‘Vivo uma perseguição política’, diz ex-vice-presidente do Equador

Quando aceitou ser a vice-presidente na chapa de Daniel Noboa, atual presidente do Equador, Veronica Abad Rojas, 48 anos, imaginava que seu estilo independente, de perfil liberal-conservador, iria ajudar a dar uma direção ao governo. A meta era estabilizar o país. + Leia mais notícias de Mundo em Oeste Noboa e Abad foram eleitos com a missão de promover a união. A coligação de centro-direita, Acción Democratica Nacional (ADN), de Noboa, buscava encontrar uma saída para um impasse, depois do seu antecessor, Guillerme Lasso, ter encurtado o mandato ao dissolver a Assembleia Nacional. Lasso estava acossado por suspeitas de corrupção e sob o pretexto de que era boicotado pelo Legislativo. https://www.youtube.com/watch?v=jfYAaa6X__E Em menos de um ano, porém, uma sequência de crises se desenrolou. No início de 2024, rebeliões de detentos incendiaram uma penitenciária de Guayaquil e tomaram alguns locais. Em janeiro, Adolfo Fito Macías, líder de uma das maiores organizações criminosas do país, fugiu. Mas, além dos altos índices de criminalidade — alta de 40,36% nos homicídios entre 2024 e 2025, segundo a Reuters — Noboa e Abad iniciaram uma guerra interna. O pano de fundo acabou sendo a ida dela, como embaixadora do país, a Israel, logo depois de 7 de outubro. Noboa, segundo a imprensa local, queria afastá-la do dia a dia e aproveitou-se da afinidade que a vice tinha com o país judaico para enviá-la como representante. Depois, Abad foi transferida para Ancara, o que motivou o desentendimento que desencadeou a ruptura. Desde então, uma série de desavenças a fez ser suspensa e depois destituída, antes das eleições em que Noboa se manteve no cargo, com uma nova chapa. Nem por isso, Abad deixou de ser convidada para fóruns internacionais. Ela participa do Fórum Latino-Americano contra o Antissemitismo, que se encerra nesta terça-feira, 14, no Rio de Janeiro, e deu entrevista a Oeste contando sobre sua trajetória e denunciando o que chama de lawfare , a interferência da Justiça no Executivo. Segundo ela, esse fenômeno tem crescido nos países da região. Confira. Como foi sua infância no Equador e o que mais a atraiu na política? Cresci livre e no campo (nasceu na cidade de Cuenca); meus pais foram professores na zona rural, dedicados ao serviço comunitário e à educação. Vivi rodeada de cultura, arte e música durante toda a infância e adolescência; estudei no Conservatório de Música de Cuenca: dança clássica, música e canto, piano e violino. Com apenas 18 anos iniciei meu caminho no voluntariado social, que me ligou ao serviço às pessoas mais vulneráveis e ao desenvolvimento de políticas públicas para melhorar sua condição. Qual é a origem de seu vínculo e admiração por Israel? Minha ligação com Israel começou há 26 anos, depois de meu encontro pessoal com Jesus Cristo, o que despertou minha sede de conhecer seu propósito e, consequentemente, a história, cultura, economia e inovação de Israel. Esse interesse me levou a estudar diferentes modelos de desenvolvimento econômico na Alemanha, EUA, Argentina, Peru e Colômbia, mas não podia ignorar o povo que transformou o deserto em potência tecnológica. Sonho em levar esse modelo ao meu país, fomentando startups para mulheres e jovens, foco do meu trabalho social e político por 26 anos. Como foi sua atuação em Israel a partir de 7 de outubro? Eu estava em Buenos Aires , conduzindo uma campanha política com equatorianos residentes na cidade, e a notícia foi um choque total. Eu já conhecia Israel desde 2018 por minha preparação em tecnologia e startups , e lugares em que estive, como alguns kibutzim (comunidades), foram destruídos e seu povo assassinado; eu não podia crer no nível de perversidade que um ser humano pode atingir. O que a senhora fez naquele momento? Imediata e publicamente lancei meu comunicado de condenação total e absoluta ao terrorismo do Hamas perpetrado contra a sociedade civil israelense, e no dia seguinte estive com alguns rabinos e líderes da comunidade judaica a quem manifestei meu pesar e minha solidariedade. Em dezembro de 2023, ao chegar a Israel, meu trabalho imediato foi procurar as famílias dos sequestrados para oferecer meu apoio público como autoridade. Como a senhora vê a postura de alguns países sul-americanos que acusaram Israel de genocídio? É resultado de um conjunto de fatores: carência de conhecimento histórico, geográfico e cultural sobre uma realidade existente, somada à falta e à manipulação de informação para fomentar esse ódio milenar de que um povo não teria direito à sua existência. Em pleno século 21, quando os Estados de Direito foram forjados, essa razão já deveria ser suficiente para erradicar esse ódio sem fundamento, pior ainda, falar em genocídio. De que maneira suas diferenças com o presidente Noboa prejudicaram seu trabalho em favor de Israel? A grande possibilidade de levar ao Equador um conhecimento mais aprofundado sobre esse Israel que contribuiu historicamente e cientificamente ao mundo, sua educação, seu exemplo de desenvolvimento livre e econômico, onde segurança e tecnologia caminham juntas numa democracia, foi truncada pelo governo. As possibilidades de cooperação com instituições médicas, educacionais, públicas e governamentais, por exemplo, vagas de emprego para equatorianos em Israel nesse intercâmbio, foram interrompidas. Como é sua situação atual no Equador e o que a levou a romper com o governo de Noboa? Minha situação atual no Equador é de temor e incerteza diante de perseguições políticas e da manipulação da Justiça pelo Executivo. O governo me exilou, atacou judicialmente meu filho sem provas e buscou forçar minha renúncia ao cargo legítimo, enquanto corrupção, favorecimento a aliados e negligência com serviços públicos aumentam a pobreza e a criminalidade. Totalitarismo e violação da Constituição enfraqueceram o Estado de Direito, e uma narrativa de ódio tenta me rotular injustamente, escondendo a incompetência e ganância do governo. Até que ponto o ataque contra Noboa em 7 de outubro poderia alterar a política do governo contra a criminalidade? O relato de “tentativa de assassinato” foi desmentido: as cinco pessoas detidas foram liberadas por falta de provas, incluindo uma mulher de 65 anos. O ataque ocorreu em uma rota previamente sinalizada como bloqueada por manifestantes, e o prefeito de Cañar havia avisado o presidente por escrito para não passar por ali. O episódio foi usado politicamente para criar narrativas que polarizam contra críticos do governo. Diante do aumento da pobreza, da eliminação do subsídio ao diesel e de leis favorecendo grupos de poder, o setor indígena declarou uma greve indefinida até que haja diálogo, que o presidente afirmou não aceitar. ( O governo equatoriano afirmou que o ataque ao comboio do presidente Noboa configurou uma tentativa de assassinato a tiros e um ato de terrorismo. Cinco pessoas foram detidas e acusadas de tentativa de homicídio e terrorismo. ) Em que medida, na sua opinião, o atual governo equatoriano age contra o antissemitismo? Não vi ações concretas, além de comunicados políticos que apoiam Israel e condenam o terrorismo; parecem mais conveniências políticas, já que as últimas votações na ONU mostram abstenções ou votos contra Israel. Incoerências. Leia mais: "7 de outubro: 'o mundo não suportou ver Israel como vítima'" Como a senhora vê a postura do presidente Donald Trump ao sancionar o ministro do STF do Brasil, Alexandre de Moraes, acusando‑o de perseguir o ex‑presidente Jair Bolsonaro? Só posso me referir a esse monstro silencioso chamado lawfare: a judicialização da política. Chamo de monstro porque é usado por esquerdas, direitas e progressistas, dependendo de quem esteja no poder. Eu o vivo; ex-presidentes como Álvaro Uribe e Jair Bolsonaro também o vivenciaram. Essas práticas, além de injustas, corrompem a institucionalidade, o poder judicial. O Estado de Direito está em cuidados intensivos porque a liberdade de expressão, a verdade, a paz e a justiça morrem a cada dia. Devemos erradicar essa estrutura ilegal, reconhecê-la e tipificá-la como crime de perseguição e ódio, para que ninguém a possa usar. Qual é sua opinião sobre a importância deste Fórum Latino‑Americano contra o Antissemitismo, no Rio de Janeiro, para o combate ao antissemitismo? Em tempos como este, é fundamental lembrar que o ódio infundado é crime desde 1948, pela Organização das Nações Unidas, por ter causado milhões de mortes sistemáticas, como no Holocausto, e que a lei deve punir quem o pratica. No meu caso, esse ódio se manifesta em violência, difamações e mentiras para atingir objetivos. Devemos elevar nossa consciência, debate e tolerância; não podemos permitir que influenciadores e meios corruptos manipulem poder, destruindo vidas e nações. Nossas vozes devem se erguer em defesa dos valores que construíram um mundo mais livre e equitativo. O post ‘Vivo uma perseguição política’, diz ex-vice-presidente do Equador apareceu primeiro em Revista Oeste .