Artigo: campanha de Israel em Gaza está transformando o país em um Estado pária

Deixarei para os historiadores debaterem se Israel está cometendo genocídio na Faixa de Gaza. Mas o que está absolutamente claro para mim neste momento é que este governo israelense está cometendo suicídio, homicídio e fratricídio. Está destruindo a reputação de Israel no mundo, está matando civis em Gaza sem aparentemente se importar com vidas humanas inocentes e está dividindo a sociedade local e os judeus do mundo, entre aqueles que ainda querem apoiar Israel a qualquer custo e aqueles que não conseguem mais tolerar, explicar ou justificar para onde este governo está levando o Estado judeu — e agora querem se distanciar dele. 'Crimes de guerra': Brasil condena novo ataque de Israel a Gaza e defende investigação internacional Cobertura independente barrada: Guerra em Gaza e controle de informação militar desafiam jornalismo em Israel Fiquei impressionado com este parágrafo da reportagem do The New York Times de segunda-feira sobre os ataques israelenses a um hospital no sul de Gaza, que mataram pelo menos 20 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza — incluindo cinco jornalistas que trabalhavam para veículos de comunicação internacionais, além de médicos e várias outras pessoas: “As Forças Armadas israelenses disseram que realizaram um ataque na área do Hospital Nasser, sem dizer qual era o alvo. O comunicado disse que as forças armadas lamentavam 'qualquer dano a indivíduos não envolvidos', acrescentando que seu chefe de gabinete havia ordenado uma investigação imediata.” Obviamente percebendo que muitas pessoas ao redor do mundo ficaram chocadas com essa explicação — afinal, quantas vezes já ouvimos isso? —, o gabinete do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu emitiu uma rara declaração de arrependimento, dizendo que “Israel lamenta profundamente o trágico acidente”. A verdade, porém, é que o que Netanyahu chamou de “trágico acidente” é o subproduto inevitável de sua política de prolongar a guerra em Gaza para permanecer no poder, evitar julgamentos criminais e também qualquer comissão de inquérito israelense sobre sua profunda cumplicidade no fracasso em impedir o ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro de 2023. Para ele permanecer no poder, precisa do apoio de ministros de extrema direita, como Bezalel Smotrich, que está empenhado em cobrir a Cisjordânia com o maior número possível de assentamentos judeus para impedir que qualquer Estado palestino surja lá. Smotrich também está incentivando a expulsão de palestinos da Cisjordânia e de Gaza, a fim de abrir caminho para que Israel absorva ambas as regiões. Initial plugin text Mas eis o problema: Israel já devastou o Hamas como força militar e matou praticamente todos os seus principais comandantes que planejaram o ataque de 7 de outubro. Portanto, agora, para justificar a continuação do esforço de guerra, deve perseguir comandantes de nível inferior, que vivem e se escondem entre civis. Uma coisa é um país em guerra justificar danos colaterais ao perseguir os principais líderes do inimigo. Outra, totalmente mais sinistra, é matar e ferir dezenas de civis para tentar matar, digamos, o vice do vice-comandante. Também é desonesto e sinistro usar as forças armadas para transferir centenas de milhares de civis palestinos de uma parte de Gaza para outra — sob o pretexto de evacuá-los das zonas de combate — e depois demolir deliberadamente as casas que eles deixaram para trás, sem nenhuma razão militar real. Mas com o claro motivo oculto de tornar a vida tão miserável para eles que acabem por abandonar completamente a área. E é vergonhoso quando você interrompe e retoma a ajuda humanitária, na esperança de que as pessoas fiquem com fome o suficiente para partir. Mas, como eu disse, isso não é apenas homicídio puro e simples; é também suicídio e fratricídio. Israel está agora a caminho de se tornar um Estado pária — a ponto de os israelenses pensarem duas vezes antes de falar hebraico quando viajam para o exterior. Saiba mais: Guerra entre Israel e Hamas faz 2024 bater recorde de ano mais mortal para jornalistas Por que o mundo está se unindo contra Israel? Injusto, diz o governo israelense. O mundo parece ter esquecido, argumenta, que o Hamas assassinou cerca de 1.200 pessoas; sequestrou cerca de 250, incluindo mulheres, crianças e idosos; e ainda mantém alguns vivos em condições desumanas em túneis e outros locais em Gaza. A liderança do Hamas poderia ter acabado com todo esse sofrimento concordando em deixar o enclave e libertar todos os seus reféns. Ao perpetuar essa guerra, o Hamas também se envolveu em seus próprios crimes hediondos — o assassinato de reféns israelenses e o sacrifício humano de milhares de palestinos em nome dos sonhos insanos do Hamas. Tudo isso é verdade — e relevante. Então, por que o mundo está se unindo contra Israel agora? Porque exige de Israel um padrão mais elevado do que do Hamas, porque Israel sempre se manteve em um padrão mais elevado. Também porque o mundo agora consegue distinguir entre uma guerra travada pela sobrevivência do Estado judeu e uma guerra travada pela sobrevivência política de seu primeiro-ministro. E, finalmente, porque o mundo não pode mais ignorar, como fez durante meses, a perda de vidas civis palestinas em Gaza como um subproduto inevitável de uma guerra na qual — esperava-se — Israel estava tentando expulsar o Hamas de Gaza e substituí-lo por uma força árabe de manutenção da paz em parceria com a Autoridade Palestina. Esta que reconheceu Israel e poderia, se reformada, ser uma parceira para uma solução de dois Estados. 'Apoiador do Hamas': Ministro da Defesa de Israel chama Lula de antissemita em meio a crise diplomática Mudança de paradigma: Recrutamento de israelenses ultraortodoxos para a guerra em Gaza causa revolta e ameaça coalizão de Netanyahu Mas como Netanyahu deixou bem claro que se recusa a permitir que Gaza seja governada pelo Hamas ou pela Autoridade Palestina, a guerra parece cada vez mais o que realmente é: uma batalha para estender a ocupação de Israel da Cisjordânia a Gaza. Assim, parece para muitos ao redor do mundo que civis palestinos estão sendo mortos às dezenas, quase diariamente, como consequência inevitável não de uma guerra justa pela sobrevivência de Israel e uma tentativa de produzir um parceiro palestino melhor em Gaza, mas sim de um esforço para garantir que Israel não tenha nenhum parceiro palestino em Gaza. É de se admirar que Israel esteja perdendo tantos amigos ao redor do mundo — bem como potenciais parceiros regionais, como a Arábia Saudita — para quem isso está se tornando óbvio? Quanto ao fratricídio, se esta guerra continuar assim, vai dividir muitas, muitas sinagogas em todo o mundo durante as festas judaicas deste ano — entre aqueles que sentem a necessidade de apoiar Israel, certo ou errado, e aqueles que simplesmente não suportam mais o comportamento terrível deste governo israelense em Gaza, especialmente quando veem centenas de milhares de israelenses indo às ruas contra este governo. Leia também: Manifestação em Israel exige acordo para libertação de reféns antes de reunião do Gabinete de Segurança Isso também vai dividir o Partido Democrata, nos Estados Unidos, entre aqueles que têm medo de desafiar o influente grupo de lobby israelense do Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel (AIPAC, na sigla em inglês), por medo de perder o financiamento de campanha para seus oponentes republicanos, e aqueles que simplesmente não aguentam mais. Infelizmente, se isso é suicídio geopolítico, como acredito, tornou-se suicídio assistido. Há uma pessoa que poderia parar tudo isso agora mesmo, e essa pessoa é o presidente Donald Trump. Espero estar errado, mas temo que — assim como Trump foi enganado pelo presidente russo Vladimir Putin para desistir de um cessar-fogo na Ucrânia e optar pela quimera da paz total — Trump tenha sido enganado por Netanyahu para desistir de um cessar-fogo em Gaza em busca da fantasia de Bibi de “vitória total”.