Wiliany Vitória Costa do Nascimento tem apenas 16 anos, mas já se destaca no judô para atletas com deficiência visual. Em 2024, ela se tornou campeã mundial escolar de parajudô, ao ganhar a medalha de ouro na categoria até 57 kg. Ela começou a praticar o esporte em 2021, na Escola Paralímpica de Esportes, uma iniciativa do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). — Eu estudava no Colégio Vicentino de Cegos Padre Chico e soube que eles tinham uma parceria com o Centro de Treinamento Paralímpico. Fiquei curiosa e decidi ir atrás porque queria fazer natação. Mas quando cheguei, descobri que eles tem um esquema rotativo de esporte. Então, o primeiro esporte que eu fiz nesse esquema foi o judô, não a natação. Mas acabou que foi o esporte que eu me encontrei — conta. Wiliany nasceu e cresceu no interior do Ceará e sempre foi uma criança muito ativa. — Sempre gostei de subir em árvore, correr, ir para o rio. Também sou muito curiosa. Tudo de novo que tinha, eu queria aprender ou fazer — diz a jovem. Mas o parajudô foi o primeiro esporte que ela praticou de fato e, segundo ela, a prática trouxe muitos benefícios físicos, mentais e sociais, que vão além das competições. — Apesar de ter deficiência visual, eu sempre gostei de ter autonomia. De fazer as coisas por mim mesma e não depender de ninguém. E o judô me ajudou muito com essa questão de direcionamento e noção espacial — conta. No aspecto mental, Wiliany diz que o esporte a ajudou a controlar a ansiedade. No social, a driblar a timidez, ser mais confiante e criar muitos vínculos com colegas de equipe. Até mesmo na escola ela sentiu diferença. — Eu nunca gostei de exatas. Mas o judô me ajudou bastante a ser mais estratégica e melhorar no raciocínio rápido. Estudos científicos vêm reforçando a importância da atividade física para adolescentes com deficiência. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse grupo deve realizar pelo menos 60 minutos de atividade física moderada a vigorosa por dia, assim como os demais adolescentes. Os benefícios são múltiplos: melhora da aptidão cardiorrespiratória, força muscular, saúde óssea, regulação emocional, autoestima e participação social. Por exemplo, um estudo publicado em 2023, no Journal of Developmental and Physical Disabilities, apontou que programas de exercício físico adaptado melhoram significativamente a função motora, o equilíbrio e a qualidade de vida em adolescentes com paralisia cerebral. Já adolescentes com deficiência intelectual, segundo estudo publicado no Disability and Health Journal, apresentam melhoras no comportamento social e no controle da ansiedade após a prática regular de esportes coletivos. O médico fisiatra Marcelo Area, coordenador médico da AACD, ressalta que a prática de exercícios físicos para adolescentes com deficiência pode ser uma ótima forma de interação e integração social, além de trazer benefícios físicos e psicológicos. — O esporte faz muito bem para a autoestima, para o autocuidado — diz Area. Letícia Sanches, de 17 anos, pratica badminton. Ela começou nos esportes jogando vôlei aos 12 anos, por indicação de seu professor de educação física da escola. Mas aos 16, decidiu mudar e tentar o badminton. Apesar das dificuldades do início, que incluíram entender como funciona um esporte novo, que ela não conhecia, aprender a se deslocar na cadeira de rodas — Letícia é amputada das duas pernas, mas usa próteses no dia a dia — e prestar atenção na raquete. — Estou jogando mais campeonatos e conseguindo evoluir mais pelo parabadminton do que no vôlei — diz a atleta, que conquistou o título do IV Campeonato Brasileiro “Diego Mota” Sub-23 de badminton na classe WH2 (para atletas em cadeira de rodas). A jovem afirma que o esporte ajudou na interação social, possibilitando que ela conhecesse mais pessoas com o mesmo tipo de deficiência que a dela, a fazer amigos, ser mais independente e ter mais disposição. Apesar de todos os benefícios, Area alerta para a importância da prática segura e acompanhada. — Primeiro, é preciso dar possibilidades dos esportes que o adolescente pode fazer porque podem existir limitações dependendo da deficiência e do esporte. Então é fundamental que a prática de exercícios e esportes seja incentivada, mas também orientada no sentido de pontuar são os prós e contras daquela atividade, para aquele diagnóstico — pontua o médico. — Pacientes com ossos frágeis, por exemplo, não podem praticar um esporte onde vai ter possibilidade de ter uma fratura. É um desafio, mas a gente pode orientar o que pode ser feito sem causar danos. Em 2024, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou um guia com recomendações específicas sobre atividade física para crianças e adolescentes com deficiência. Entre as diretrizes, estão: avaliação multidisciplinar antes do início da prática, estabelecimento de metas realistas e individualizadas, integração com a comunidade escolar e familiar e monitoramento contínuo de riscos e benefícios. Apesar das evidências favoráveis, os desafios são grandes. Um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelou que apenas 12% dos adolescentes com deficiência no Brasil participam regularmente de atividades físicas fora do ambiente escolar. Entre os principais obstáculos estão: falta de infraestrutura acessível, escassez de profissionais capacitados em educação física inclusiva, atitudes capacitistas em ambientes esportivos e baixa oferta de programas específicos em escolas públicas. A Escola Paralímpica de Esportes é uma das iniciativas que buscam mudar essa realidade. As atividades da escola tiveram início em 2018, como parte da Coordenação de Desenvolvimento Escolar do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que tem como objetivo criar metas e projetos voltados para crianças e adolescentes com deficiência. Hoje, o projeto promove a iniciação esportiva de crianças e adolescentes com deficiência física, visual e intelectual, com idades entre 7 e 17 anos, e oferece 15 modalidades paralímpicas. São elas: atletismo, badminton, bocha, esgrima em cadeira de rodas, futebol de cegos, goalball, halterofilismo, judô, natação, rúgbi em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, tiro com arco, triatlo e vôlei sentado. — A gente percebe que essa oportunidade de oferecer atividade física aos nossos alunos passa a ser muito importante, não só do ponto de vista de formar novos atletas paralímpicos, mas também em ajudá-los no seu desenvolvimento. Vemos que eles tornam mais confiantes e independentes — conta Ramon Pereira, diretor de Desenvolvimento Esportivo do CPB. Pereira conta a história de um aluno que chegou à escola em cadeira de rodas, “não pela impossibilidade de andar, mas porque a mãe e o hospital achavam que ele não ia poder andar”. — Ele começou a fazer natação e em menos de dois meses, largou a cadeira de rodas e começou a se deslocar sozinho e a realizar outras atividades que antes precisava de ajuda, por conta própria. A gente não faz milagre aqui, mas eles se sentem mais confiantes até para serem mais independentes. A escola do CPB fica em São Paulo. Mas existem 83 centros, espalhados pelo Brasil, nos mesmos moldes do centro de São Paulo. A expectativa é chegar a 123 centros no ano que vem. — Na escolinha e nos centros, a gente tem várias etapas que as crianças e adolescentes tem que passar, que incluem brincar, aprender e, por fim, treinar, para os que querem de fato competir e talvez seguir uma carreira no esporte — diz Pereira. Uma preocupação, por exemplo, é fazer os alunos, em especial os mais jovens, a praticarem diversas modalidades, em sistema de rodízio. E só ao fim do processo, escolher um esporte específico para seguir com o treinamento. Nessa escolha, é considerada tanto a aptidão do aluno quanto sua vontade. Sendo que a última é a que prevalece. — Atendemos quase 10 mil crianças e adolescentes. Destas, uma pequena porcentagem, talvez 50, se tornarão atletas em alto rendimento. Mas o mais importante para nós é dar a oportunidade da prática esportiva. De mostrar para eles que eles são capazes e que a prática do esporte e da atividade física, se torne um hábito para a vida toda — ressalta Pereira. Erick de Jesus é atleta do rugby em cadeira de rodas O Globo/Egberto Nogueira/ímãfotogaleria Erick de Jesus Silva, de 17 anos, é outro jovem atleta do CPB, que acabou mudando de modalidade. Ele começou em 2023, no tênis de mesa, que era um esporte que ele já praticava e com o qual tinha uma afinidade. Mas em uma das trocas de modalidade da escola, ele conheceu o rúgbi de cadeira de rodas e foi paixão imediata. — Gosto de esporte com contato, de luta, como muay thai e jiu-jítsu. Quando descobri que no rúgbi tinha contato entre as cadeiras, meu olho brilhou, o coração falou mais alto e decidi trocar de modalidade — conta. Assim como Letícia, o jovem usa a cadeira apenas durante a prática do esporte. Mesmo há pouco tempo na modalidade, Erick já é atleta da seleção brasileira de rúgbi e do Ronins, primeiro time na capital paulista. Durante a infância e adolescência, Erick já praticou outros esportes, como futsal, e nunca deixou a difidência limitá-lo. — Sempre fui competitivo e mesmo ao jogar contra pessoas sem deficiência, eu me esforçava bastante e às vezes me sobressaía ou me igualava. O esporte me ensinou a ser companheiro, a ter empatia e responsabilidade. E dentro do esporte, a gente encontra pessoas que nos ajudam muito, dentro e fora de quadra.