De vilã odiada à simpatia do público, novo olhar sobre Odete Roitman retrata as mudanças no comportamento feminino

De vilã odiada nos anos 1980 a figura quase admirada em 2025, Odete Roitman revela como a psicanálise ilumina as mudanças do olhar social sobre o feminino. A personagem da novela Vale Tudo permanece a mesma: autoritária, fria, sem concessões. O que se transformou foi a maneira como a enxergamos. Freud, no livro Psicologia das Massas e a Análise do Eu, já havia descrito como os ideais coletivos funcionam como régua de aceitabilidade. Aquilo que escapa a esse ideal é rejeitado, expulso, odiado. Foi exatamente o que aconteceu em 1988. Na primeira versão da novela, a mulher sem docilidade, sem sorriso complacente, que exercia poder sem pedir licença, parecia intolerável. O ódio contra Odete funcionava como um mecanismo de defesa social. Nela se projetava aquilo que não se aceitava nas mulheres reais. Sua morte, então, foi mais do que um clímax de novela: foi catarse coletiva, punição exemplar à transgressão dos papéis de gênero. Mas a teoria psicanalítica nos ensina que os significantes mudam de lugar. Lacan sublinha que o sujeito não tem essência, mas se constitui no campo do Outro, esse grande olhar social que organiza os lugares possíveis de cada um. E o Outro de 1988 não é o mesmo de 2025. O que antes se lia como arrogância, agora pode ser celebrado como autonomia. O que parecia crueldade pode ser entendido como assertividade. A mesma recusa em sorrir, que antes soava como frieza, agora pode ser vista como foco e autocontrole. Não foi Odete Roitman quem mudou, mas o regime simbólico que sustenta sua leitura. O termo “mulher poderosa” deixou de ser insulto e tornou-se aspiração. Em um tempo em que independência e autossuficiência femininas se legitimaram como conquistas, a personagem outrora odiada retorna como ícone de potência. Nova versão de Odete Roitman em "Vale Tudo" Reprodução/Divulgação Esse deslocamento nos lembra que o desejo, para a psicanálise, é sempre desejo do Outro. Desejamos e odiamos não apenas por escolhas íntimas, mas porque somos atravessados pelos ideais da época. Se hoje muitos se veem em Odete, é porque a ambição feminina já não precisa mais ser recalcada como monstruosidade. Pode ser, enfim, reconhecida como possibilidade de existir. A ficção, nesse sentido, é reveladora. Não apenas entretém, mas encena as mutações de nossos ideais, nossos limites, nossos recalques. Odete é a mesma, mas o Outro que a olha mudou. É por isso que, ao revisitá-la, reconhecemos não só uma personagem inesquecível, mas também a história de nossas próprias transformações. Talvez seja esse o segredo da permanência de certas figuras: elas atravessam épocas porque falam do que não se fixa, do que se desloca em nós. Odete Roitman, de vilã odiada a quase admirada, mostra que o que chamamos de destino de um personagem é, na verdade, o espelho móvel de nosso próprio desejo.