O açougueiro de Plainfield: a história real do assassino mais perturbador dos EUA que inspirou 'O Massacre da Serra Elétrica'

O vento gelado de Wisconsin varria as ruas de Plainfield e fazia as placas enferrujadas da estrada principal tremerem. As casas, separadas por hectares de campos e silêncio, pareciam adormecidas sob um céu cinzento. Nos arredores da cidade, onde a neve se acumulava contra as cercas, uma fazenda isolada se erguia: janelas escuras, uma porta sempre fechada e a fumaça tênue de uma chaminé que nunca se apagava completamente. Lá vivia Edward Theodore Gein, um homem quieto e lento, conhecido por todos, mas realmente íntimo de ninguém. Em Plainfield, seu nome ainda não inspirava medo. Mas algo naquela casa parecia observar a cidade de dentro. Em uma fazenda perdida nos campos do Condado de La Crosse, nasceu, em 1906, o segundo filho de George e Augusta Gein. Deram-lhe o nome de Edward Theodore. Sua mãe, uma luterana devota, acreditava que o mundo estava corrompido pelo pecado e que as mulheres, com exceção dela, eram instrumentos do diabo. O pai, alcoólatra e violento, alternava entre a carpintaria e as tavernas com igual frequência. Quando vendeu sua mercearia na cidade e mudou a família para uma fazenda de 150 acres perto de Plainfield, Augusta encontrou o que buscava: isolamento. Lá, longe de olhares curiosos, criou os filhos sob um regime de medo e rígidos preceitos religiosos. Todas as noites, lia a Bíblia em voz alta, escolhendo trechos sobre morte, castigo e ira divina. Ed era fascinado por essas passagens e, com o tempo, desenvolveu uma devoção quase obsessiva. Na escola, era quieto e reservado. Os professores o consideravam um bom leitor, mas os colegas o achavam estranho — ria sozinho, como se algo o distraísse do mundo. Sua mãe o punia sempre que tentava fazer amigos, e a solidão se tornou sua única companhia. Quando o pai morreu, em 1940, Ed e o irmão Henry começaram a trabalhar como diaristas pela cidade. Os vizinhos os viam como homens de confiança. Ed, em especial, inspirava certa simpatia: às vezes cuidava de crianças e parecia se sentir mais à vontade com elas do que com adultos. Quatro anos depois, enquanto queimavam pastos na propriedade, um incêndio saiu do controle. À noite, Henry foi encontrado morto. As autoridades concluíram que se tratava de um acidente, embora houvesse hematomas na cabeça. Não foi feita autópsia. Depois disso, Augusta e Ed ficaram sozinhos. Ela sofreu um derrame, e ele passou a cuidar dela sem sair do lado. Até que, em 1945, após uma visita a um vizinho, Augusta teve uma crise de fúria ao ver a esposa do homem e a chamou de “vagabunda”. Pouco depois, sofreu outro derrame e morreu em 29 de dezembro daquele ano. Desde então, Ed Gein ficou completamente só na fazenda. O desaparecimento de Bernice Worden A manhã de 16 de novembro de 1957, em Plainfield, começou com o frio habitual do outono no norte. Na loja de ferragens da cidade, Bernice Worden, de 58 anos, trabalhava normalmente enquanto os vizinhos estavam fora, na temporada de caça ao veado. À tarde, seu filho, Frank Worden, delegado do condado, estranhou o silêncio: a loja permanecia fechada e ninguém atendia às ligações. Ao entrar, encontrou a caixa registradora aberta e manchas de sangue no chão. O último recibo emitido naquela manhã trazia o nome de um cliente habitual: Edward Theodore Gein. A nota indicava a compra de um recipiente de anticongelante. Frank lembrou que, na véspera, Gein dissera que voltaria no dia seguinte. A coincidência bastou para torná-lo suspeito. Naquela noite, policiais do Condado de Waushara o prenderam em um supermercado em West Plainfield. Enquanto isso, outro grupo de agentes seguiu para sua fazenda. Os faróis das viaturas iluminaram um galpão de madeira. O que viram lá dentro marcaria suas vidas para sempre: o corpo decapitado de Bernice Worden estava pendurado de cabeça para baixo, suspenso pelos tornozelos e com as mãos amarradas. O torso fora aberto “como um cervo” e apresentava um tiro de rifle calibre .22. As mutilações ocorreram após a morte. A cena parecia irreal, impossível de associar ao homem tímido e solitário que todos conheciam. A casa do horror Na busca pela casa, os investigadores encontraram uma coleção macabra de objetos feitos de restos humanos, todos fotografados e posteriormente destruídos. Entre os achados, havia ossos e fragmentos humanos, uma lixeira e cadeiras estofadas com pele, crânios montados em postes de cama, tigelas feitas de crânios, um espartilho feito com pele humana, máscaras faciais, corações guardados em sacos plásticos, um abajur feito com rosto humano, e até um cinto feito de mamilos. As perícias revelaram que muitos dos restos não pertenciam a vítimas recentes, mas a corpos exumados de cemitérios locais entre 1947 e 1952. Gein confessou ter feito até 40 visitas noturnas a túmulos, em transe. Em algumas ocasiões, dizia ter recuperado a consciência antes de abrir os caixões; em outras, desenterrava mulheres que se pareciam com sua mãe para usar suas peles na confecção de objetos. Durante o interrogatório, admitiu também o assassinato de Mary Hogan, uma garçonete desaparecida desde 1954. Seu rosto, preservado como máscara, e seu crânio foram encontrados em uma caixa na casa. Gein levou os investigadores aos cemitérios que violou, e os achados confirmaram suas declarações. Ele explicou que, após a morte da mãe, tentava criar um “traje feminino” com pele humana para “entrar na pele dela”. Negou ter mantido relações sexuais com os corpos, dizendo que “cheiravam muito mal”. O caso ultrapassou qualquer precedente criminal nos Estados Unidos. Naquela noite, Plainfield deixou de ser uma cidade anônima e se tornou sinônimo de horror. A imprensa o apelidou de “Açougueiro de Plainfield” e “Ghoul de Wisconsin”. Prisão, julgamento e legado Preso em 21 de novembro de 1957, Gein foi acusado de homicídio em primeiro grau pelo assassinato de Bernice Worden. Declarou-se inocente por insanidade, e os psiquiatras diagnosticaram esquizofrenia. Foi internado no Hospital Estadual Central para Criminosos Insanos, em Waupun, e mais tarde transferido para o Instituto Mendota, em Madison. Em 1968, foi considerado mentalmente apto para julgamento. O processo, sem júri, foi conduzido pelo juiz Robert H. Gollmar. Gein afirmou não se lembrar de querer matar Worden e alegou que o disparo fora acidental. Em 14 de novembro de 1968, foi considerado culpado, mas legalmente insano, e readmitido no hospital, onde passou o resto da vida. A fazenda foi avaliada em US$ 4,7 mil e seria leiloada em março de 1958, mas foi destruída por um incêndio antes da data. A origem nunca foi esclarecida. Ao saber do fogo, Gein apenas comentou: “É melhor assim.” Sua caminhonete, usada para transportar corpos, foi vendida por US$ 760 a um empresário de espetáculos que a exibia em feiras. Gein morreu em 26 de julho de 1984, aos 77 anos, vítima de câncer de pulmão. Foi enterrado no Cemitério de Plainfield, ao lado da família. Sua lápide foi roubada em 2000 e recuperada um ano depois em Seattle; desde então, seu túmulo permanece sem identificação. Da realidade à ficção Em outubro de 2025, a Netflix lançou Monster: The Ed Gein Story, terceira temporada da série criada por Ryan Murphy e Ian Brennan, estrelada por Charlie Hunnam. A produção reconstitui os crimes de Plainfield e explora a relação doentia entre Gein e a mãe. O personagem já havia sido citado na série Monster: The Jeffrey Dahmer Story (2022) e inspirou obras icônicas como Psicose (1959), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e O Silêncio dos Inocentes (1991). O caso também deu origem a filmes como Deranged (1974), Ed Gein (2001) e Ed Gein: The Butcher of Plainfield (2007), além do musical Ed Gein: The Musical (2010). Inspirou canções, peças e documentários, e tornou-se parte do imaginário do terror moderno. Mais de meio século após sua captura, o eco de Ed Gein ainda reverbera na cultura popular. Cada nova adaptação, documentário ou filme retorna à mesma pergunta que atormenta Plainfield desde o inverno de 1957: como algo tão monstruoso pôde se esconder por tanto tempo em uma cidade tão pequena?