Paulo Uchoa ( foto ) é diplomata de carreira e hoje ocupa a posição de embaixador do Brasil junto ao Reino da Arábia Saudita e, cumulativamente, junto à República do Iêmen. Nascido e criado em Brasília, é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Cultura Comparada pela Universidade Sophia, em Tóquio, no Japão. Diplomata há 31 anos, teve passagens pelo Consulado-Geral do Brasil em Nova York e pelas embaixadas do Brasil em Beirute, Bagdá, Havana, Oslo, Paris, Riade e Kinshasa, onde foi embaixador por cinco anos. Durante seu trabalho no Brasil, além do Itamaraty, foi cedido para atuar no Governo do Distrito Federal, no Senado Federal e também na Presidência da República. Quais novos projetos e estratégias o senhor pretende implementar para fortalecer as relações entre Brasil e Arábia Saudita? Brasil e Arábia Saudita são parceiros há quase 60 anos, com interesses políticos, econômicos e comerciais altamente convergentes. A relação bilateral é positiva e livre de contenciosos. As trocas comerciais são sólidas e bem estabelecidas. Além de manter o fluxo de cooperação nessas áreas, quero trabalhar para aumentar a exposição cultural brasileira no país. Os sauditas nos conhecem principalmente pelo futebol e pelo carnaval, mas desejo que também nos conheçam por meio do nosso poder brando em áreas como arte contemporânea, gastronomia, cinema, moda e turismo. Há grande receptividade à marca Brasil aqui, em todos os sentidos, e isso representa uma oportunidade única de fortalecer ainda mais essa conexão cultural e diplomática. Como foi a adaptação inicial à cultura política e social da Arábia Saudita nessas primeiras semanas? Eu já havia morado em Riade no passado, como jovem diplomata. Fui tomado por um forte sentimento de regresso e não de chegada. Mais do que nunca, a Arábia Saudita atravessa um momento de muita euforia em sua história, período esse impulsionado por uma situação econômica muito favorável e pela liderança política renovada e revigorada. Os sauditas são muito calorosos e abertos ao contato, tão sociáveis quanto os brasileiros. A capital Riade e as outras localidades do país vêm conhecendo transformações importantes em suas realidades. Minha adaptação foi imediata. Quais têm sido os principais desafios diplomáticos nesse trânsito entre Brasília e Riade? A pauta de temas bilaterais e regionais é extensa e intensa. Somos uma Embaixada ainda pequena. O grande desafio será acompanhar e atuar perante toda a demanda que recebemos no dia-a-dia. Estou seguro, entretanto, que com dedicação e esforço e com a valiosa ajuda de todos os meus colaboradores na Embaixada, vamos conseguir um excelente desempenho. Que oportunidades estratégicas para cooperação o senhor já identificou na Arábia Saudita? As oportunidades na Arábia são praticamente ilimitadas. Nossa participação na segurança alimentar da Arábia Saudita, especialmente por meio de empresas brasileiras produtoras de proteína animal, é altamente admirada e reconhecida pelo governo e pela sociedade saudita. Além disso, há potencial em diversas outras áreas, como aviação e a construção civil, através da exportação de materiais de construção, e defesa. Essas oportunidades destacam o potencial de fortalecimento e expansão das relações comerciais e estratégicas entre os dois países. Como avalia o atual momento econômico saudita e como o Brasil pode se inserir de forma mais efetiva? Em razão da riqueza vinda da exploração do petróleo, o país conhece momento particularmente próspero de sua trajetória. O governo adotou um ambicioso programa de transformação da sociedade chamado de Visão 2030, com metas em um grande número de atividades. A associação com países estrangeiros é essencial para a realização dos objetivos do programa. O governo e parte do empresariado brasileiro estão cientes do plano de metas e há uma série de iniciativas que procuram trazer negócios, conhecimento e tecnologia brasileiros para a Arábia Saudita. Quais áreas como energia, agronegócio, educação ou cultura têm maior potencial para expansão nas relações bilaterais? Toda e qualquer área de atuação encontra ambiente favorável para expansão na Arábia Saudita. É preciso, entretanto, que os agentes de governo e os empresários atuem com perseverança e criatividade, guiados por um senso estratégico bem definido. De que maneira pretende fortalecer o poder brando do Brasil junto à sociedade saudita? Quero encontrar instituições parceiras que se interessem por organizar exposições de artistas brasileiros, festivais gastronômicos, mostras de cinema e apresentação de trabalhos de estilistas brasileiros. Como são articuladas as relações diplomáticas cumulativas com o Iêmen, especialmente diante do quadro regional? As relações com o Iêmen estão praticamente congeladas em função da extensa e loga guerra civil que aflige esse lindo país, muito rico culturalmente. O Brasil, como um dos maiores contribuidores do orçamento regular das Nações Unidas, do orçamento de missões de paz das Nações Unidas e das agências humanitárias do sistema ONU, é membro atuante dos esforços multilaterais para estabilizar o país para que se possa pensar em um plano de reconciliação nacional, reconstrução e desenvolvimento. Que experiências de sua carreira têm sido mais úteis nessa missão atual? Sou diplomata há 31 anos. Cada experiência, cada posto, cada etapa conduz, sempre, a uma melhora na atuação profissional como um todo. É difícil separar ou segmentar. Pode compartilhar alguma iniciativa concreta ou evento de cooperação programado para os próximos meses nessa missão? Gostaria muito, e já estou trabalhando para isso, de poder trazer uma mostra itinerante da Bienal de São Paulo, em 2026, para a Arábia Saudita. Para tanto, venho mantendo contato com Antônio Lessa, superintendente da Bienal e amigo, e Kelly Amorim, minha amiga de tantas décadas de Brasília, que é, também, conselheira da Fundação Bienal. Como o senhor avalia o simbolismo de ser o primeiro embaixador brasileiro nascido em Brasília, cidade que representa a diplomacia e a integração nacional? Esse título, de primeiro embaixador nascido em Brasília, eu ganhei em 2013, quando me tornei embaixador do Brasil na República Democrática do Congo. Como um bom e fiel brasiliense, fico feliz que o destino tenha me reservado esse privilégio. O convívio, na adolescência e juventude em Brasília, com filhos de estrangeiros e brasileiros ligados à diplomacia influenciou sua escolha pela carreira diplomática? Muito. Meus primeiros contatos com diplomatas e filhos de diplomata foram nos anos 1970, quando meu irmão Alexandre e eu praticávamos hipismo na Sociedade Hípica de Brasília, um clube que sempre congregou parte da comunidade diplomática da cidade. Tive, também, muitos amigos de colégio e de universidade, filhos de diplomatas brasileiros. E, antes de me tornar diplomata, frequentei muito eventos em embaixadas estrangeiras em Brasília. Todo esse contato me fez ver que a profissão se encaixava no que eu via ser minha vocação. Sua trajetória mostra também engajamento com causas sociais. Pode nos contar sobre iniciativas nesse campo e como pretende conectá-las à sua missão diplomática? Passei grande parte dos meus anos como diplomata no exterior em países em guerra ou em período pós-guerra: Timor Leste, Líbano, Congo, Iraque. Nesse tipo de posto, os problemas sociais são muito visíveis e exigem atenção e consertação da sociedade internacional. Em cada um deles, procurei identificar causas que me interessassem e para as quais eu poderia deixar uma contribuição. A melhor e mais gratificante das minhas experiências foi a criação do programa Capoeira pela Paz, hoje o Gingando pela Paz, no leste da República Democrática do Congo. Em parceira com a entidade monegasca AMADE, presidida pela princesa Caroline de Mônaco, grande amiga do Congo, de sua gente e de sua cultura, trouxemos de volta para a África a capoeira brasileira, que é de origem africana. O projeto existe até hoje e já beneficiou milhares de crianças egressas de situações de conflito ativo, as chamadas crianças-soldados. Fotos: JP Rodrigues/Jornal de Brasília e Arquivo Pessoal