A Justiça argentina descobriu que o celular de Diego Spagnuolo, advogado pessoal do presidente Javier Milei e ex-diretor da Agência Nacional de Deficiência (Andis), não contém registros de mensagens com o mandatário nem com sua irmã, Karina Milei, secretária-geral da Presidência. Investigadores afirmam que os diálogos foram apagados manualmente na semana passada, quando vieram à tona áudios que sugerem um esquema de propinas milionárias na compra de medicamentos pela Andis. A revelação aprofunda a crise política no núcleo mais próximo do governo Milei a menos de dois meses das eleições legislativas na Argentina, marcadas para 26 de outubro. Entenda o escândalo: Milei defende irmã após suspeita de corrupção e acusa kirchnerismo de 'semear o caos' Reação política: Frase de Milei em comício vira munição para oposição na Argentina em meio a suspeita de corrupção A descoberta reforça as suspeitas de tentativa de obstrução de provas. De acordo com fontes ligadas à investigação, o apagamento não foi um simples “reset” do aparelho, mas uma eliminação seletiva de mensagens, preservando parte da atividade do dispositivo. Esse detalhe sugere que Spagnuolo pode ter tentado apagar apenas as conversas mais sensíveis, sobretudo com os irmãos Milei, no momento em que o caso explodia na imprensa. Spagnuolo, de 46 anos, ocupou o cargo de diretor da Andis até agosto, quando foi afastado preventivamente após a divulgação dos áudios. As gravações, cuja autenticidade ainda não foi confirmada, foram obtidas de forma clandestina e editadas, mas mesmo assim desencadearam uma crise política sem precedentes no governo Milei. Segundo os áudios, empresas fornecedoras da Andis, como a Suizo Argentina, teriam de pagar até 8% do valor dos contratos em propinas, que seriam repassadas a funcionários do governo e, supostamente, à própria Karina Milei. Entre 2024 e 2025, os contratos da empresa com o Estado saltaram de US$ 3 milhões para US$ 80 milhões. Perfil: Quem é Karina Milei, irmã de presidente da Argentina suspeita de envolvimento em escândalo de corrupção Ascensão ao poder Antes de assumir a Andis, Spagnuolo atuava como advogado particular de Javier Milei. Dados oficiais revelam que, entre janeiro de 2024 e maio de 2025, ele visitou a Casa Rosada 48 vezes e esteve na residência oficial de Olivos em outras 39 ocasiões — frequência equivalente à de ministros e assessores de alto escalão, segundo apuração do La Nación e da agência de checagem Chequeado. Apesar da falta de experiência na área social, Spagnuolo recebeu a missão de comandar um orçamento bilionário destinado a pensões e benefícios para pessoas com deficiência. Sua gestão foi marcada por cortes drásticos, declarações controversas e decisões administrativas contestadas. Em janeiro deste ano, por exemplo, uma resolução assinada por ele usou termos como “idiota” e “imbecil” para classificar graus de deficiência intelectual, provocando protestos. Contexto: Polícia argentina cumpre mandados de busca após áudios ligarem irmã de Milei a suposta cobrança de propina Investigação A análise do celular de Spagnuolo mostrou que ele começou a usar o aparelho em agosto de 2024, mês em que os áudios que o incriminam teriam sido gravados. O ex-diretor entregou voluntariamente dois aparelhos: um inoperante, possivelmente danificado, e o outro, que estava desbloqueado no momento da apreensão. O conteúdo deletado pode levar meses para ser recuperado, mas investigadores estão otimistas quanto à possibilidade de reconstruir os dados. Além de Spagnuolo, a Justiça investiga Daniel Garbellini, outro ex-funcionário da Andis citado nos áudios como responsável por operacionalizar o suposto esquema, e os irmãos Jonathan e Emmanuel Kovalivker, donos da Suizo Argentina. Emmanuel foi detido ao tentar sair de um condomínio de luxo com US$ 266 mil em espécie e cerca de 7 milhões de pesos argentinos; Jonathan entregou o celular às autoridades dias depois. Saiba quem é: Diego Spagnuolo, advogado pessoal de Milei que virou pivô de escândalo de corrupção no governo argentino A Procuradoria também solicitou ajuda da empresa israelense Cellebrite para desbloquear os aparelhos de última geração apreendidos com os empresários. Efeito político O caso coloca em xeque o discurso anticorrupção do governo Milei, que vinha utilizando a Andis como exemplo de suposta “ineficiência” estatal ao anunciar cortes de gastos e auditorias. A crise coincide com uma derrota recente do presidente no Congresso, que derrubou seu veto a um projeto de aumento de recursos para pessoas com deficiência — área justamente sob comando da agência agora investigada. Entenda: Escândalo de subornos envolvendo irmã do presidente argentino abala governo Milei antes de pleito Após dias de silêncio, Milei saiu em defesa pública da irmã Karina, mas não comentou diretamente o caso. Em comícios, chegou a reagir a vaias dizendo que “estão irritados porque estamos roubando o roubo deles”, frase interpretada por opositores como uma confissão velada. Partidos de oposição planejam convocar integrantes do governo ao Parlamento para prestar esclarecimentos, enquanto a Justiça avança nas análises de celulares, computadores e documentos apreendidos. Spagnuolo segue em liberdade, mas com passaporte retido e proibição de deixar o país.