Diego Orlando Spagnuolo, de 46 anos, era um nome quase desconhecido do grande público argentino até poucos meses atrás. Advogado pessoal e confidente de Javier Milei, ele se transformou no centro de um escândalo que ameaça atingir o núcleo mais próximo do presidente. Ex-diretor da Agência Nacional de Deficiência (Andis), Spagnuolo aparece em áudios que sugerem um esquema de cobrança de propinas envolvendo contratos milionários para fornecimento de medicamentos e insumos hospitalares. Entre os citados nas gravações está Karina Milei, irmã do presidente e sua principal assessora política. Contexto: Escândalo de subornos envolvendo irmã do presidente argentino abala governo Milei antes de pleito Reação: Milei defende irmã após suspeita de corrupção e acusa kirchnerismo de 'semear o caos' O caso começou a vir à tona no dia 20 de agosto, quando vazaram áudios nos quais Spagnuolo, em conversa com interlocutores, descrevia o funcionamento do suposto esquema de subornos. Segundo ele, empresas fornecedoras da Andis deveriam pagar um percentual adicional — até 8% — para garantir contratos com o órgão. Parte desse montante seria repassada a funcionários e autoridades do governo, incluindo Karina Milei. A drogaria Suizo Argentina, principal fornecedora, teria intermediado a cobrança e a distribuição do dinheiro. O negócio foi altamente lucrativo: entre 2024 e 2025, os contratos da empresa com o Estado saltaram de US$ 3 milhões para US$ 80 milhões. Os áudios, cuja autenticidade ainda não foi confirmada, foram editados e obtidos de forma clandestina, segundo as autoridades. Mesmo assim, a repercussão foi imediata: em menos de 24 horas, o governo anunciou a saída preventiva de Spagnuolo do cargo, substituído por um interventor designado pelo ministro da Saúde, Mario Lugones. Acesso privilegiado Embora nomeado para dirigir a Andis, Spagnuolo não tinha experiência na área. Seu histórico é jurídico, com atuação como advogado particular de Milei, a quem conheceu antes da campanha presidencial. Esse vínculo garantiu a ele um nível de acesso incomum: dados oficiais mostram que, em apenas 15 meses, Spagnuolo visitou Milei na residência oficial de Olivos 38 vezes, além de 48 encontros na Casa Rosada — uma média de um contato direto a cada cinco dias, frequência compatível apenas com ministros ou assessores-chave do governo. Initial plugin text Spagnuolo fazia questão de exibir sua proximidade com o poder. Nos bastidores, era presença constante ao lado das principais autoridades, acumulando selfies com ministros, secretários e aliados políticos do presidente. A polícia encontrou em sua casa uma procuração assinada por Milei, concedendo-lhe amplos poderes para representá-lo judicialmente — um indicativo da confiança pessoal que lhe era depositada. Das redes para o poder A relação de Spagnuolo com Milei começou anos antes da chegada do economista ao poder. Usuário ativo no Twitter (atual X), ele compartilhava mensagens alinhadas ao tom combativo do atual presidente. Quando Milei organizava o partido A Liberdade Avança, em 2021, convidou o advogado para se somar ao projeto. A entrada foi simbólica: Spagnuolo ocupou o 11º lugar na lista de candidatos a deputados nacionais, sem chances de se eleger. Análise: Em pânico, Milei teme mais vazamentos Com a vitória presidencial, a confiança se transformou em cargo: Spagnuolo assumiu a direção da Andis, órgão estratégico para o controle de pensões e benefícios destinados a pessoas com deficiência e responsável por um orçamento bilionário. A nomeação chamou atenção: além de não ter histórico na área, seu único antecedente na administração pública havia sido uma assessoria na prefeitura de Pilar, na gestão do médico Carlos Kambourian. Logo no início, Spagnuolo tentou marcar posição. Em agosto de 2024, anunciou uma auditoria no sistema de pensões por invalidez, classificando-o como “opaco e suscetível a fraudes” que, segundo estimativas oficiais, poderiam superar US$ 1 bilhão. A ofensiva foi acompanhada por cortes drásticos, transformando a Andis em um dos órgãos mais atingidos pela política de ajuste de Milei. Mas o discurso técnico logo foi ofuscado por polêmicas. Em janeiro de 2025, a agência publicou uma resolução que incluía termos como “idiota” e “imbecil” para classificar graus de deficiência intelectual — vocabulário considerado ofensivo e ultrapassado, que gerou protestos de famílias e especialistas e obrigou a gestão a recuar. Meses depois, viralizaram declarações atribuídas a Spagnuolo em uma reunião com a mãe do jovem autista Ian Moche, quando teria sugerido que pensões fossem cortadas porque “se você teve um filho com deficiência, é problema da família, não do Estado”. Mensagens apagadas Na sexta-feira passada, a polícia apreendeu dois celulares de Spagnuolo. Um estava inoperante; o outro, desbloqueado pela Direção Geral de Investigações Tecnológicas (Datip), revelou um dado intrigante: não há registros de conversas com Karina ou Javier Milei. Para investigadores, isso é improvável, dado o histórico de encontros. A análise indica que as mensagens foram apagadas manualmente na semana passada, quando os áudios vieram à tona. 'Roubando o roubo deles': Frase de Milei em comício vira munição para oposição na Argentina em meio a suspeita de corrupção O exame também mostrou que o aparelho começou a ser usado em agosto de 2024, coincidindo com a época em que, segundo as denúncias, os áudios teriam sido gravados. Agora, peritos tentam recuperar os dados deletados e obter acesso ao conteúdo de outros envolvidos, incluindo ex-diretores da Andis e os irmãos Jonathan e Emmanuel Kovalivker, donos da drogaria Suizo Argentina. Enquanto isso, Spagnuolo permanece em liberdade, mas com passaporte retido e proibição de deixar o país. Ele entregou voluntariamente os aparelhos, embora tenha se negado a fornecer as senhas. O vazamento abriu outra frente de disputa política: quem gravou as conversas atribuídas a Spagnuolo? Duas hipóteses dominam os bastidores. A primeira aponta para Fernando Cerimedo, ex-estrategista digital da campanha de Milei e ex-amigo do advogado. Cerimedo nega qualquer participação, mas admite que os dois eram próximos até novembro de 2024, quando sua esposa, Natalia Basil, deixou a diretoria da Andis. Fontes ligadas a Spagnuolo dizem acreditar que foi ele quem entregou os áudios e conversas de WhatsApp. A segunda linha mira o empresário Franco Bindi, dono do canal Extra TV, e sua esposa, a deputada Marcela Pagano, que recentemente rompeu com La Libertad Avanza. Segundo setores do governo, eles teriam guardado as gravações e as divulgado no momento em que o Congresso discutia o veto presidencial à emergência em deficiência. Ambos negam, acusando o chefe de Gabinete, Guillermo Francos, de operar a crise para ampliar o poder interno. Cerco à Suizo Argentina Nesta quarta-feira (27), a Justiça federal realizou uma nova ofensiva no caso. O juiz Sebastián Casanello ordenou buscas no condomínio de luxo Nordelta, onde vivem os irmãos Jonathan e Emmanuel Kovalivker, donos da Suizo Argentina, suspeitos de intermediar os pagamentos ilegais. Foram apreendidas as gravações das câmeras de segurança e registros de acesso do condomínio, além de dois celulares pertencentes ao chefe de segurança local, Ariel De Vicentis. Ele é acusado de alertar os empresários sobre as diligências policiais, permitindo que um deles fugisse antes da chegada dos agentes. A operação revelou indícios de tentativa de ocultação de provas: ao chegar à casa de Jonathan Kovalivker, os policiais encontraram uma caixa-forte vazia e elásticos de dinheiro no chão. Seu irmão, Emmanuel, foi detido quando tentava sair do condomínio. Com ele, foram encontrados US$ 266 mil em dinheiro vivo, divididos em envelopes, além de 7 milhões de pesos argentinos e seu passaporte. Ambos são investigados por suposto pagamento de propinas à Andis para garantir contratos milionários com o governo. (Com La Nación)