A reunião preparatória para a conferência mundial sobre o clima, a COP30, que ocorrerá no próximo mês em Belém (PA), terminou com uma posição mais firme em defesa do multilateralismo e de combustíveis sustentáveis entre os países reunidos em Brasília. Ainda assim, não houve consenso em temas como a redução do consumo de combustíveis fósseis — o que gerou atrito com os representantes da Arábia Saudita —, o aumento da contribuição financeira das nações desenvolvidas para medidas de adaptação às mudanças climáticas e o anúncio de metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Já a participação ativa de China e Índia foi vista como surpresa positiva. Às vésperas da COP30: Randolfe diz que governo busca acordo para sessão do Congresso que pode derrubar vetos ao PL do Licenciamento Ambiental A menos de um mês da COP 30: países só entregaram 31% das promessas de corte de emissões — O multilateralismo é a maior arma que existe contra o unilateralismo. Estamos vivendo um momento em que as medidas unilaterais estão mais fortes do que há muito tempo — afirmou o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago. Entre os resultados da rodada de negociação está o compromisso conjunto entre Brasil, Itália, Japão e Índia para quadruplicar a produção e o uso de combustíveis sustentáveis até 2035 — um gesto simbólico de cooperação que indica disposição de alguns países para transformar promessas em ações tangíveis. Pela proposta, haverá uma meta diferente para cada país, a ser atingida até 2035. Os combustíveis sustentáveis incluem biocombustíveis, hidrogênio e e-fuel. A meta para quadruplicar sua produção se baseia em um relatório da Agência Internacional de Energia, e o compromisso busca apoio de outros países para ganhar tração até a Cúpula de Belém. A iniciativa é um sinal político para agentes econômicos investirem em tecnologias de combustíveis sustentáveis. Diante da possibilidade de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, o Brasil tem defendido a redução gradual do uso de combustíveis fósseis, com prioridade para que o processo comece pelos países ricos. Durante a reunião, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçou a necessidade de eliminar progressivamente os subsídios aos combustíveis fósseis, estimados entre US$ 1,5 trilhão e US$ 7 trilhões, a depender da metodologia. Em comparação, os subsídios e investimentos em energias renováveis somam cerca de US$ 170 bilhões nos países do G20 — podendo chegar a US$ 500 bilhões, se incluídos recursos privados. — Pela primeira vez, o mundo adotou uma decisão que trata explicitamente da transição justa, ordenada e equitativa para o abandono dos combustíveis fósseis, com o objetivo de acelerar ações até 2050 — afirmou Marina, ao abrir a sessão sobre Balanço Global, Transição Energética e Fórum de Combustíveis Sustentáveis. A fala da ministra provocou reação dos sauditas, grandes produtores de petróleo, que lembraram que a transição energética não precisa ser feita apenas por meio da redução dos fósseis e que há outras opções. A proposta também enfrenta resistência da Bolívia, da Índia, da China e de outros países árabes. Na avaliação de interlocutores do governo e de organizações da sociedade civil, apesar da falta de compromissos mais ousados das grandes economias, sobretudo das nações desenvolvidas, o Brasil conseguiu preservar o protagonismo diplomático. A ausência de representantes dos Estados Unidos foi interpretada como sinal de desinteresse, mas não comprometeu o tom político do encontro. Para Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, apesar das diferentes posições entre os países, a Pré-COP demonstrou alinhamento mínimo, que evitou que o negacionismo do presidente dos EUA, Donald Trump, atrapalhasse as discussões. — Esse alinhamento não deixou Trump dominar esse processo. A ausência dos Estados Unidos e o bullying de Trump sobre o mundo em relação ao clima não podem ser a tônica da COP30 — afirmou. Segundo negociadores, não havia expectativa de acordos formais na Pré-COP, mas de redução das divergências entre os países. Mesmo assim, a poucos dias da COP30, as delegações tiveram dificuldade para alinhar posições em torno de três eixos considerados essenciais: transição justa, adaptação e implementação — conceitos diferentes, porém interligados, que definem o rumo das ações globais contra a crise climática. A transição justa trata da passagem para uma economia de baixo carbono, baseada em energias renováveis e práticas sustentáveis, sem deixar para trás trabalhadores e comunidades dependentes de setores poluentes. Já a adaptação diz respeito às medidas para reduzir os impactos do aquecimento global, como obras de infraestrutura, reflorestamento e políticas públicas voltadas à resiliência climática. O principal desafio é assegurar financiamento previsível para que países em desenvolvimento possam aplicar essas ações. Depois de anos de metas e compromissos — como o Acordo de Paris (2015) —, o foco agora é a implementação, isto é, colocar em prática o que foi prometido. Isso implica cumprir planos nacionais de descarbonização, investir em energias limpas, conter o desmatamento e financiar a adaptação e a transição justa. Autoridades reconhecem que há distância entre discurso e ação, e que o ritmo atual ainda é insuficiente para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C. Uma das surpresas da Pré-COP foi a participação ativa de China e Índia. Tradicionalmente ausente dessas etapas preparatórias, Pequim enviou uma delegação de alto nível, enquanto Nova Délhi reconheceu que a fase atual exige implementação efetiva dos compromissos já assumidos — uma mudança de postura em relação a encontros anteriores. A reunião também foi marcada pela defesa de uma reforma no sistema de financiamento climático. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu ajustes nos organismos multilaterais de crédito. No dia seguinte, Marina Silva reforçou o apelo: — É urgente reformar o sistema global de financiamento climático para que os planos dos países mais vulneráveis avancem na escala exigida pela ciência e pela lógica do respeito à vida — afirmou a ministra. Com o encerramento da Pré-COP, delegações estrangeiras que permanecem no Brasil participarão, nesta quinta e sexta-feira, de reuniões fechadas com autoridades brasileiras.