Um mês após assassinato do ex-delegado-geral, investigação segue sem apontar mandantes ou motivo

Um mês depois da morte do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes, a Polícia Civil de São Paulo ainda não chegou aos mandantes do atentado, tampouco à motivação. A principal linha de investigação é de que Fontes foi assassinado por sua atividade mais recente no cargo de secretário de Administração da Prefeitura de Praia Grande, no litoral de São Paulo, mas investigadores ainda não descartam uma relação com sua atuação de décadas no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Fontes foi morto a tiros de fuzil ao sair do trabalho, no dia 15 de setembro. Três semanas antes, ele havia dito que temia por sua segurança em entrevista ao GLOBO para um podcast ainda em produção, em parceria com a CBN. Investigadores suspeitam que um processo de licitação para ampliação do sistema de videomonitoramento e Wi-Fi em Praia Grande pode ter motivado o assassinato. O contrato tinha o valor de R$ 24,8 milhões. Até agora, cinco suspeitos foram presos e permanecem detidos temporariamente, todos ligados diretamente à execução. Outros dois seguem foragidos, enquanto um terceiro morreu em confronto com policiais civis na Região Metropolitana de Curitiba (PR). Além das prisões de nomes envolvidos diretamente no assassinato, a Polícia Civil investiga motivação do crime. Cinco funcionários da Prefeitura de Praia Grande são investigados pela Polícia Civil. Eles foram alvos de nove mandados de busca e apreensão no último dia 29. Entre eles, está Sandro Rogerio Pardini, subsecretário de Gestão e Tecnologia. Pardini ocupava o cargo comissionado, ligado à Secretaria de Planejamento, havia oito meses. Seu salário bruto, de acordo com o portal da transparência da Prefeitura de Praia Grande, era de R$ 21.557,83. Depois da operação, ele pediu exoneração do posto. Antes, já havia ocupado outros cargos na prefeitura, como a diretoria do Departamento de Integração da Informação. Entre outras funções, foi responsável pela contratação de empresas que instalaram câmeras de segurança em diversos pontos da cidade, integradas aos sistemas das polícias Militar e Civil. Em uma notícia antiga no portal da prefeitura, aparece como um dos nomes à frente do Centro Integrado de Controle e Operações Especiais (Cicoe) de Praia Grande, que cuida da implantação de softwares para ajudar no combate à criminalidade. As buscas ocorreram em endereços localizados em Santos, Praia Grande e São Vicente, no litoral paulista. Em uma das residências de Pardini, em Santos, as autoridades apreenderam uma quantia considerável em dinheiro que soma cerca de R$ 100 mil, incluindo R$ 50 mil, US$ 10 mil (R$ 54 mil, segundo a cotação atual) e € 1.100 (R$ 6,8 mil, também na cotação desta segunda-feira). Além disso, foram recolhidos telefones celulares, computadores, documentos e anotações que indicavam relações entre valores e nomes. Na tarde desta segunda, Pardini também prestou depoimento na condição de testemunha e forneceu as senhas necessárias para a continuidade da investigação. Os outros quatro funcionários não tiveram seus nomes divulgados. Eles ocupam as funções de agente de fiscalização na Secretaria de Urbanismo; trabalhador na Secretaria de Administração; engenheiro na Secretaria de Planejamento; diretora de departamento na Secretaria de Planejamento. De acordo com o Portal da Transparência da Prefeitura de Praia Grande, os salários brutos dos funcionários alvos dos mandados variam de R$ 3.127,84 e R$ 21.557,83. Em nota, a defesa de Pardini afirmou que os elementos que foram colhidos ainda estão em fase de análise e que o subsecretário nega veementemente toda e qualquer participação, seja ela direta ou indireta, nos fatos que estão sendo apurados. “Sandro está à disposição das Autoridades para colaborar, naquilo que estiver ao seu alcance, no efetivo esclarecimento deste trágico ocorrido. No mais, reforçamos que Sandro tem uma vida completamente voltada ao trabalho lícito e cuidado com a sua família. Destacamos que os objetos e bens apreendidos não possuem qualquer relação com os fatos, o que foi comprovado pela documentação juntada e confirmado nos esclarecimentos prestados por Sandro”, diz a nota assinada pelos advogados Octávio Rolim, Patrícia Britto e Beatriz Mâncio. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo diz que, entre as ações realizadas no âmbito da investigação, “foram colhidos depoimentos de investigados e testemunhas, realizadas perícias em imóveis ligados aos suspeitos na Baixada Santista e cumpridos diversos mandados de busca e apreensão, que resultaram na apreensão de celulares, armas de fogo e outros dispositivos eletrônicos, todos encaminhados para perícia”. Presos Felipe Avelino da Silva, vulgo Mascherano, de 33 anos, teve o DNA encontrado em um dos carros usados no crime. Acusado de comandar o PCC no ABC Paulista, Mascherano foi preso em Cotia, na Grande São Paulo Willian Silva Marques, de 36 anos, é proprietário da casa apontada como base dos criminosos em Praia Grande. Dahesly Oliveira Pires, de 25 anos, foi detida por suspeita de ser a mulher que foi buscar o fuzil usado no crime na Baixada Santista. Luiz Henrique Santos Batista, conhecido como Fofão, de 38 anos, preso em São Vicente (SP) por ser suspeito de participar da logística da execução de Ruy Ferraz Fontes. Rafael Marcell Dias Simões, o Jaguar, de 42 anos, preso após se entregar no DP Sede de São Vicente, por ser suspeito de participar do assassinato. Foragidos Luiz Antonio Rodrigues de Miranda, de 43 anos, procurado por suspeita de ter ordenado que uma mulher fosse buscar um dos fuzis usados no crime. Flávio Henrique Ferreira de Souza, de 24 anos, também teve o DNA encontrado em um dos carros. Morto Umberto Alberto Gomes, 39 anos, teve o DNA encontrado na casa que teria sido usada pelos criminosos em Mongaguá. O caso O ex-delegado-delegado foi executado a tiros enquanto dirigia um carro em Praia Grande. Imagens do crime mostram seu carro sendo perseguido e colidindo com um ônibus. Na sequência, homens descem de outro veículo e atiram contra o automóvel da vítima. O ataque ocorreu na avenida Doutor Roberto de Almeida Vinhas, na Vila Caiçara, por volta das 18h20, segundo a Polícia Militar. No dia 25 de agosto, ao GLOBO, ele disse que estava “sozinho” na cidade da Baixada Santista, e não contava com nenhuma proteção do Estado. Aos 64 anos, estava aposentado da Polícia Civil e atuava como secretário de Administração de Praia Grande desde janeiro de 2023. Na conversa, demonstrou preocupação com o fato de viver na Baixada Santista, região conhecida como um dos fortes redutos do Primeiro Comando da Capital (PCC). — Eu tenho proteção de quem? Eu moro sozinho, eu vivo sozinho na Praia Grande, que é no meio deles. Pra mim é muito difícil. Se eu fosse um policial da ativa, eu tava pouco me importando, teria estrutura para me defender, hoje não tenho estrutura nenhuma — afirmou. Apesar de se mostrar apreensivo, afirmou que, nos mais de 40 anos de Polícia Civil, nunca recebeu ameaças do crime organizado. — Teve uma conversa só meio atrapalhada com o Marcola, mas nunca teve um desenrolar negativo. No mundo do crime, existe uma ética. E essa ética é cobrada, de uma forma geral. Em que momento nós instruímos um inquérito policial e inventamos alguma prova contra eles? Nunca. Se tinha provas, a gente relacionava e depois ia depor em juízo. A gente não inventou provas. Se ele é criminoso e pratica crime, eu sou da polícia e investigo. Então não gera um descompasso pessoal em relação a quem investiga — detalhou. Fontes foi o delegado responsável por revelar a organização, a estrutura hierárquica e a dimensão do PCC pouco tempo depois que a facção surgiu nos presídios paulistas. É dele também os inquéritos policiais que resultaram nas principais condenações de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da organização criminosa. Ele foi delegado-geral de São Paulo entre 2019 e 2022. Comandou divisões como Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) e Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), além de dirigir o Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).