Quadro roubado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e procurado há décadas estaria na Argentina

De acordo com informações divulgadas na segunda-feira (25) pelo jornal holandês Algemeen Dagblad (AD), uma pintura desaparecida desde a Segunda Guerra Mundial foi localizada na Argentina, pendurada na parede de uma casa no litoral atlântico do país. Trata-se de "Retrato de Dama", do artista italiano Giuseppe Ghislandi (1655–1743). O quadro havia sido confiscado da galeria do comerciante de arte judeu Jacques Goudstikker em Amsterdã durante a ocupação nazista. Por mais de oito décadas, o paradeiro da obra foi incerto: o último registro datava de 1946, quando estava em posse de um alto funcionário alemão que havia fugido após a derrota do Terceiro Reich. Sucesso mundial: 'Guerreiras do K-Pop' conquista crianças e suas famílias: 'Você começa a dançar', diz mãe Você conhece um 'homem performático'? Procure pelos que usam ecobags, Labubus e têm inclinação feminista Embora o jornal de Roterdã não tenha especificado a cidade onde a obra foi encontrada, menciona que o imóvel estava à venda na imobiliária Robles Casas & Campos. Por sua vez, o jornal La Capital de Mar del Plata informou que se trata de uma casa no bairro Parque Luro. O jornal argentino La Nación entrou em contato por telefone com a imobiliária, mas esta afirmou desconhecer os detalhes do caso. Segundo foi divulgado, o achado foi acidental. Jornalistas do AD, com o apoio do investigador aposentado Paul Post, identificaram a obra em fotos publicadas no site da imobiliária de Mar del Plata — imagens que já não estão mais disponíveis. Em uma das fotos do interior da casa, acima de um sofá verde, o quadro podia ser claramente identificado. Ainda segundo o jornal holandês, o imóvel pertenceria a uma das filhas de Friedrich Kadgien, um alto burocrata nazista que fugiu da Europa após a guerra e se estabeleceu em Buenos Aires, onde morreu em 1978. The Police: ex-companheiros de banda declaram guerra a Sting por direitos autorais não pagos Kadgien fez parte da estrutura de poder do Reich como colaborador próximo de Hermann Göring, marechal e um dos maiores saqueadores de arte do Terceiro Reich. Segundo documentos do pós-guerra, Kadgien participou dos planos econômicos que financiaram a máquina de guerra nazista, incluindo a confiscação de diamantes de comerciantes judeus em Amsterdã. Com a derrota iminente em 1945, fugiu para a Suíça levando consigo dinheiro, pedras preciosas e pelo menos duas pinturas. Lá, foi interrogado por militares americanos, que o descreveram em um relatório como "uma cobra da pior espécie", atribuindo-lhe uma fortuna escondida. Depois seguiu para o Brasil e, em seguida, para a Argentina, onde reconstruiu sua vida. Registro de “Retrato de uma dama”, do pintor italiano Giuseppe Ghislandi (1655–1743), e o quadro pendurado na sala de estar da casa de uma das filhas de Friedrich Kadgien La Nacion A herança do galerista Goudstikker A reportagem do jornal holandês relata que Jacques Goudstikker foi um dos principais comerciantes de arte dos Países Baixos antes da guerra. Judeu, fugiu logo após o início da invasão alemã, mas morreu acidentalmente a bordo do navio no qual tentava escapar com a família. Sua esposa e filho conseguiram chegar aos Estados Unidos, levando consigo um caderno no qual ele havia registrado detalhadamente mais de 1100 obras da galeria. Essa documentação foi essencial para rastrear, anos depois, o destino de parte da coleção. “Após sua morte, o inventário completo foi adquirido por preços irrisórios por oficiais nazistas. Entre os compradores estava Göring, que fez do saque à galeria de Goudstikker uma das maiores operações de apropriação de arte da época. O caso se tornou, décadas depois, um símbolo da luta pela restituição de bens culturais roubados”. Hoje, a família Goudstikker continua essa batalha. Marei von Saher, nora do galerista, lidera os processos legais há mais de 25 anos. “O objetivo da minha família é recuperar cada peça roubada e restituir o legado de Jacques”, afirmou recentemente ao AD. Uma obra de valor histórico O retrato agora redescoberto representa a condessa Colleoni e foi pintado por Ghislandi, um retratista do norte da Itália ativo no final do século XVII e início do XVIII. Obras suas integram coleções de museus como o Rijksmuseum, em Amsterdã. Embora seu valor econômico exato seja difícil de estimar, especialistas ressaltam a importância histórica e cultural do achado. Consultados pelo AD, dois especialistas da Agência de Patrimônio Cultural dos Países Baixos, Annelies Kool e Perry Schrier, afirmaram que as fotos coincidem com as descrições da obra desaparecida. “Não há motivos para acreditar que se trata de uma cópia. As proporções e as cores coincidem com as informações que temos. Uma verificação definitiva poderia ser feita examinando o verso da tela, onde geralmente há etiquetas ou selos que confirmam a procedência”, disseram ao jornal. Disputa por restituição pode ser longa A descoberta abre um novo capítulo na longa disputa pelas obras que pertenceram ao galerista Goudstikker. Embora os herdeiros planejem entrar com um pedido de restituição da pintura, o processo pode ser demorado e complexo, já que a obra está em posse de particulares. “Quando o proprietário se recusa a devolver voluntariamente a peça, o caminho judicial costuma ser longo e difícil”, explicam especialistas em patrimônio. Segundo o jornal de Roterdã, até o momento, a filha de Kadgien evitou dar explicações. Inicialmente, respondeu pelas redes sociais que não conhecia a obra em questão e, depois, ao ser questionada por escrito, alegou “falta de tempo” antes de encerrar a comunicação. Possível segundo achado O retrato de Ghislandi não foi o único indício. Em redes sociais, uma das irmãs Kadgien publicou uma foto que mostra o que parece ser uma natureza morta floral do pintor holandês Abraham Mignon, do século XVII. Essa obra também consta como desaparecida nos registros da Agência de Patrimônio Cultural. Sua origem exata ainda não foi determinada, mas há hipóteses de que ela tenha chegado a Kadgien por meio de trocas entre colecionadores nazistas após a morte de Goudstikker. O caso reacende o debate sobre o destino das obras saqueadas pelo regime nazista, muitas das quais permanecem espalhadas em coleções privadas ao redor do mundo. Neste caso, o aparecimento em uma casa argentina demonstra até que ponto o tráfico de bens culturais atravessa gerações e fronteiras.