Enviado da COP30 explica trabalho contra as fakes news e descreve como atua o negacionismo climático

A COP 30 possui 29 enviados especiais que ajudam a estreitar os diálogos entre a presidência do evento e os setores específicos para os quais foram indicados, como sindicatos, setor privado, direitos humanos, energia e saúde. Pela primeira vez, na edição de Belém, a conferência terá um nome dedicado à chamada integridade da informação, para produzir campanhas de conscientização sobre a agenda climática e o combate a fake news sobre o tema. Desaparecido desde 2019: MPF cobra Ministério Público do Acre para localizar acervo de Chico Mendes Além da hospedagem, COP em Belém sofre com escassez de mão de obra e já 'importa' profissionais O cargo é ocupado por Frederico Assis, mestre em História Social pela USP e ex-assessor de Fernando Haddad durante sua gestão na prefeitura de São Paulo e na campanha presidencial de 2018. Com experiência em inteligência política para sustentabilidade, comunicação estratégica e gestão de crise, Assis integrou a assessoria especial da Presidência da República após trabalhar no enfrentamento à desinformação na campanha de 2022, e é presidente do conselho da EBC. No evento, “Vozes pelo Clima: Mídia, Ciência e Educação no Combate à Desinformação”, parte da série “Climate Talks – Diálogos Climáticos Brasil-Alemanha”, promovido pela Embaixada da Alemanha no Brasil, Assis explicou que hoje o negacionismo climático atua muito mais no questionamento de soluções do que na negação da ciência, já que as mudanças climáticas estão cada vez mais evidentes. Nesse cenário, ele aposta na interlocução com Big Techs, na promoção de informação confiável e na mobilização orgânica da população em prol dessa agenda. Qual a função dos enviados especiais? Cabe aos enviados especiais criar um canal de diálogo e fortalecer uma ponte entre os seus respectivos setores e a presidência da COP. Quase todos os temas estão contemplados na agenda de ação e muitos também serão trabalhados na negociação diplomática da Cúpula de Líderes. O tema da integridade da informação entrou pela primeira vez na agenda de ação, e a gente está num estágio de início de elaboração, envolvendo o governo, instituições multilaterais e sociedade civil internacional. Por que a COP terá um enviado especial de integridade da informação pela primeira vez? Esse tema é central, transversal e cada vez mais sensível. Todo o sucesso da agenda climática depende da garantia da promoção da integridade da informação. A COP tem quatro pilares: a Cúpula de Líderes, a negociação diplomática, a agenda de ação e a mobilização. Esse tema, por ser tão transversal, rebate nos outros pilares. O que sair, por exemplo, da negociação diplomática pode ser corroído, questionado, por narrativas informativas. Então a gente faz esse trabalho preventivo. E como funciona esse trabalho? Em primeiro lugar, manter diálogo constante com especialistas, acadêmicos e ativistas do campo da integridade da informação. Em segundo lugar, engajar as lideranças políticas, os movimentos sociais envolvidos com a causa, eventualmente pessoal da cultura, influenciadores, gente que fala com diversos públicos, né? Para manter esse tema aquecido no debate público de um lado, mas também para romper a bolha informacional e alcançar públicos diversos. Promover uma informação que seja confiável, mas também mostrar nesse sentido de educação midiática, inclusive, os riscos da desinformação num contexto mais abrangente. Como combater campanhas de desinformação? Eu tenho uma chave positiva que é a promoção da informação confiável e tem uma chave que é de combate a negacionismo e desinformação de maneira geral. Isso obviamente envolve campanhas de comunicação, ações de comunicação estratégicas, que a gente está atento. E como isso vai rebater depois que a negociação acontecer, como podem tentar manipular o que foi negociado e acordado. O diálogo com as Big Techs é importante? Pretendo manter contato com as Big Techs, e já há reuniões marcadas com elas. Por mais que elas estejam no centro do problema, por serem o desaguadouro dessas narrativas, obviamente eu pretendo manter uma interlocução porque são atores centrais. Ainda que seja para reduzir dano. Eu acho que nada vai acontecer se não houver mudanças estruturais. Eu trabalhei na campanha do presidente Lula fazendo esse tipo de trabalho, inclusive em 2022, mas agora é um outro tipo de trabalho. O negacionismo climático atua de forma diferente? O discurso negacionista hoje é menos o negacionismo científico, menos sobre as evidências, e mais sobre questionar as soluções. Ou seja, é de dizer: "Ah, as mudanças existem, mas talvez não tenha o que a gente fazer, ou talvez tenha o que fazer, mas os custos são muito altos". Então, é um discurso com muito mais nuances, de tal forma que isso gere inação, que a gente paralise a ação coletiva em prol de uma agenda climática. E isso é mais complexo? É um discurso até mais perigoso, porque, de fato, as pessoas perceberam que as mudanças climáticas existem, hoje estão na vida real das pessoas. Eu acho que, de maneira, vamos dizer assim, muito ardilosa, esses atores perceberam que o discurso tinha que ser moldado levando em conta uma compreensão geral de que as mudanças climáticas existem, mas gerando outros tipos de questionamento, que têm como principal objetivo paralisar a ação coletiva. É ideologia também, mas são interesses concretos políticos e econômicos. A quem interessa questionar as soluções para a agenda climática? A crise sobre hospedagem na COP 30 vem respingando no trabalho da integridade da informação? O que eu posso te dizer é que esse tipo de tema também vai ser sujeito a conteúdos desinformativos. Todo tema quente no debate público vira alvo de fake news, de manipulação. Então a gente está atento. Donald Trump tem a agenda climática como um de seus principais alvos. Isso impacta no trabalho para a COP? Sem dúvida que o impacto é enorme, porque estamos falando de uma superpotência. Mas como o próprio embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP 30) disse uma vez, não são os Estados Unidos que saíram do Acordo de Paris, é o governo americano. Então você ainda tem vários estados de peso, que têm um PIB enorme, que seguem no processo. E tem a sociedade civil, o PIB americano, que seguem fazendo contribuições para a agenda climática. Ser governo não é qualquer coisa, mas os Estados Unidos ainda participam do processo da COP. Existem países mais vulneráveis ao negacionismo climático? Os países do Sul Global são os mais afetados pelo negacionismo e desinformação climática. A gente tem isso no Horizonte. Por outro lado, a gente tem uma interlocução, especialmente nessa área, muito boa com países do Norte, especialmente europeus. Poderia citar a Alemanha, a França, o Reino Unido, entre outros. Você falou que as mudanças climáticas já estão “na vida real”, mas acredita que a população tem a exata consciência dos impactos das mudanças climáticas? O suficiente para botar atuarem no combate ao problema? As pessoas, a partir de uma conscientização, geram engajamento, e é nesse sentido que a gente quer mobilizar a sociedade brasileira e internacional. Promover informação confiável, porque não é só desmentir, é mostrar o que acontece, conscientizar cada vez mais. Isso passa inclusive por valorizar o jornalismo profissional, por projetos de educação midiática, mas acho que pode ter uma dinâmica orgânica, que as pessoas entendam a importância de pautar esses temas nas suas redes. A COP 30 promete incluir, como nunca, os povos indígenas. Os saberes tradicionais ajudam na integridade da informação? O Brasil tem muito que aprender ainda com os povos indígenas. A gente virou as costas para a Amazônia durante muito tempo, mas acho que isso está mudando. Acho que a COP de Belém é uma oportunidade única para isso. Climate Talks Parte da série “Climate Talks – Diálogos Climáticos Brasil-Alemanha”, o evento “Vozes pelo Clima: Mídia, Ciência e Educação no Combate à Desinformação” foi promovido pela Embaixada da Alemanha no Brasil, Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD Brasil), Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas da UFRJ, Consulado Geral da Alemanha no Rio de Janeiro e Centro Alemão de Ciência e Inovação - DWIH São Paulo.