Aterro de Gramacho tem capacidade para acumular 23 milhões de litros de chorume, evitando contaminação do manguezal

Destino de dejetos produzidos na cidade do Rio de Janeiro por mais de três décadas, o aterro sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, já foi conhecido como o maior lixão a céu aberto da América Latina. Fechado em 2012, ainda hoje é considerado uma área de risco ambiental. O terreno exige cuidados para evitar que o chorume —líquido proveniente da decomposição orgânica, eventualmente misturado a metais pesados — produzido pelo acúmulo de dejetos contamine o manguezal do entorno, e até a Baía de Guanabara. Essa operação custa R$ 2 milhões por mês à Comlurb, gastos com equipes que cuidam de uma estação de tratamento, além da manutenção de lagoas usadas para armazenar o material poluente. O passivo é tão grande que a expectativa é que Gramacho continue a produzir chorume pelo menos até 2050. Máquinas de jogos: Paes e Castro ainda não se reuniram para tratar sobre a videoloteria Mulheres pardas entre 20 e 29 anos: grupo representa principais vítimas de violências notificadas por profissionais de saúde O despejo de lixo a céu aberto no local — com área superior à do Aterro do Flamengo — foi cena comum entre 1978 e 2006, quando começaram a ser adotadas medidas para minimizar o impacto ambiental na área. A última fase desse projeto foi concluída no mês passado, com a inauguração de nova lagoa de chorume, a sexta de Gramacho, usada para armazenar o material não tratado. — Antes dessa obra, quando chovia forte, tínhamos que adotar medidas para evitar que não vazasse até a Baía. Uma parte do excedente que não conseguíamos tratar nessas condições acabava sendo levada para estações de tratamento de esgoto (ETE) do Rio em solução de emergência — explica Jorge Arraes, presidente da Comlurb. Lagoas de chorume O dirigente da empresa de limpeza pública da cidade chama atenção para a complexidade da rotina local. Parte do chorume acumulado nas lagoas segue para uma estação de tratamento capaz de processar 45 mil litros por hora. O excedente é transportado por caminhões-pipa até áreas que eram usadas para despejo de lixo, onde o líquido passa por nova filtragem. Mesmo após o tratamento, a água usada no processo continua imprópria para o consumo humano e, por isso, é despejada em afluentes do Rio Saracuruna — seguindo regras do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Toda essa estratégia busca evitar a contaminação do entorno, mas o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, do Movimento Baía Viva, faz críticas às ações de tratamento do chorume e ao monitoramento ambiental: — Em quase 40 anos, o lixo despejado em Gramacho foi suficiente para acumular 1,6 milhão de litros de chorume. Essa estação de tratamento é muito pequena para cuidar de tudo isso. E há relatos de que chegou a ficar fora de operação em alguns momentos, poluindo o meio ambiente. Gramacho sofre ainda com outro problema sério. Ao redor da instalação existem aterros clandestinos, que crescem cada vez mais em áreas controladas por traficantes, e geram chorume também — afirma Sérgio Ricardo. O ambientalista acrescenta que pescadores artesanais da Baía de Guanabara atribuem à situação atual em Gramacho dificuldades para exercer seu ofício no entorno do Rio Sarapuí. Com entrada em operação da nova lagoa, Gramacho passa a ter capacidade de acumular até 23 milhões de litros de chorume, o equivalente ao volume de água de 9,2 piscinas olímpicas (cada uma comporta 2,5 milhões de litros). A chegada da sexta estrutura resultou em aumento de 22%, em comparação à capacidade anterior, de aproximadamente 19 milhões de litros. O chorume chega às lagoas por uma vala que circula o antigo lixão. Para evitar a contaminação do solo, essa estrutura recebeu revestimento de uma espécie de argila fina, pouco permeável. Outra parte da operação consiste em monitorar a estabilidade dos terrenos, já que em algumas áreas o lixo armazenado ao longo dos anos chegou a 60 metros de altura, o equivalente a um prédio de 20 andares. —O passivo ambiental deixado por Gramacho era muito grande. Na realidade, quase tudo que a Comlurb prometeu ao desativar o aterro foi cumprido. Os manguezais foram recuperados e foi implantado um polo de reciclagem para os antigos catadores que trabalhavam lá. Mas algumas iniciativas não saíram do papel, como uma parceria com a prefeitura de Caxias para reurbanizar o bairro, degradado por décadas— diz o deputado e ambientalista Carlos Minc, líder do PSB na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Estudos para energia solar Na década passada, através de uma concessão à iniciativa privada, houve exploração e comercialização do biogás formado a partir do lixo em decomposição. Segundo a Comlurb, ainda há emissão de gás metano, mas a quantidade não é mais viável economicamente. Há outras opções em estudo para o futuro uso do terreno. —Uma das ideias é aproveitar áreas de Gramacho que não receberam lixo para implantar uma fazenda de captação de energia solar, para geração de energia elétrica, assim como fizemos em um aterro desativado de Santa Cruz (em fase de instalação de equipamentos). Estudos de viabilidade econômica estão sendo feitos pela iniciativa privada. A gente deve ter os resultados em setembro, para decidir se vamos licitar uma operação do gênero— diz o presidente da Comlurb. Caso o projeto seja bem-sucedido, estima-se que Gramacho teria capacidade de fornecer 50 megawattshora de energia, o suficiente para abastecer até 50 mil residências. Gramacho fechou em definitivo em maio de 2012, às vésperas da Rio +20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. A partir daquela época, mais de 9,5 mil toneladas de lixo recolhidas na cidade do Rio de Janeiro e em outros municípios da região metropolitana passaram a ter como destino o Centro de Tratamento de Resíduos de Seropédica (CTR). Quando o aterro sanitário de Jardim Gramacho entrou em operação, em 1978, a legislação ambiental era menos rígida do que a atual. Por anos, o lugar funcionou como um lixão sem qualquer controle, em torno do qual chegaram a se reunir 6 mil catadores, incluindo crianças, que buscavam material reciclável. Boa parte dos resíduos e do chorume produzido chegava aos manguezais e contaminava a Baía de Guanabar. — A ideia de despejar lixo ali às margens da Baia não seguiu critérios técnicos e revela a incompetência dos governantes daquela época. E as gerações seguintes pagam pela falta de planejamento, — critica o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-RJ), Renato Espírito Santo. Perigo aéreo Além de catadores, o descarte diário a céu aberto atraía urubus, que se alimentavam de material em decomposição. Houve ocasiões em que a concentração de aves chegou a atrapalhar as operações no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão). O lixo doméstico ainda era misturado a material oriundo de clínicas e hospitais, expondo os catadores ao risco de doenças. A partir de 1996, Gramacho começou a receber melhorias que a longo dos anos mudaram sua classificação de lixão para aterro controlado, com o material acumulado coberto por mantas.