Em 35 anos de existência, o CEP 20.000 movimentou a cena cultural carioca colocando bandas, poetas e cantores iniciantes e consagrados para se apresentar juntos no mesmo palco. Criado pelos poetas Chacal e Guilherme Zarvos em agosto de 1990, o movimento celebra seu aniversário nesta quarta-feira (27), a partir das 18h, no Espaço Cultural Sérgio Porto, com aquilo que melhor o caracterizou: uma festa com microfone aberto e muita experimentação. Será a oportunidade de ver nomes que começaram no palco do CEP, como o ator e poeta Michel Melamed , a cantora Nina Becker e a poeta e performer Maria Rezende, e novíssimos talentos, como os poetas Italo Diblasi, Catarina Costa e Ágatha Kreisler. Mostra de São Paulo: Evento apresenta pôster assinado por Valter Hugo Mãe e terá première de 'O filho de mil homens' Leitura por prazer despenca nos EUA: estudo aponta queda de 40% em duas décadas — Acho que vai ser uma noite e tanto — diz Chacal, pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte. — A principal marca do CEP é a mistura. De gerações, de linguagens artísticas. Assim desde o primeiro. Há 35 anos vem dando certo, sempre com novas gerações chegando junto. O nome completo do CEP, Centro de Experimentação Poético, já escancara o objetivo do movimento, que surgiu logo após a implementação do Plano Collor, que confiscou a poupança dos brasileiros. — Foi uma frustação geral — lembra Chacal. — No plano artístico, o rock, absoluto nos anos 80, deu lugar ao sertanejo, com o agronegócio nascente. O desejo de criar era grande. Fora das tendências, do lugar comum. Essa fome fez o CEP vingar logo de cara. Um caldo cultural próprio para fomentar o distúrbio. O movimento, que misturava happening, performance e shows, começou com um evento chamado “Terças Poéticas”, na Faculdade da Cidade, na Lagoa, Zona Sul do Rio. Seu criador, o poeta Guilherme Zarvos, convidava grandes nomes da literatura brasileira como Ferreira Gullar, Antonio Houass, João Cabral de Melo Neto e Heloísa Teixeira. Guilherme Zarvos e Vitor Paiva durante apresentação no CEP 20.000 Daniel Zarvos No final de cada evento, Zarvos chamava ao palco uma garotada nova com pouquíssima experiência de palco. Essa turma na faixa dos 20 anos conhecia os autores de peso e, o pessoal mais velho, os novos talentos. Deu match. O conceito foi transferido em seguida para o Sergio Porto, sem a presença dos nomes de renome, mas mantendo a mistura de gerações. Remanescente da geração mimeógrafo, que consagrou a poesia marginal, o já experiente Chacal chegou trazendo a sua turma, como o cantor e compositor Fausto Fawcett e o poeta, letrista e artista-plástico Tavinho Paes. Jaguar: Cartunista terá cinzas jogadas em bares do Rio e de São Paulo; fundador do Pasquim foi cremado nesta segunda-feira (25) — Era a realização de algo que venho perseguindo desde as artimanhas da Nuvem Cigana, grupo multi-indisciplinado, que tirou a poesia do papel e a fez circular pelos olhos e ouvidos de muita gente, na segunda metade dos anos 70 — lembra Chacal. — A poesia se adequando às experiências tropicalistas e de outros países como a poesia beat e o rock nascente na América em meados dos anos 50, colocando o corpo pra jogo. Característica da poesia marginal, que falava seus poemas, divulgava no boca a boca e distribuía de mão em mão. Isso se reafirma no CEP, com a poesia uivada, com a publicação de cadernos, inventários, almanaques, livros feitos em casa. Celebrado autor de espetáculos como “Adeusàcarne ou Go To Brazil” e “Monólogo Público”, Michel Melamed vai voltar ao palco do CEP pela primeira vez em duas décadas no evento desta quarta-feira. Foi lá que ele iniciou sua carreira, aos 16 anos. — Estou curioso para ver a garotada falando poesia e música — diz Melamed, que também atuou em produções de TV como “Capitu” e “Cine Holliúdy” e filmes como "Vermelho russo". — O CEP é uma entidade, então imagino que a alma dele tenha seguido incólume nesse tempo. Minha expectativa é essa: uma emoção imensa. Luiz Gama: Com novos documentos, livro ilumina origens de herói abolicionista reforça hipótese de engajamento político de sua mãe, Luiza Mahin Melamed conta que ainda carrega o espírito do CEP em tudo que faz: — Eu continuo fazendo o CEP de outras maneiras, mas é essa coisa da integração de linguagens, de ter a palavra como centro detonador dos trabalhos, e isso é o que eu fiz minha vida toda até aqui, independentemente de serem espetáculos teatrais ou programa de televisão. Essa sempre foi minha visão: de que as coisas poderiam estar misturadas e deveriam estar misturadas as diversas linguagens, aos diversos gêneros e tudo surgindo da palavra. Outros grandes nomes da história do CEP se apresentam no aniversário de 35 anos, como Fausto Fawcett, Amora Pêra, Éber Inácio, Cabelo, e, claro, os criadores Chacal e Guilherme Zarvos. A parte musical começa com um show de Nina Becker e será encerrada por uma apresentação de Rogério Skylab. Além das apresentações, o CEP especial de 35 anos terá o lançamento de “Almanaque CEP 20.000 —XXXV — 1990 —2025”, do escritor, poeta e produtor cultural Vitor Paiva. A publicação conta a história do movimento, reunindo relatos de centenas de participantes e destacando seus momentos mais importantes, seus desdobramentos e personagens. — O CEP surge em um cenário de fim das utopias, um período do triunfo neoliberal, em que o mercado pautava tudo e, por isso mesmo, um tanto cínico — observa Paiva, ele próprio cria do movimento. — Nesse sentido, a intensidade como as pessoas do underground, da cena alternativa carioca, aderiram ao CEP, mostra que ele funcionou como um antídoto a tudo isso. É algo que mata a sede de quem não suporta mais o rigor do mercado. O êxito no CEP não é medido sequer pelas palmas, quanto menos pelo dinheiro. Em seu livro “CEP 20.000: Uma utopia falada”, lançado em 2023, Paiva já apontava a importância da informalidade no sucesso do grupo. — O imprevisto é parte fundamental, porque é um lugar de experimentação, e a experimentação é necessariamente afeita ao que só acontece naquela hora no palco — diz ele. — Apesar de ser um evento de sucesso, que lançou CD com 80 mil exemplares e teve um elenco inigualável de artistas, sempre teve dificuldade de fechar as contas. É um evento de baixíssima voltagem comercial, e isso faz com que ele sempre se sinta ameaçado, mas ao mesmo tempo é muito viável. E isso é parte da razão por ele se manter vivo e pulsante há 35 anos.