A proibição do consumo de açaí e de outros ingredientes característicos da culinária amazônica, como maniçoba e tucupi, em restaurantes e quiosques credenciados na COP30 — posteriormente revertida após repercussão negativa — gera preocupação entre ativistas e profissionais da cultura paraense, que temem o apagamento de traços amazônicos no evento. A avaliação é que há contradição entre as diretrizes propostas pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OIE), que foi contratada pelo governo Lula para organizar a conferência, e as promessas do petista, que alega ter escolhido a cidade como sede para que o mundo conheça a realidade da região. Além da hospedagem: COP em Belém sofre com escassez de mão de obra e já 'importa' profissionais COP30: Ministério propõe disponibilizar 'agências flutuantes' da Previdência para servir como hospedagens em Belém O governo federal defende a escolha da capital paraense como sede da COP30, diante das críticas internacionais sobre a infraestrutura para receber o evento e dos valores cobrados pela rede hoteleira em Belém. Lula tem afirmado que gostaria que as delegações vejam a capital paraense “do jeito que ela é” e já enfatizou que não pretende “enfeitar” o município. Para o historiador Michel Pinho, que atuou como Secretário de Cultura de Belém entre 2020 e 2023, não é possível realizar um evento global sem necessariamente considerar a ancestralidade presente na Amazônia. — Se a biodiversidade é a marca do território moldado pela natureza, o elemento constitutivo da nossa cultura, no Pará e também na Amazônia, manifesta-se por meio da atribuição e da apropriação desses símbolos em nosso cotidiano. — afirma Pinho. — O açaí no dia a dia, o carimbó em nossa dança, a transformação da religiosidade católica em uma miscigenação intensa com a tradição cultural africana e, ainda, a constituição de elementos do nosso falar, muito específicos em relação ao território nacional, revelam essa identidade singular. No entendimento da pesquisadora de cultura alimentar amazônica Joanna Martins, é necessário que os organizadores do evento “se informem bem e se conectem aos fazedores de cultura locais e os incluam com muito respeito e escuta em seus projetos”. — O mais importante é não vir com fórmulas prontas e nem estereotipadas e, sim, construir conosco os projetos. Temos profissionais locais muito competentes para inserir nossa cultura nos eventos, da melhor forma — avalia. Da estética aos sabores Já a cozinheira e ativista paraense Tainá Marajoara diz ser necessário que a “Amazônia chegue por um todo” durante a COP. Para ela, a “estética amazônica, os sabores amazônicos, as criações amazônicas e tudo aquilo que compõe o conjunto de manifestações culturais do bioma” precisam estar no evento. — O Pará está dentro da Amazônia, da maior concentração de sociobiodiversidade do planeta. E não existe diversidade cultural sem diversidade biológica. Isso quer dizer que a nossa concentração de diversidade cultural também é gigantesca. Então, não dá para eleger uma ou outra expressão, ou manifestação cultural para estar na COP. Não dá para falar de uma cozinha na COP onde a nossa cultura esteja fora dela — conclui Marajoara. Procurado pelo GLOBO para comentar o tema, o governo do Pará não quis se manifestar.