A diretora-executiva do Plataforma Justa, Luciana Zaffalon, afirmou que a indicação de uma mulher ao Supremo Tribunal Federal (STF) romperá com um déficit "que não é só de representatividade, é um déficit democrático". A possível nomeação ainda nem sequer representaria um avanço, segundo Luciana, uma vez que o terceiro mandato do presidente Lula (PT) foi iniciado com duas mulheres na Corte. Na visão da ativista, a possibilidade de avanço está somente na indicação de uma ministra negra, o que faria o petista "não capitanear a vanguarda do atraso". De presidente do STM a ministra do TSE: saiba quem são as 13 mulheres sugeridas por entidades para vaga no STF Leia também: Deputado admite ter usado apelido da Odebrecht para xingar Gleisi, mas depois tenta negar Na última sexta-feira, em conjunto com as entidades Fórum Justiça e Themis Gênero e Justiça, o Justa divulgou uma nota pública, com uma lista de 13 nomes, para pedir a nomeação de uma mulher após o anúncio da saída de Luís Roberto Barroso. Atualmente, o Supremo conta apenas com uma magistrada, Cármen Lúcia, que deve se aposentar em 2029, já que a ministra Rosa Weber também se aposentou em 2023. Ao GLOBO, Luciana Zaffalon comentou a decisão de Lula, os principais nomes cotados até o momento e, ainda, o "avanço civilizatório" de uma nomeação que considere aspectos de gênero e raça. O que motivou o manifesto da entidade? Nós já estamos mapeando as posições de poder no sistema de Justiça há alguns anos. Essa mudança deve acontecer no Supremo Tribunal Federal, mas o debate precisa ser mais amplo. Todos os tribunais, no final das contas, têm uma desigualdade de gênero muito grande. E aí, quando o Barroso adiantou a aposentadoria e surgiu essa novidade, vimos a oportunidade de levar o debate ao público. Em 134 anos de história, o STF já teve 169 ministros homens e apenas três mulheres. Qual o tamanho da necessidade de romper essa barreira? Primeiro, é preciso romper um déficit que não é só de representatividade, é um déficit democrático. Seja em termos legais, seja em termos políticos, esse cenário precisa ser superado como critério mínimo de avanço civilizatório. Há também uma dimensão de restabelecimento de um patamar bastante desigual que o Lula encontrou no terceiro mandato, que se inicia com duas mulheres na Corte. Neste momento, então, sequer estamos falando de avanço, mas, sim, de o governo não representar o retrocesso nessa pauta, o restabelecimento de um patamar já altamente deficitário, em que a possibilidade de avanço está na indicação de uma mulher negra. E qual o papel do presidente Lula para reverter esse quadro? O papel dele é não capitanear a vanguarda do atraso. Mesmo o Poder Judiciário, historicamente conservador, assumiu o compromisso de reduzir a desigualdade na ocupação dos cargos de poder por meio da aprovação de uma resolução do CNJ, do ano passado, que prevê ações afirmativas por merecimento. Será possível que o Lula , mesmo diante desse cenário, vai seguir fechando os olhos? Quais os critérios escolhidos para chegar aos 13 nomes? É uma lista para exemplificar que não é por falta de excelentes nomes, altamente gabaritados, que o governo Lula deixará de nomear uma mulher. Isso vai desde os critérios constitucionalmente previstos, como o notório saber jurídico, até o trânsito político delas em diferentes esferas de poder e no sistema de Justiça, além de carreiras orientadas por pautas democráticas. Não há nenhum atributo desejável para um ministro do STF que não possa ser encontrado nos nomes indicados. Todas as indicadas possuem atuação de destaque em pautas de equidade racial e de gênero. Por que isso é importante? Isso é mais um reflexo do gabarito democrático das candidatas do que um critério de corte. É muito difícil falar em avanço civilizatório sem que raça e gênero sejam colocados na mesa, pois são marcadores de exclusão que têm moldado as violações de direitos no país. Ter candidatas comprometidas com a superação desses gargalos democráticos é um compromisso que a República brasileira precisa assumir. Entre as 10 indicações de Lula ao STF, há apenas uma mulher, Cármen Lúcia, que deve se aposentar nos próximos anos. Esse movimento organizado por vocês pode fazer com que as próximas nomeadas sejam mulheres? A gente seguirá pautando a democratização da Suprema Corte, independentemente do resultado que nós tivermos agora. Mesmo que nós tenhamos a indicação de uma ministra, ainda teremos uma Corte em patamares muito insuficientes de distribuição dos seus integrantes em termos raciais e de gênero. Como você avalia os quatro principais nomes cotados até o momento, todos homens? É com muita frustração que vemos a naturalização desse padrão de indicações, de listas integralmente compostas dessa maneira. É, de fato, uma decepção. Em um momento histórico como esse, também esperávamos a grandeza dos homens, tanto na Corte quanto no Senado, em assumir esse compromisso com a diversificação e a distribuição democrática do poder. Uma das razões que colocam o ministro Jorge Messias como favorito é o fato de ser evangélico. Você acha correto esse aspecto religioso poder pesar na escolha de Lula? Nós vivemos num Estado laico, mas é claro que a dinâmica política real se impõe. Mas a pergunta que fica para o governo Lula é: qual o peso das mulheres na sua eleição? Elas tiveram um peso nada irrelevante no último processo eleitoral e definirão as eleições de 2026.