Perícia aponta indícios de fraude em registros do Alvorada anexados ao processo de Filipe Martins

Os registros de entrada no Palácio da Alvorada utilizados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para sustentar a investigação contra o ex-assessor presidencial Filipe Martins apresentam inconsistências formais e indícios de irregularidade. A análise revela que parte dos documentos usados como prova não consta nas listas oficiais de controle de acesso divulgadas pelo governo e foi produzida sem padrões administrativos . As listas de entrada oficiais, emitidas pela administração da Presidência e obtidas pela defesa de Martins, são produzidas em planilhas digitais padronizadas. Esses registros oficiais contêm nome completo, função, data, hora de entrada, hora de saída e motivo do acesso. Neles não há nenhuma menção ao nome de Filipe Martins nas datas citadas pela PGR. + Leia mais notícias de Política em Oeste Entretanto, outro conjunto de documentos foi posteriormente anexado ao processo pela PGR: trata-se de folhas manuscritas, atribuídas ao controle de portaria do Palácio da Alvorada, com registros supostamente feitos por militares plantonistas. Essas folhas manuscritas não têm origem informada, não seguem padrão administrativo e trazem assinaturas diferentes atribuídas a um mesmo responsável, identificado como Gomes Neto. Divergências nas assinaturas A assinatura de Gomes Neto aparece em dezenas de páginas de controle manuscrito. Porém, a comparação entre os registros revela diferenças evidentes: Em alguns documentos, a assinatura está em letra cursiva; em outros, em letra de forma; O traçado das letras varia em inclinação e estrutura; e Em determinadas folhas aparece o título funcional “2º Sgt.”; em outras não há identificação militar. O padrão de escrita e a intensidade gráfica variam de forma incompatível com a autoria de uma única pessoa. Esse conjunto de alterações é apontado por especialistas como incompatível com a regularidade documental exigida em registros oficiais de segurança. A assinatura de Gomes Neto aparece em dezenas de páginas de controle manuscrito | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal Em alguns documentos, a assinatura está em letra cursiva; em outros, em letra de forma | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal Perícia questiona validade dos documentos Uma análise técnica em documentoscopia anexada ao processo afirma que não é possível atestar a autenticidade das assinaturas devido à ausência dos documentos originais. O parecer observa que os registros foram juntados em formato digitalizado, o que impede a verificação de elementos essenciais para a perícia, como pressão gráfica, sobreposição de tinta e ritmo de escrita. O laudo sugere que as divergências são suficientes para levantar dúvida sobre a autoria dos registros e recomenda a imediata preservação dos documentos físicos originais para evitar contaminação de prova e risco de nulidade processual. A conclusão técnica sugere também obter padrões reais de assinatura do suposto responsável, já que não foi apresentado nenhum documento oficial que comprove que Gomes Neto era plantonista na portaria do Palácio do Alvorada nos dias registrados. Sem identificação Não há, nos autos, documentos que comprovem: Quando e por quem os registros manuscritos foram produzidos; De que forma os documentos entraram no processo; Se houve protocolo oficial de entrega; Se existe cadeia de custódia documentada (conjunto de procedimentos que garante a rastreabilidade, autenticidade e integridade de uma prova); Se os documentos passaram por conferência do órgão que os teria produzido; e Onde estão os originais físicos. A ausência de cadeia de custódia pode comprometer o valor probatório dos registros, segundo especialistas em processo penal consultados. Na prática, isso significa que não há comprovação de que os documentos foram preservados de forma íntegra e livre de adulteração. Vínculo não comprovado A reportagem verificou que existe um militar de nome Antonio Gomes dos Santos Neto, com histórico de atuação no Exército. No entanto, não foi apresentado nenhum documento que comprove oficialmente que o militar tenha sido o responsável pela portaria do Alvorada nas datas registradas. Peritos afirmam que a simples existência de um militar com esse nome não é suficiente para confirmar a autenticidade das assinaturas questionadas. A inconsistência nos registros passou a ter repercussão política depois de ser citada em discurso pelo deputado Marcel van Hattem, que mencionou a possibilidade de fraude documental. No entanto, a contestação da defesa de Filipe Martins já corria nos autos antes da manifestação parlamentar. A defesa afirma que houve inclusão indevida de material sem origem comprovada e que a utilização dos registros manuscritos compromete a lisura do processo. A PGR não esclareceu a origem dos documentos até o momento. O Supremo Tribunal Federal (STF) não se manifestou oficialmente sobre a contestação. https://www.youtube.com/watch?v=WEXBfKkIFe0 Ligação com o caso Filipe Martins Os registros manuscritos contestados entraram no processo que envolve o ex-assessor internacional Filipe Martins no STF. A PGR utilizou essas folhas como indicativo de que Martins teria frequentado o Palácio da Alvorada em datas específicas, sugerindo sua participação em reuniões do núcleo estratégico do governo à época. No entanto, as listas oficiais de acesso ao Alvorada — emitidas pela administração federal e produzidas em formato digital — não registram nenhuma entrada atribuída a Martins nos mesmos dias. A divergência entre os documentos oficiais e os registros manuscritos, somada às inconsistências nas assinaturas, levou a defesa a questionar a validade desse material no processo. Martins chegou a ser preso preventivamente em 2023 , permaneceu seis meses detido e hoje responde em liberdade, mas sob medidas cautelares, como proibição de contato com outros investigados e restrições de deslocamento. Leia também: "A jornada do herói" , artigo de Ana Paula Henkel publicada na Edição 280 da Revista Oeste O post Perícia aponta indícios de fraude em registros do Alvorada anexados ao processo de Filipe Martins apareceu primeiro em Revista Oeste .