Quando políticas públicas funcionam e trazem melhorias significativas para a população de uma cidade, é preciso reconhecer e aplaudir, para que gestores sejam estimulados a seguir no caminho mais virtuoso. É o caso das políticas de saúde da prefeitura carioca nos últimos 17 anos, que, com a exceção do desastroso mandato de Marcelo Crivella, têm trazido resultados significativos e melhorias da qualidade de vida para a cidade em atitudes ousadas, pioneiras, com planejamento e gestão de alto nível. Desde 2008 até hoje, a partir em especial da primeira gestão de Eduardo Paes, a cidade do Rio de Janeiro tem vivido uma verdadeira revolução silenciosa — e vital — na sua saúde pública. O que era um sistema fragmentado, excessivamente hospitalar e vulnerável frente às crises foi se transformando, passo a passo, em uma rede mais integrada, preventiva e resiliente. Essa mudança não é mágica: é fruto de escolhas políticas, aprendizado institucional e resposta científica aos desafios urbanos contemporâneos. Do modelo centrado no hospital à saúde territorial Até por volta de 2008, a estrutura municipal de saúde no Rio era fortemente hospitalocêntrica, com atenção primária deficiente e desarticulada. O surto de dengue daquele ano — com mais de 235 mil casos — escancarou essa fragilidade e levou a intervenção federal nos serviços locais. A partir daí, compromissos de reorganização foram assumidos. A partir de 2009, nas gestões do secretário Daniel Soranz, a Atenção Primária (APS) passou a ser reposicionada como pilar do sistema, por meio da expansão territorial, capacitação de equipes e articulação com vigilância local. O salto é impressionante: a cobertura por equipes de Saúde da Família (ESF) saltou de cerca de 3,5 % em 2008 para mais de 70 % em 2016, e hoje já ultrapassa 80 % segundo dados recentes. Esse avanço está ligado a ganhos concretos: queda na mortalidade infantil, redução das hospitalizações evitáveis e das desigualdades regionais, e melhor controle de doenças crônicas. A revista Lancet, uma das mais importantes do mundo, destacou esses avanços em recente artigo. Essa mudança não é apenas um dado estatístico: ela reflete o real fortalecimento de redes territoriais de cuidado, maior proximidade entre pessoas e serviços, e menor dependência de atendimento de emergências e hospitais, racionalizando o sistema, melhorando a qualidade e reduzindo custos. Crises como propulsores da mudança institucional A pandemia de COVID-19 foi outro evento de impulsionamento. No começo, as deficiências estruturais — escassez de pessoal, falta de suprimentos, preparo insuficiente para emergências — ficaram evidentes, especialmente porque a pandemia começou na gestão criminosa de Crivella. Nos anos seguintes, a Atenção Primária foi mais fortalecida para cumprir novas funções: testar, rastrear contatos, proteger grupos vulneráveis, manter serviços regulares e apoiar a vacinação. A pandemia obrigou o sistema a integrar vigilância epidemiológica e cuidado cotidiano em tempo real. A prefeitura criou um Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19 (CEEC), com um grupo de especialistas voluntários de grande destaque (virologistas, epidemiologistas, infectologistas, sanitaristas, clínicos, educadores, pediatras e representante do Unicef e outras secretarias, como a de Educação), que assessoraram e orientaram a SMS (Secretaria Municipal de Saúde ) em decisões importantes, num diálogo produtivo e baseado nas melhores evidências científicas. Tive a honra de participar desse comitê. Isso gerou as melhores políticas de combate, tratamento e prevenção, inclusive com campanhas de vacinação entre as mais bem sucedidas do país. E numa prova da consistência da gestão, o comitê foi mantido após o arrefecimento da Covid 19 como de “Enfrentamento à Emergências em Saúde Pública”, tendo participado em diversas discussões fundamentais, como aumento da cobertura vacinal infantil, na qual o Rio teve atitudes pioneiras, estudo científicos, enfrentamento da Dengue e outras inciativas. Muitas inovações foram feitas na área de vacinação: os Centros Cariocas, abertos até 22hs e nos fins de semana, vacinação móvel, em escolas e outros. A cobertura vacinal da cidade do Rio encontra-se hoje entre as melhores do país. Após a pandemia, portanto, a SMS procurou incorporar essas lições como parte do novo normal. Hoje, a Atenção Básica na cidade não é mais apenas porta de entrada, mas centro de continuidade, monitoramento e inovação do cuidado. Um outro exemplo pioneiro e inovador foi a criação do Centro de Inteligência Epidemiológica, responsável por monitorar e avaliar o cenário epidemiológico da cidade. Instalado em uma das salas do Centro de Operações Rio, o CIE atua no acompanhamento de diferentes indicadores de saúde pública e, a partir deles, auxilia e orienta as decisões estratégicas da SMS que ajudam na prevenção e promoção da saúde dos cariocas. A abordagem inovadora e inclui problemas geralmente ignorados pela saúde, como a violência do trânsito e problemas ambientais. Enfrentar o calor extremo: saúde adaptada à crise climática Se, décadas atrás, epidemias e doenças infecciosas eram os grandes desafios para a saúde pública, hoje o Rio agrega um novo problema: o calor extremo — intensificado pelas mudanças climáticas e pela configuração urbana de “ilhas de calor”. Em outubro de 2024, a cidade instituiu o Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, definindo níveis de calor (NC1 a NC5) e orientando ações articuladas entre saúde, defesa civil, educação e serviços urbanos. Quando a cidade atingiu NC4 em fevereiro de 2025 (temperaturas de 40 a 44 °C por três dias), foram ativados 58 pontos de resfriamento, rotinas de hidratação e ajustes nos serviços públicos, como a preparação de unidades para receber os pacientes em risco. O protocolo já ganhou destaque internacional: foi apresentado nas Nações Unidas e reconhecido como iniciativa de adaptação pioneira, e está entre as que serão apresentadas na COP de Belém. Esse passo — reconhecer que saúde urbana e clima não se separam — simboliza bem a evolução do sistema de saúde carioca. Nenhuma trajetória de melhoria e inovação é isenta de obstáculos. A desigualdade urbana ainda se manifesta em forma de vulnerabilidade térmica — favelas e periferias densas, com pouco verde, materiais que retêm calor e menos ventilação sofrem sensação térmica de mais de 50°C. Para consolidar o progresso, o Rio precisa garantir sustentabilidade: manter equipes bem remuneradas, integrar dados de saúde, monitorar indicadores de desigualdade, investir em infraestrutura verde e ajustar políticas territoriais com justiça ambiental, integrando o trabalho da SMS com outras secretarias, como a de Meio Ambiente e Educação. A crescente crise de saúde mental, especialmente entre adolescentes e jovens, é outra que precisa ser enfrentada e já está sendo discutida pela gestão. Um outro salto relevante na modernização do sistema municipal é a criação, pela SMS, de uma plataforma integrada que reúne o histórico clínico de 7 milhões de pacientes. O novo sistema conecta dados de consultas, exames, internações e tratamentos das unidades municipais — Clínicas da Família, UPAs, hospitais e Centros Especializados de Saúde — em um único repositório acessível aos profissionais de saúde. Essa integração permite diagnósticos mais precisos, continuidade do cuidado (mesmo quando o paciente migra entre níveis de serviço), redução de redundâncias e erros, além de embasar decisões de saúde pública com evidências para planejamento e vigilância. Em outras palavras, trata-se de uma infraestrutura digital que não apenas moderniza prontuários, mas reforça todo o modelo de atenção primária como núcleo de coordenação e gestão clínica. A evolução da saúde pública na cidade do Rio de Janeiro mostra que transformar um sistema é uma tarefa de longo prazo, mas possível. Com ciência, compromisso e inovação, a capital carioca vem conseguindo fazer do cuidado integral não só uma promessa, mas uma prática cotidiana — e até mesmo uma estratégia climática de sobrevivência. Esse caminho serve de inspiração para outras metrópoles, que já veem o Rio como referência. Quero reforçar não se trata aqui de forma alguma de propaganda política. Mas sim um reconhecimento - por esse colunista que é pediatra e sanitarista, e que tem o privilégio de acompanhar o esforço de uma excelente equipe -, de um trabalho meritório, que mesmo não sendo perfeito, fez e segue fazendo avanços altamente meritórios e que precisam ser conhecidos – e aplaudidos pelos cariocas.