Suspeita de corrupção: livro conta detalhes da vida de Karina Milei e explica a ascensão ao poder de irmã do presidente

No final do ano passado, um livro fez tremer as prateleiras das livrarias de Buenos Aires com uma pergunta essencial para entender o vínculo entre o presidente da Argentina, Javier Milei, e sua irmã, Karina, há um ano no comando da Secretaria-Geral da Presidência e, agora, suspeita de envolvimento em escândalo de corrupção: “Existiria Javier sem Karina?”. O vazamento de áudios sobre um suposto esquema de subornos na Agência Nacional de Deficiência (Andis, na sigla em espanhol) envolvendo Karina provocou uma verdadeira tsunami política, com impacto negativo no mercado (a bolsa caiu e o dólar subiu) e, segundo analistas locais, um potencial custo político nas urnas. Análise: Em pânico, Milei teme mais vazamentos Ato falho: Frase de Milei em comício vira munição para oposição na Argentina em meio a suspeita de corrupção Isso tudo faz com que o governo viva dias de forte tensão, em meio a um clima de preocupação por sinais negativos em matéria econômica e faltando poucos dias para a eleição legislativa de 7 de setembro na província de Buenos Aires — onde vive um terço do eleitorado —, e menos de três meses para as Legislativas nacionais, de 26 de outubro. Ao participar de um evento eleitoral de seu partido na noite de segunda-feira, Milei evitou abordar o tema. Os irmão ainda não se manifestaram oficialmente. Os veículos de imprensa locais divulgaram nesta semana novos áudios do ex-diretor da Andis, Diego Spagnuolo, até pouco tempo muito próximo de Milei, nos quais o ex-funcionário faz revelações sobre uma denúncia que já está sendo investigada pela Justiça. Em paralelo, Karina poderá ser convocada para dar explicações sobre o escândalo no Senado, onde o partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), não tem sequer uma cadeira. O que diz o livro sobre Karina Milei? Depois de ler a biografia não autorizada da mulher que o presidente argentino chama de “chefe”, escrita pela jornalista argentina Victoria De Masi, a resposta é um taxativo “não”. O economista, que no passado foi goleiro, cantor de rock, assessor de empresários e políticos e frequentador assíduo de programas de debate na TV, não teria chegado à Casa Rosada sem Karina, hoje a mulher mais importante da política argentina. Em cada uma das etapas da vida de Milei, sua irmã foi “sua sombra”, diz a autora de “Karina. A irmã. A chefe. A soberana” (editora Sudamericana). Nos anos de goleiro, Karina assistia a todos os jogos. Na fase de cantor de rock, preparava seu figurino, entre outras funções. Quando o presidente se tornou uma celebridade midiática e chegou ao teatro com a peça “O consultório de Milei”, sua irmã fez o papel de secretária, ajudou a produzir o espetáculo e era a encarregada de arrecadar o dinheiro dos ingressos — exigindo do produtor principal, o ator e ex-deputado Nito Artaza, até o último centavo. Initial plugin text Enquanto Milei crescia como economista, sempre acompanhado por Karina, a irmã do chefe de Estado estudou Relações Públicas, Cerimonial e Protocolo, decoração de bolos e, na tentativa de ajudar o irmão a superar a perda de Conan, um dos cachorros de Milei que morreu há alguns anos — ninguém sabe a data exata da morte — fez cursos sobre comunicação com animais vivos e mortos. No livro, De Masi relata seu encontro com a especialista procurada por Karina, chamada Celia Melamed, e afirma que “talvez por curiosidade, talvez para aliviar o sofrimento do irmão, Karina quis aprender a contactar Conan”. “O cachorro enviaria mensagens que Karina poderia transmitir a Milei. Assim, ela garantia a seu irmão uma linha direta com Conan e com o número 1, Deus”, diz um trecho do livro. — Milei precisa de Karina para as coisas básicas da vida. Ouvi relatos de pessoas contando que, em alguns momentos, ela chega, até mesmo, a cortar sua comida — afirma De Masi. — Karina encontrou em Javier uma forma de habitar o mundo. Dependência emocional Nascidos numa família de classe média argentina, com um pai que, segundo contou o próprio Milei, foi violento com o presidente em sua infância e adolescência, os irmãos, que nunca se casaram nem tiveram filhos, se tornaram, desde o início de suas vidas, uma dupla inseparável. E assim permanecem até hoje. — Se Milei tem alguma dúvida, sobre qualquer tema, e Karina diz “não”, a resposta é “não” — aponta a jornalista, que entrevistou dezenas de pessoas que conhecem a mulher mais influente da política argentina, ocupando um lugar que, durante mais de 20 anos, pertenceu à ex-presidente Cristina Kirchner. A diferença entre ambas é que Karina nunca entendeu de política — e nunca sonhou viver disso. No livro, Victoria conta que tudo mudou quando a irmã de Milei percebeu que ele era um produto valioso para a mídia e o mundo empresarial. Karina assumiu o controle total da agenda do economista, da administração de suas finanças e, basicamente, de sua vida. Foi a principal promotora de sua candidatura a deputado, em 2021, e a presidente, em 2023. Quando Milei fala sobre Karina em público se emociona, chegando às lágrimas. Milei chega com Karina à missa no Vaticano onde encontrariam o Papa Francisco, em fevereiro; segundo fontes, presidente nunca contraria irmã, mesmo que não esteja de acordo Filippo MONTEFORTE/AFP A dependência emocional do presidente em relação à mulher que tem o controle absoluto do governo argentino é enorme. Quando os irmãos brigam, comenta De Masi, a secretária-geral da Presidência “pode passar dias sem falar com Milei e, normalmente, ganha as discussões”. Quando qualquer pessoa pede algo ao presidente, a resposta costuma ser, há décadas, “fale com Kari”. “Karina nunca ocupou a sala do secretário-geral da Presidência. Preferia a de seu irmão, o escritório presidencial. Até que se instalou na sala que corresponderia ao chefe de Gabinete, localizada ao lado da sala do presidente. Não existe maneira de se encontrar com Milei sem que Karina fique sabendo”, conta a jornalista no livro. — Karina não tem expertise política, inteligência ou genialidade alguma. Pelo menos não da forma que nós poderíamos imaginar. Não na lógica da política tradicional. Ela é símbolo de uma nova época, seu foco são os jovens de menos de 30 anos, que foram cruciais para a vitória de Milei — explica De Masi. Hoje, diz a jornalista, as grandes metas da irmã do presidente argentino são consolidar o partido A Liberdade Avança no país, e projetar a imagem de seu irmão no mundo. Há duas semanas, a secretária-geral da Presidência, principal acompanhante de Milei na cúpula do G20 no Rio, visitou São Paulo, onde se reuniu com investidores e foi condecorada pelo governador Tarcísio de Freitas. A campanha destinada a tornar Milei uma celebridade global está a todo vapor. — O governo não faz políticas públicas. O que Karina quer é colocar o nome do irmão no mundo e fortalecer o partido, para não depender de alianças. Ela comprovou que não é necessária uma mente brilhante para chegar ao poder — diz a jornalista. Mais que primeira-dama Karina pode parecer uma primeira-dama, mas é muito mais do que isso. Na campanha de 2023, De Masi disse ter percebido que os eleitores de Milei eram “empreendedores, jovens preocupados com a violência, e mulheres que se opunham à legalização do aborto”. Ali, o discurso de Milei penetrou com uma força inesperada para muitos, mas não para sua irmã, que sempre disse acreditar que ele seria presidente. — Karina não fez cálculos políticos, ela estava ali no momento certo. Muitas vezes, a irmã de Milei recorre a métodos alternativos, como tarô, em sua vida diária. Mas De Masi diz não poder afirmar se eles são usados na hora de tomar decisões de Estado. Já se ouviram muitos boatos sobre a utilização das cartas para definir a permanência ou não de um colaborador do presidente, mas a autora da biografia de Karina não conseguiu provar esses rumores. Constatou, sim, “que ela provoca medo nas pessoas, as intimida”. — Quando Karina não gosta de alguém, essa pessoa cai em desgraça. Ela tem uma imagem muito negativa, é vista como má, como a chefe malvada. Nunca fala, não dá entrevistas, e está cercada de pessoas da sua mais absoluta confiança. Javier Milei e a vice-presidente Victoria Villarruel durante a cerimônia de posse ALEJANDRO PAGNI / AFP Uma das pessoas que Karina nunca tolerou é a vice-presidente Victoria Villarruel. A relação entre ambas sempre foi tensa, segundo a jornalista, porque “Karina detectou de cara as ambições de poder da vice”. — Como Victoria não pode ser demitida, simplesmente foi anulada. Milei e Karina são uma empresa, uma sociedade anônima. Hoje, uma sociedade política.