de Márcio Canella (União), levantou suspeita sobre um desses repasses, de R$ 20 mil, que ocorreu no mesmo dia e horário do pagamento ao filho. A lista de repasses suspeitos de fraude consta numa ação de improbidade ajuizada pela atual gestão de Canella contra Waguinho. Procurado, Alex não se manifestou. A família Pagniez caminhou dividida na última eleição: primo de Alex, o ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal Márcio Pagniez Cardoso se alinhou a Canella. Conhecido como Marcinho Bombeiro, ele está preso desde 2019 sob suspeita de integrar uma milícia e de participar de dois homicídios em Belford Roxo. Suas redes sociais, que seguem ativas, foram usadas para pedir votos a Canella e para seu filho, Matheus Pagniez, que concorreu a vereador pelo PL. Outro político contemplado pelos pagamentos também indica o nível de entrelaçamento entre as gestões de Waguinho e Canella — hoje adversários, foram aliados até 2023. Candidato a vereador em 2024 em Belford Roxo pelo Solidariedade, sigla aliada a Waguinho, Raphael Simonin Matias recebeu R$ 10 mil do Previde em dezembro, pagamento listado no inquérito como suspeito de fraude. Em julho, foi nomeado ao cargo de secretário-executivo no gabinete de Canella. Retorno à prefeitura Simonin havia ocupado a mesma posição na gestão de Waguinho. No ano passado, ele publicou fotos fazendo campanha ao lado da deputada federal Daniela Carneiro (União-RJ), mulher de Waguinho, e escreveu que “inspiração temos de sobra”: “Nosso líder Waguinho nos ensina diariamente como fazer uma gestão que realmente cuida das pessoas”, elogiou Simonin. Já em julho, após ser nomeado novamente na prefeitura, Simonin publicou uma foto ao lado de Canella e de seu irmão e chefe de gabinete, Marcelo Canella. “Com muita felicidade e senso de responsabilidade, compartilho com vocês que inicio um novo ciclo na política. Essa nova etapa representa mais do que um cargo: é uma oportunidade de continuar lutando pelos ideais que acredito”, postou. Procurado, Simonin não retornou. Questionada sobre as suspostas fraudes no Previde, a assessoria de Canella disse ter encontrado dificuldades para fazer a transição da antiga gestão, com necessidade de exonerar e nomear centenas de pessoas, e que eventuais falhas serão apuradas. Waguinho não comentou o fato de políticos e suas famílias terem recebido recursos destinados a aposentadorias. Ele disse ser vítima de uma tentativa de “deslegitimação de sua figura por meio da judicialização abusiva de narrativas políticas”, e alegou que o inquérito não demonstra ligação entre ele e os repasses da Previde. Quem é Waguinho No último dia 26, perfilado com três homens engravatados, Waguinho parabenizou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “pelas escolhas acertadas que fortalecem a presença do Rio em decisões nacionais”. Traduzindo: pelos três cargos que o Diário Oficial de julho carimbou com indicações do ex-prefeito de Belford Roxo. Na órbita de Lula desde o segundo turno de 2022, em decisão que rachou seu grupo político — o ex-aliado Marcio Canella preferiu seguir com Jair Bolsonaro —, Waguinho começou o governo petista agraciado com a esposa, Daniela Carneiro, à frente do Ministério do Turismo. Daniela durou só sete meses no cargo, Waguinho perdeu a eleição de sua cidade para Canella e foi apeado da presidência estadual do partido Republicanos. Perdeu quase tudo, exceto os favores de Lula. Ex-secretário de Saúde de Belford Roxo, Flávio Vieira foi alçado a diretor da estatal Portos do Rio. Outros dois aliados do ex-prefeito, Sandoval Gomes e Agnaldo Pinto, viraram superintendentes de Patrimônio e de Agricultura, respectivamente. Com poucos amigos na Baixada Fluminense, Lula segue encontrando lugar para seu enrolado aliado.